Luanda – Recentemente o Parlamento Europeu aprovou, com maioria esmagadora, uma Resolução (2015/2839-RSP) sobre Angola. Esta Resolução, do Parlamento Europeu, composto por 28 países membros, faz um diagnóstico realístico e objectivo da realidade angolana quanto se trata de falta de liberdade, da democraticidade, dos direitos humanos, de boa governação e de falta de independência do sistema judicial.

Fonte: Club-k.net
A Resolução destaca igualmente o nível elevado de corrupção e a concentração excessiva da maior parte da riqueza nacional nas mãos de um pequeno sector da população, detentores do poder político.

O mais chocante é a revelação de que, as receitas do petróleo, principal recurso do governo de Angola, não estão orientadas para o desenvolvimento sustentável ou para as comunidades locais, e que, a elite dominante se tornou cada vez mais rica. Pois que, a riqueza nacional está concentrada nas mãos de um pequeno sector da população.

Para evitar qualquer má-interpretação, torna-se imperativo transcrever, na íntegra, a alínea (Q) da Resolução em referência, que segue: “Considerando que, apesar dos compromissos assumidos pelo governo de Angola no sentido de intensificar os esforços para reforçar a luta contra o sistema de branqueamento de capitais e de combate ao financiamento do terrorismo (ABC/CFT) e de alguns progressos realizados; o Grupo de Acção Financeira – uma organização intergovernamental, fundada em 1989 por iniciativa do G-7 para desenvolver políticas de luta contra o branqueamento de capitais – continua a identificar deficiências estratégicas no sistema ABC/CFT, em Angola.”

Numa linguagem diplomática este texto está dizer que, o governo de Angola continua a envolver-se nos actos de branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo (ABC/CFT).Contudo, não é a primeira vez que surjam informações neste sentido e o sistema de governação de Angola (devido a corrupção elevada, a falta de transparência, a falta de fiscalização e a falta de prestação de contas) viabiliza este processo de enriquecimento rápido e ilícito, e de infiltração nas empresas dos dirigentes angolanos pelos elementos duvidosos.

Alias, os Negócios dos governantes de Angola estão bem emaranhados e entrosados com o Médio Oriente, onde a SONANGOL envolveu-se (com enormes investimentos) na exploração do petróleo na Síria, cujas fábricas se encontram hoje sob o controlo efectivo do Estado Islâmico.

Esta Resolução, de uma forma preocupante, chama a atenção às tentativas sistemáticas pelo governo de Angola de limitar as liberdades de expressão, de imprensa, de reunião pacífica e de associação.

Isso está evidente, por exemplo, na proibição da transmissão em directo das sessões plenárias e das reuniões das comissões de especialidades do Parlamento Angolano por parte dos órgãos de comunicação social públicos e privados.

Feita esta leitura sucinta da propalada Resolução do Parlamento Europeu, facilmente chega-se a conclusão de que, afinal de contas a União Europeia está ciente da conjuntura interna de
Angola e sabe em profundidade o que passa no nosso País.

A fotografia feita, através desta Resolução, a imagem é tão ilustrativa que não deixa qualquer dúvida sobre um conjunto de atropelos sistemáticos contra a dignidade humana e contra os direitos fundamentais do homem, aos quais o Estado de Angola é subscritor (ratificados) de pleno direito internacional.

Neste respeito, Angola ratificou uma série de instrumentos internacionais e regionais, como por exemplo, a nível das Nações Unidas, da Assembleia Parlamentar Paritária ACP-UE, da União Africana, da SADC, da CPLP, de PALOP, etc.

Em função disso, no quadro do Acordo do Cotonu, artigo 8º, em Outubro de 2014, Angola reafirmou o seu empenhamento no dialogo politico e na cooperação, decididos no documento, «Caminho Conjunto UE-Angola», de que a boa governação, a democracia e os direitos humanos são pilares essenciais do Estado.

Portanto, Angola além de ser membro do Conselho de Segurança da ONU, assumiu compromissos estratégicos de parceria com a União Europeia, que confere o direito às partes fiscalizar reciprocamente o cumprimento escrupuloso dos compromissos assumidos e dos acordos celebrados, no contexto do direito internacional.

Contudo, a falta de independência do sistema judicial constitui o factor principal que conduz o governo de Angola a agir em plena arbitrariedade. O Presidente de Angola, através do poder unipessoal, centralizado numa pessoa, sente-se todo-poderoso. Por este motivo, ele é a lei e a lei sujeita-se a ele.

Nessas condições, ele é imune da lei, e não presta contas a ninguém; nem tem obrigação ou o dever de respeitar os órgãos de soberania do Estado, muito menos os direitos e liberdades individuais e do povo.

Acima disso, todo o sistema judicial, a todos os níveis da hierarquia, é nomeado, controlado e orientado directamente pelo Presidente de Angola através dos Comités de Especialidades do MPLA, que enquadram obrigatoriamente os Juízes, os Magistrados e uma boa parte dos Advogados.

O exemplo mais concreto foi o caso dos cinco deputados da Assembleia Nacional de Angola, do Grupo Parlamentar da UNITA, em pleno exercício de funções, com suas imunidades parlamentares, em Janeiro de 1999 foram recolhidos a madrugada, das suas casas, levados a Cadeia do Laboratório Central Criminalístico, ao lado do Cemitério Santana, em Luanda, encarcerados durante 10 meses, sem julgamento.

Os deputados detidos, sem cumprir os trâmites legais do Regimento da Assembleia Nacional, foram os seguintes: Carlos Alberto Calitas, Daniel José Domingos “Maluka”, João Vicente Viemba, Carlos Tiago Kandanda e Manuel Savihemba.

Durante a detenção, o Procurador-Geral da República, Dr. Domingos Culolo, exercia a pressão enorme sobre o Tribunal Supremo, para que aceitasse a invenção de um «crime de lesa-pátria» no sentido de consumar e justificar a condenação de «pena capital» aos deputados-detidos.

Mas esta pretensão da PGR tivera sido gorada pelo venerando juiz Conselheiro Dr. Neto de Miranda, que contestava insistentemente esta teoria fraudulenta. Afirmando que, se não produzir provas materiais contra os deputados-detidos, eles «serão absolvidos» e mandá-los em liberdade.

Neste respeito, este grande homem de Direito e Patriota assumido, tem um lugar de ouro bem reservado na História de Angola, como símbolo indomável de rectidão e de audácia –para as gerações vindouras. Todavia, o «jogo de ping-pong» entre o Tribunal Supremo e o Ministério Publico persistiu e permaneceu até hoje.

Mas, devido a pressão insustentável da Comunidade Internacional os cinco deputados, a cima referidos, tiveram sido soltos pela Câmara Criminal do Tribunal Supremo, sob uma condição expressa, segundo a qual, «devendo os autos aguardar pela produção da melhor prova, nos termos dos artigos 367º e 368º do Código Processual Penal».

Para dizer que, desde então, os cinco deputados ficaram submetidos ao regime de liberdade condicional, vigiados continuamente pelos Serviços de Segurança do Estado, com fim de encontrar as melhores provas sobre os supostos crimes, pelos quais foram detidos em Janeiro de 1999, em pleno exercício de suas funções, com imunidades parlamentares.

Pois que, na altura da detenção, os cinco deputados foram acusados de «rebelião armada contra a segurança do Estado». Alegando, o «flagrante delito», em possuir homens armados nos arredores, prontos para assaltar a cidade de Luanda; além disso, em ter plantado bombas em Malange, no Kuito, no Huambo e no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, em Luanda.

Perfilados numa sala do laboratório criminalístico, como se fossem criminosos, com chapas nos peitos, com letras grandes: “A Rebelião Armada.” Dai, foram tirados fotos de cada um, em vários perfis, com uma chapa individual, com o mesmo dizer – totalmente humilhados. Lá fora, a comunicação social pública intensificava deliberadamente a campanha de propaganda falaciosa, de desinformação, de calúnia, de difamação e de injúria contra esses legisladores.

Interessa dizer que, durante 10 meses de prisão, os deputados-detidos foram submetidos as condições desumanas e severas; sem acesso aos cuidados de saúde; sem fornecimento de alimentos e água pelas autoridades; dependendo exclusivamente de suas famílias que tiveram que passar por vias difíceis para deixar passar a comida e água. Como dirigentes e políticos, deviam ter tido acesso à informação, à literatura, à rádio e à televisão. O que não aconteceu.

O advogado de defesa, Dr. André Milton Kilandamoko, tinha restrições regidas de estabelecer contactos com os deputados-detidos; desdobrava-se em pedido de «habeas corpus» no fim de prazos da prisão preventiva; mas, ignorado absolutamente.

Os legisladores-detidos foram submetidos à tortura psicológica, ameaçados e terrorizados; forjando dados falsos para obrigar os deputados-detidos aceitá-los como verdadeiros. Acima disso, eram regularmente agredidos com espingardas nas celas por agentes de segurança e conduzidos para uma sala onde eram concentrados; as camas eram feitas de cimento, sem colchões, sem cobertores e sem lençóis para cobrir; as celas estavam cheias de poeiras, de bichos, de insectos, de répteis e de mosquitos; no tempo de calor as celas se transformavam em infernos; foi um grande drama, e se os deputados-detidos sobreviveram foi um milagre de Deus.

O WC, ao lado da cama de cada cela, tinha o sistema de respiração; muitas vezes, durante a estação chuvosa, os resíduos do esgoto eram levantados deliberadamente, inundando e sufocando todo o ambiente, com dióxido de carbono; logo de manha, os deputados-detidos tinham que transportar este lixo em baldes de plásticos sob vigia dos agentes de segurança; por isso, os cinco deputados, vitimas desta barbaridade, ficaram todos afectados por doenças crónicas do sistema pulmonar, respiratório, cardíaco e de hipertensão.

Em busca de tratamento na Alemanha, após prisão, General Miala, Chefe dos Serviços de Inteligência Externa (SIE), esteve três vezes na cidade de Munique, no Estado de Baviera, na tentativa de raptar um dos cinco deputados e levá-lo para Luanda, passando pela Europa do Leste. Graças a intervenção atempada dos Serviços da Alemanha, que tomaram medidas rápidas e eficazes da protecção do legislador angolano.

As condições da cadeia foram precárias. Os legisladores não tiveram acesso à luz solar; somente havia uma sala, logo na entrada do bloco das celas, que dava luz solar durante 30 ou 40 minutos por dia – de acordo com a rotação do sistema solar.

Em contraste, no decurso desta prisão tinha sido detido um alto funcionário público e que ficou colocado num quarto vasto, virado para um jardim ervado, com uma sala bem apetrechada de cadeirões, com televisor e rádio; o sujeito recebia regularmente os familiares, amigos e seu advogado de defesa, num ambiente relaxado e de conforto.

Este “Suíte-VIP”, reservado somente para o cuidado especial e confortável dos militantes do MPLA, estava situado entre as celas onde estavam detidos os deputados da UNITA e os gabinetes de interrogatório. Ao sair pelo corredor, passava por este “Suite-VIP.”Nesta altura, o espírito forte de intolerância politica e de segregação étnico-cultural, mesmo dentro do estabelecimento prisional, era evidente.

Convém realçar o facto de que, os deputados-detidos estavam sob alçada directa dos serviços de segurança do Presidente da Republica e Chefe do Estado. Para o melhor controlo, na lógica de prender para investigar, foram introduzidos na Cadeia mais de 8 elementos, a título de detidos, com a missão de controlar e espiar as conversas dos deputados-detidos. No fim do dia, vinha sempre um Oficial de Segurança do Palácio Presidencial do Futungo de Belas para recolher os relatórios desta equipa.

Depois da soltura (sob a condição dos autos aguardar pela produção da melhor prova), pela Câmara Criminal do Tribunal Supremo, as imunidades parlamentares dos deputados ora soltos não foram formalmente restituídas pela Assembleia Nacional, através de uma sessão plenária. Nem houve, até hoje, qualquer Resolução da Assembleia Nacional de Angola sobre este Processo. Nem sequer existe uma Resolução sobre a suspensão temporária dos mandatos.

Em toda documentação da Assembleia Nacional, publicada desde 1999 até 2016,não consta nenhum documento que faça menção sobre a prisão dos Cinco Deputados. Acima disso, os arquivos individuais desses deputados foram retirados, escondidos ou destruídos. Isso é estranho e revela o tamanho da má-fé, deste acto premeditado pelo governo, em conluio com o Presidente da Assembleia Nacional, Dr. Roberto de Almeida.

Decorridos 16 anos, este Dossier (Proc.05/1999, do Tribunal Supremo), ainda não tem desfecho, por não existir consenso sobre «a presença do dolo, da absolvição, da privação da liberdade e do flagrante delito», invocado como sendo o motivo da detenção arbitrária dos deputados, sem proceder primeiro à suspensão temporária de mandatos e o levantamento das imunidades parlamentares.

Não obstante, movidos pelo «sentido forte de Estado» os cinco deputados mantiveram em sigilo o andamento deste processo, sem o conhecimento da opinião pública nacional e internacional, com a esperança de que, o Tribunal Supremo exercesse a Justiça, nos restritos marcos da Constituição e da Lei.

Devolvidos 16 Anos, nada disso que se vislumbra no horizonte, metendo-se em evasivas ocas, não assumido legalmente as responsabilidades civis e públicas, reflectidas claramente no dolo, na absolvição por falta de provas, na privação da liberdade e na ausência do flagrante delito.

Por isso, os meandros deste processo são bastantes complexos, sinuosos e dolorosos, que terão que conhecer novos caminhos de luta pelos direitos individuais e do povo angolano. Como deputados, eleitos pelo povo, para defendê-lo e representá-lo, em pleno exercício de funções, não podiam ser tratados assim. Por isso, em defesa do povo e da legalidade não podem e nem devem vergar-se diante um «procedimento injusto».

Em suma, na História contemporânea do Direito, este Processo Politico não tem o paralelo. Pois, é um Processo bastante controverso, vergonhoso, escandaloso e humilhante. É um Processo eivado de múltiplas irregularidades, vícios, paradoxos e incongruências, que reflectem nitidamente a natureza do sistema político e judicial de Angola.

É um caso interessante de estudo académico, politico e jurisprudência, que há-de um dia abrir as suas portas ao conhecimento dos Angolanos e da Comunidade Internacional.