Já o disse aqui e noutras plateias que o mérito do artigo 159 é da exclusiva autoria do MPLA que na solidão da sua imensa e monocórdica Assembleia do Povo se comprometeu com o futuro democrático deste país.

Um compromisso muito concreto com os fundamentos do projecto democrático liberal, independentemente de qualquer resultado eleitoral que viesse a ocorrer.
Naquela altura ainda ninguém sabia qual seria o resultado da tragédia eleitoral de 92 e não eram poucas as estimativas que apontavam para a derrota do MPLA.

Ao introduzir no novo texto constitucional os seis princípios para além dos quais ninguém poderia passar em matéria de alterações futuras, o MPLA protegeu-se a si próprio e a todo o país de qualquer tentação totalitária que pudesse emergir das primeiras eleições multipartidárias realizadas em Angola.

De facto e de jure o MPLA soube, com a colocação de um tal cadeado proteger-se, em primeiro lugar, das tentações totalitárias provenientes do seu próprio seio, considerando a sua anterior ideologia e praxis, fortemente indexadas ao modelo comunista com alguns inputs locais, que resultaram no chamado “socialismo esquemático”.

Depois, protegeu de facto e de jure todo o país de outras ameaças provenientes da guerrilha e do seu carismático e truculento líder, numa altura em que o ambiente nas hostes da UNITA era claramente ufanista. Ninguém por aquelas bandas admitia a possibilidade da derrota e até já se faziam algumas preocupantes contas de subtrair.

Mais de 16 anos depois deste feito, é com alguma tristeza que estamos agora a assistir a possibilidade do MPLA querer ver-se livre de uma das suas criaturas, por sinal a mais perfeita, aquela que mais o deveria orgulhar.

Nos seis pontos constantes do artigo 159 está o presente e o futuro deste país conforme todos nós desejamos, a não ser que algum referendo nos venha a provar o contrário.
E a acontecer esta consulta popular quais seriam as duas opções a serem colocadas aos angolanos? Penso que os autores desta tentativa deveriam começar num tal referendo, caso de facto o assunto não fique por aqui.

Só mesmo com a realização de um referendo aceitaria que se mexesse neste cadeado estratégico que o MPLA introduziu de forma magistral na nossa vida nacional.

Por razões que nos parecem ser apenas de ordem conjuntural e pessoal, não faz qualquer sentido estarmos agora a tentar mexer num testamento que a todos nos deveria orgulhar e honrar, porque de facto tem um valor perene que importa saber conservar contra ventos e marés.

Estes sentimentos deveriam, antes de mais, ser assumidos na prática por todos quantos vivem exclusivamente na orbita do planeta rubro-negro, onde, perdoem-nos a interferência, sabemos que os desentendimentos são mais do que muitos, não havendo contudo coragem suficiente para os assumir por parte de quem discorde da linha oficial.
O Mestre Marcelo Rebelo de Sousa disse aos angolanos que é um erro com a Constituição criarem-se regras à medida das pessoas.

É um erro, justificou, porque as pessoas são passageiras e as instituições ficam.
Por muito importantes que sejam as pessoas, aconselhou o Mestre, prender a evolução em função daquilo que é a realidade do presente é uma ilusão.
Com estas e outras palavras, das muitas que disse por estas bandas há pouco mais de duas semanas, Marcelo Rebelo de Sousa só podia estar a dirigir-se a um interlocutor.

Não há, contudo, nada de novo nestes avisos à navegação que estamos carecas de fazer e de ouvir.
Mas como os santos da casa não fazem milagres, a esperança - que já não é a última morrer, pois o ciclo da morte já foi enterrado neste país - é de que vozes autorizadas vindas de fora possam operar o milagre da clarividência, o milagre da lucidez.

É um milagre que no fundo depende de muito pouco. É um milagre em que acreditamos, pois sabemos que o poder de hoje também já não é o mesmo de ontem. Há mais flexibilidade, há mais pragmatismo, há mais aproximação.

2-Já manifestei o meu cepticismo em relação ao que será a qualidade do debate constitucional que se avizinha, no que toca à participação da sociedade civil. Estou convencido que mais do que nos preocuparmos em apresentar propostas sectoriais ou mesmo ante-projectos acabados, as nossas atenções deveriam estar orientadas para a chamada auditoria democrática do modelo que o MPLA nos vai propor. Ou impor?

Não desencorajo quem o queira fazer, mas gostaria de saber primeiro o qual é a proposta constitucional que o MPLA tem para este país, uma vez que só ele está em condições de aprovar o novo texto.

Assim sendo e até para economizarmos recursos consideráveis e alguma paciência, somos a sugerir que, tão logo fosse possível, o MPLA tornasse público o seu ante-projecto, o que de facto iria ajudar muito o debate que ainda é possível fazer-se nos limites demasiado apertados (sufocantes mesmo) da actual conjuntura político-partidária.

Penso que seria muito mais útil e produtivo discutir-se com o MPLA a sua proposta na perspectiva de uma auditoria democrática do modelo, considerando que já existe suficiente jurisprudência constitucional que é preciso ter em conta.

Por exemplo o regime presidencialista com todas as variantes que possa apresentar tem já algumas traves mestras que não é possível ultrapassar, se de facto estivermos todos seriamente comprometidos com o projecto democrático plasmado em síntese nos seis pontos da nossa bandeira nacional que é o artigo 159.

Fonte: morrodamaianga