Sobre o primeiro assunto, Isaías Samakuva põe todos (e mais alguns) dedos na ferida e - por sua conta e risco - afirma, por exemplo, que “o resultado oficial das eleições de 05 de Setembro de 2008 é o produto misto de três grupos de factores combinados, que estão quantificados do seguinte modo: 1º) - A intimidação orquestrada, a instrumentalização das autoridades tradicionais e a corrupção eleitoral nas zonas rurais contribuíram em 40% para o vício da vontade popular. 2º) - Os vícios processuais e as irregularidades planeadas pela Administração eleitoral, pelo SINFO e pela Casa Militar da Presidência da República contribuíram em 40% para os resultados anunciados. 3º) - As nossas próprias debilidades contribuíram em 20% para o resultado oficial dessa eleição(sic!)”. Leia, já a seguir, e (não) comente os argumentos de razão do sucessor de Jonas Savimbi à testa do Galo Negro.

 

Os resultados das eleições de 5 de Setembro de 2008 revelaram claramente que o seu partido está a viver o momento menos bom da sua História. Será que os "sapatos" herdados de Jonas Savimbi (leia-se direcção da UNITA) são muito grandes e pesados para si?
Os resultados das eleições de 5 de Setembro de 2008 não permitem avaliar a verdadeira dimensão actual da UNITA, porque não reflectem a real vontade dos eleitores angolanos. Para além dos efeitos da intimidação, da completa partidarização dos Órgãos da Comunicação Social estatal (os únicos com cobertura nacional) e da instrumentalização das autoridades tradicionais, a auditoria que mandamos realizar ao processo eleitoral revelou, a partir dos dados da própria Comissão Nacional Eleitoral (CNE), que houve 12.200 mesas de voto fantasmas, o que corresponde a uma média de mais de 3.000.000 (três milhões) de votos fantasmas. Aliás, grande parte das irregularidades constatadas pela referida auditoria, foram confirmadas pelo relatório da equipa de observadores da União Europeia (UE) que acompanhou as eleições em Angola.

O partido que dirige conseguiu obter nas últimas eleições legislativas apenas 16 lugares no Parlamento. Estamos perante o começo do fim do "Galo Negro" ou do início da sua redução à insignificância política?

Creio que a vontade dos que nos atribuíram os 16 lugares no Parlamento é o de reduzir a UNITA à insignificância política e vê-la, numa segunda etapa, desaparecer da cena política angolana. Foi sempre este o sonho deles. Porém, sou de opinião de que o Povo angolano está a adquirir maturidade que vai exigir processos eleitorais mais transparentes e realizados de forma democrática. Ou seja, vai evitar situações em que os resultados eleitorais provenham de cálculos aritméticos.

 

Terá peso de consciência se nas próximas eleições legislativas o seu partido reduzir para cinquenta por cento o actual número de deputados ou eventualmente ser extinto?

INão tenho nenhum peso de consciência causado pelos resultados eleitorais. Nem o terei enquanto os referidos resultados forem consequência de uma fraude e de um cálculo aritmético como aconteceu com as eleições de 5 de Setembro de 2008.

 

Quais foram as razões que terão determinado a derrota eleitoral do partido que dirige?

ICom base na auditoria realizada sobre o processo eleitoral, concluímos que o resultado oficial da eleição de Setembro de 2008 é o produto misto de três grupos de factores combinados, que estão quantificados do seguinte modo: 1º) - A intimidação orquestrada, a instrumentalização das autoridades tradicionais e a corrupção eleitoral nas zonas rurais contribuíram em 40% para o vício da vontade popular. 2º) - Os vícios processuais e as irregularidades planeadas pela Administração eleitoral, pelo SINFO e pela Casa Militar da Presidência da República contribuíram em 40% para os resultados anunciados. 3º) - As nossas próprias debilidades contribuíram em 20% para o resultado oficial dessa eleição.

 

Confirma que os resultados eleitorais de 5 de Setembro de 2008 terão colocados em causa a sua liderança no seio do Galo Negro?

IPor tudo o que ouvi dos comentaristas e ditos analistas próximos do Regime, um dos objectivos da aritmética eleitoral verificada, era colocar em causa a actual liderança do nosso partido. Porém, na UNITA quem decide são os seus membros pelo que as insinuações feitas na altura, mereceram o seu julgamento maduro e responsável.

Há agentes de Defesa e Segurança do Estado que já aceitam ser sacrificados para defender injustiças

 

 Os chamados barões do seu partido (Samuel Chiwale, Ernesto Mulato, Abel Chivukuvuku, Lukamba Gato, Marcial Dachala e, embora proscrito, Jorge Valentim, Eugénio Manuvakola e outros) não o responsabilizaram pelo desastre eleitoral do seu partido nas últimas eleições?

INa UNITA não reconhecemos a existência de barões. O estatuto do partido não contém nenhuma cláusula sobre a existência de barões. Ele estabelece Direitos e Deveres iguais para todos os seus membros. As opiniões são emitidas e avaliadas pela sua importância, pelo seu valor e pela sua pertinência. As decisões são tomadas por consenso ou por maioria.

 

Tem adversários ou inimigos no seio da UNITA?

IAinda que os tivesse, não falaria deles aqui pois não teria interesse em divulgar publicamente questões internas do meu partido. Não tenho nenhum interesse em falar publicamente de questões que constituem a vida interna do meu partido..

 

Até quando é que pensa liderar a UNITA e se tivesse que apontar um nome para substituí-lo quem seria?

IEm condições normais, o meu actual mandato terminará em Julho de 2011, altura em que o meu sucessor será escolhido por delegados ao 11º. congresso do partido a realizar nessa altura. Portanto, é tarefa dos delegados a esta suprema instância do partido, eleger o presidente do partido. Como este não resulta da escolha do presidente cessante, ainda nunca dispensei tempo para pensar nisso. A UNITA é de todos os seus membros. Ninguém é dono do partido. O seu presidente é eleito e não indicado por quem quer que seja.

 

A adaptação da UNITA, de 2002 para cá, a partido político de facto, está ser fácil?

IA adaptação não tem sido fácil. De resto, trata-se de um processo moroso que vai levar ainda algum tempo. O processo não é apenas político, mas é também uma questão psicológica e de mentalidade; ela envolve também aspectos sociais e económicos que facilitem a reinserção na Nova Ordem. Envolve ainda elementos e factores externos ao próprio universo do partido. Na própria sociedade angolana ainda há muitos que olham para a UNITA como uma organização tipo Estado. Acham por exemplo, que a UNITA também devia construir escolas e hospitais, quando esta é uma tarefa do Governo. Já ouvi mesmo membros do Governo a perguntar o que é que a UNITA já fez, por exemplo, em termos de construção de estradas e de pontes! Também já li escritos de jornalistas a questionar como é que a UNITA vai, agora que teve apenas 16 deputados, sustentar os seus quadros! Portanto, afinal, a adaptação não é apenas dos membros da UNITA nem deve ocorrer apenas na UNITA. Trata-se de um processo mais amplo, extensivo a todos os angolanos e requer uma nova forma de pensar, nova mentalidade e estratégias correctas para que os angolanos se reencontrem e convivam harmoniosamente, sem discriminação e sem medo.

 

O que é que está bem e o que é está mal no País?

IO nosso país cresceu economicamente e o nosso povo cresceu ainda mais politicamente. Valores como o estudo, a nutrição, a democracia e a legitimidade política já são perseguidos pelo Povo. Este já escrutina as decisões dos tribunais. Já há uma grande porção de oficiais e agentes dos órgãos de Defesa e Segurança que não aceita mais ser sacrificada para defender injustiças que se cometem em nome do Estado. Eles já distinguem entre a defesa do Estado Democrático de Direito e a defesa de negócios privados em nome do Estado. A Sociedade Civil passou a fortalecer-se e a ganhar cada vez mais autonomia; as inovações artísticas apresentam-se qualitativamente mais competitivas; uma nova geração de angolanos saída das universidades, no País e no estrangeiro, vai-se afirmando com consciência crítica nos espaços políticos, comerciais e científicos. Os nossos jornalistas lutam, a cada dia que passa, por mais espaços de Liberdade e responsabilidade. Os democratas aumentam de número no seio de todos os partidos – incluindo o MPLA e dizem no seu íntimo: "Basta! É demais. Esse não é o Estado pelo qual lutamos". Os programas de governação já estão melhor elaborados. São bons. Porém, uma coisa é a retórica e outra é o que se vê e se faz na prática. O quadro social actual é ainda desolador para 33 anos de independência: Somos cerca de 18 milhões, dos quais 70% vivem em aglomerados rurais e sub-urbanizados em Luanda, Huila, Benguela, Huambo, Uige, Moxico e Kwanza Sul, com uma expectativa de vida de 40 anos! A taxa de mortalidade infantil é das mais altas do mundo. Apenas 34% da população consome água potável e mais de 68% vive abaixo dos limites da pobreza. Há menos de um médico para cada 10,000 habitantes. Do ponto de vista político, o Regime comporta-se ainda como um poder absolutista que semeia o medo por todos os cantos, que pensa que a todos sustenta e domina, que ainda não aceita bem o jogo da democracia, que intimida e reprime os que não alinham com sua política de exclusão. Precisamos de humanizar a governação do País. Ele é, acima de tudo, feito de seres humanos que o habitam. Os seus recursos, os seus rios, as suas paisagens, as suas estradas, enfim, tudo o que tem, só é bom, só é útil, se servir bem os seus filhos e filhas. Eles devem ser o ponto de partida e de chegada de toda e qualquer acção governativa. A base do desenvolvimento de Angola é o desenvolvimento e acumulação do seu capital humano. Esta é a tese mestra do nosso "Programa da Mudança," . Tal desenvolvimento terá de traduzir-se no aumento da longevidade das pessoas, na melhoria da nutrição das crianças, no aumento das capacidades técnicas e profissionais dos jovens, na eliminação da fome e das endemias, no crescimento dos rendimentos dos trabalhadores e no aumento do consumo e das poupanças das famílias. Defendemos uma política de inclusão que consolida a paz e a reconciliação nacional, que objectiva a coesão social e que prioriza a pessoa humana, dando-lhe formação, saúde, emprego, habitação e igualdade de oportunidades. Precisamos de soluções realistas para acabar com a pobreza e com a exclusão social; necessitamos de assegurar o respeito, a dignidade e a estabilidade das instituições e construir um Estado verdadeiramente democrático e de Direito.

 

Há quem abandone a UNITA por oportunismo político ou por não resistir à política de exclusão do MPLA

 

 A UNITA está satisfeita pela reconstrução de estradas, pontes, residências e infra-estruturas feitas pelo Governo?

IO Governo tem feito algum trabalho no cumprimento do seu dever de reconstruir e desenvolver o País. Isto envolve a reconstrução de estradas, pontes, residências e infra-estruturas destruídas pela guerra e não só. Penso que ainda há muito a fazer tanto no que diz respeito à qualidade das obras que têm sido executadas como também no que toca à extensão do território nacional abrangido, pois é importante que o País seja encarado na sua totalidade, para evitarmos as assimetrias que, apesar de tudo o que se tem dito e escrito sobre elas, tendem a prevalecer.

 

Previa algum dia a rejeição do voto a partir das fileiras do seu próprio partido?

INão. Porém, nas democracias isto é possível e é normal. Acontece.

 

O seu partido tem capacidade, daqui para frente, para sustentar os seus quadros?

IPara nós não há quadros dos partidos. Há quadros nacionais e, como já disse anteriormente, a missão de sustentar os quadros nacionais, pertence ao Estado. É verdade que as políticas discriminatórias que o Governo do MPLA tem estado a implementar no País, beneficiam apenas os cidadãos membros deste partido, relegando os restantes à sua sorte. Naturalmente que estas políticas acabam por ser um contra senso, pois de um lado fala-se de inclusão e coesão social mas do outro lado, discrimina-se os cidadãos pela cor das suas camisolas políticas. Se o nosso objectivo for a construção de uma sociedade coesa, que se reveja no Estado de Angola, então os seus governos terão de deixar de ver os cidadãos pela sua cor política e praticar aquilo que preconizam no seu discurso político. Os quadros são do País e o Estado tem a responsabilidade de sustentá-los, criando empregos e oportunidades para se realizarem no País da sua nascença e da sua nacionalidade.

 

Vai manter a estrutura partidária existente ou vai compatibilizar as dificuldades encontradas face ao seu desempenho anterior?

IJá começamos a reestruturar o partido, ajustando as suas estruturas à realidade que vivemos. Esta tarefa faz parte do exercício de transição que a UNITA está a viver desde 2002 e que vai, certamente, levar ainda algum tempo.

 

Qual é a sua posição sobre o abandono da organização por parte de antigos militantes?

IPenso que há os que desertam do Partido por opção política. Isto acontece com os que deixam a UNITA para outros partidos e com os que têm vindo a integrar-se na UNITA, vindos dos outros partidos, incluindo do MPLA. Outros, porque, expostos à miséria, não resistem à estratégia da política de exclusão seguida pelo MPLA como forma de atrair, para as suas fileiras, mais adeptos. Outros ainda fazem-no porque, faltos de convicções, são simples oportunistas políticos.

 

Qual é a posição definitiva sobre o funeral definitivo do fundador do seu partido?

IAinda não há uma posição definitiva sobre este assunto. A posição da família biológica e política do Presidente Fundador do nosso partido, a UNITA, é de transladar os seus restos mortais para o cemitério da família, que se encontra na aldeia de Lopitanga, próximo da Missão Evangélica do Chilesso, no município do Andulo, província do Bié.

 

* Jorge Eurico
Fonte: Notícias Lusófonas