Luanda - Fiquei preocupado com uma certa opinião jurídica veiculada num debate televisivo doméstico em que se afirmava que o Presidente da República (PR) não tinha capacidade de influenciar, positiva ou negativamente, o processo que envolve os presos políticos, por alegada separação de poderes a que está sujeito a luz da Lei Constitucional – LC vigente (Constituição, para os menos atentos). Pelo que percebi, a argumentação assentava no facto de que o PR apenas tinha capacidade de dar instruções directas ao Procurador-Geral da República (o que sugeria a partida uma contradição de posição, uma vez que ao dar instruções directas faz subentender a ideia de capacidade de influenciar directamente o processo, pelo menos na fase da instrução preparatória sob domínio absoluto do Ministério Público controlado pelo Procurador Geral da República (PGR).

Fonte: Club-k.net

Este entendimento, resulta de um problema crucial de exegética, nos termos do qual o intérprete da argumentação não avaliou a função ínsita de MAIS ALTO MAGISTRADO DO ESTADO (diz-se erradamente da NAÇÃO) do PR que significa, tão só, “aquele que tem o poder de fazer cumprir as leis, incluindo a Constituição”. Essa função, que já não é patente no texto Constitucional de 2010 e que vem encoberta na função de Chefe de Estado, obriga o PR a “…Cumprir e fazer cumprir a Constituição da República e as leis do país…” (art.º 115.º - LC) desde a cerimónia de tomada de posse em que faz o juramento solene em defesa do Estado e impõe entre as competências do Chefe de Estado o dever de respeitar e defender a Constituição, assegurar o cumprimento das leis e acordos e tratados internacionais (art.º 108.º, n.º5 – LC). É desta função de fiscal zeloso Constituição e das leis que o PR nomeia o PGR para que este cumpra a sua função de fiscal da Constituição das leis.

É ainda no exercício da função de MAIS ALTO MAGISTRADO DO ESTADO que o PR pode requerer a apreciação da constitucionalidade das leis, tratados e convenções, seja preventivamente (art.º 228, n.º1 - LC), seja sucessivamente ou supervenientemente (art.º 230.º, n.º2 , alínea a) - LC). Promulga as leis, tratados, convenções ou acordos internacionais ou veta a sua promulgação devolvendo-os a Assembleia Nacional (229.º - LC) e tem iniciativa de revisão da própria Constituição (art.º 233.º - LC).

O que pouca gente se pergunta é a questão de saber se o PGR faz parte de que órgão de soberania. Não faz parte do poder legislativo, não faz parte do poder executivo e não faz parte do poder judicial. Então em que poder se insere? Se houvesse cautela em avaliar essa situação, quem defende que o PR não pode influenciar o processo teria sabido que o PGR é o mandatário do PR na qualidade de Mais Alto Magistrado do Estado. É o advogado do Estado com poderes delegados e derivados do PR. Tão simples como isso. Por isso é que é nomeado pelo Chefe do Estado e não pelo Titular do Poder Executivo (sic, art.º 119.º, alínea i).

Se o PGR é um mero mandatário, o PR esta, sim em condições de influenciar directamente o processo estando nas mãos do Ministério Público, já que é o titular originário do poder de fazer cumprir a Constituição e as leis. Isso quer dizer que ao longo do tempo em que o processo esteve nas mãos da PGR, o PR podia muito bem ordenar que o processo obedecesse estritamente as normas legais, designadamente sobre a observância do direito a liberdade provisória que foi negada aos presos. Outrossim, não havendo matérias de provas para acusação, estava igualmente no seu poder mandar a PGR de abster-se de acusar os presos. Portanto, neste aspecto o PR tem completo controlo da situação do ponto de vista constitucional.

Questão interessante, pode ser levantada na fase judicial, em que o controlo do processo passa as mãos do Juiz. Nessa fase pode-se levantar o problema de separação de poderes? O que deve ficar claro é que a separação de poderes coloca-se no plano do Legislativo, Executivo e Judicial. O Chefe do Estado está acima destes poderes todos, sendo um mediador por excelência de todos eles garantindo os devidos equilíbrios. Isso explica que o PGR participe ao lado do juiz na realização da justiça.

O que significa que o PR através da PGR entra no Tribunal e influencia as suas decisões de forma directa. Mas o que interessa nessa situação é que, mesmo já na fase judicial (sob controlo do Juiz) o PGR pode, influenciar o bom curso de processo alegando o incumprimento de certas exigências normativas por parte do juiz. Aqui não há interferência nas funções porque todos estão obrigados a cumprir a lei e o PR é aquele que tem a responsabilidade máxima nesse sentido. O que na prática significa que, através do PGR pode levar o juiz a tomar uma decisão a contento observada que seja a Constituição e as leis. E no caso dos 15+2, não havendo elementos suficientes para que a acusação prossiga, o caminho do arquivamento do processo podia ser tomado pelo PGR a mando do PR. Mesmo em fase judicial, o PR, através do PGR pode levar o juiz a absolver os réus por alegadas insuficiências de provas. Tudo, passa sim pelo controlo do PR na suprema qualidade de Chefe de Estado (poder moderador dos órgãos de soberania) e mais concretamente como MAIS ALTO MAGISTRADO DO ESTADO. Dixit.