Luanda - Em Dezembro do ano passado, esta coluna teve ocasião de chamar a atenção, para os graves riscos que Luanda corria de “apanhar” uma epidemia de Raiva. Rezava na altura que o Diabo fosse surdo. Não o foi e a epidemia veio mesmo. Houve quem, na estiga mwangolé andasse p’rali a dizer que fiz feitiço de kilombo na Tia Xica. No que me diz respeito, tenho raiva de ter tido razão. 80 mortes é muito e, ao que tudo indica, este número poderá mesmo duplicar ou triplicar se medidas urgentes e de carácter excepcional não forem postas imediatamente em vigôr. Se levarmos em conta que menos de um terço de doentes visitam os nossos hospitais, temos razões para acreditar que a situação é muito mais séria e já exige medidas de emergência.

Não adianta nesta altura procurar culpados, nem assacar responsabilidades. O que vale aqui – uma chamada de atenção também à maneira pouco profissional como a media está a acompanhar (ou a ignorar) a epidemia  – é vir com sugestões e ideias válidas que possam ajudar os decisores responsáveis por ela a enfrentar este perigo que toca a todos nós. Também deploro a infeliz iniciativa da UNITA na tentativa estéril de uma discussão disso no Parlamento “preocupada com o silêncio sobre a epidemia em Luanda”. Faço-o por razões que mais a frente explicarei, pois isso – o tal debate –  não ajuda em nada, pelo contrário só atrapalha.

Tendo sido esta coluna a primeira a levantar a questão, e socorrendo-nos de alguma experiência em respostas de emergência e – porque não dizê-lo? – pela ligação emocional e profissional com este projecto, pretendemos neste artigo dar esse mote construtivo e participativo que é o que agora interessa.

RAZÕES DA RAIVA

Todos os estudos –  e a experiência do dia a dia confirma isso – parecem apontar que temos Raiva em Luanda não apenas porque a percentagem de cães vacinados é relativamente pequena, mas sobretudo porque a maior parte doa cães e gatos da capital são vadios. Quer dizer, como as familias mal se podem alimentar a si mesmas, alimentam(?) os seus animais de estimação (ou de companhia, se preferirem) com restos de comida... quando os há. Ora isso faz com que esses animais, esfomeados, passem o dia nas lixeiras da rua em busca de alimentos. Nessas lixeiras, eles lutam entre si pela comida, mordendo-se e arranhando-se. É nesse processo que o cão de casa quando volta à noite – os cães não deambulam à noite como muita gente pensa, eles também precisam de um sítio abrigado para dormir – chega contaminado e as primeiras vítimas são as crianças da família que com ele brincam.

Resumindo: De dia os cães – mesmo aqueles com dono – estão na rua, expostos à contaminação, e à noite regressam a casa, muitas vezes já contaminados porque não estão vacinados. Mordem as crianças, e assim se desenrola a doença em Luanda numa espiral que ninguém consegue parar imediatamente. Ou porque não se compreendeu ainda este cenário, ou porque precisa-se de mais competência, ou acutilância, ou coragem política, ou um pouco de cada para segurar o touro – ou a epidemia, se quiserem – pelos cornos.

ALGUMAS PROPOSTAS DE ACÇÃO

A primeira acção que se propõe, e que já está em curso, é a continuação da vacinação dos cães, gatos e macacos. Esta vacinação deve ser intensificada e melhor organizada. Os Serviços de Veterinária de Luanda deveriam beber da experiência da Direcção Provincial da Saúde no mapeamento da Província de Luanda e no uso desta ferramenta para sistematizar as actividades de vacinação adquirida nas Jornadas Nacionais de Vacinação contra a Poliuomielite. Esta acção deve ser apoiada com o recrudescimento das acções de sensibilização, incluindo a comunicação interpessoal massiva usando organizações juvenis como os escuteiros, a JEA, as igrejas, etc, tal como se fez durante a epidemia do Marburg.

A segunda proposta – e quiçá a mais importante – consiste numa recolha massiva e sistemática de todos os cães e gatos que estejam a vaguear pelas ruas e a sua imediata eliminação, tenham eles donos ou não. Provado que está que os Serviços de Veterinária por si sós não têm capacidade humana e técnica para uma acção desta magnitude, dever-se-ia recorrer à Policia Nacional, nomeadamente à Brigada Canina e às Forças Armadas, os quais apenas precisam de postar-se junto das lixeiras onde os animais vão procurar comida. Ao contrário do que muitos pensam esse aparato, em vez de assustar os cidadãos – já assustados, diga-se de passagem – tranquiliza-los-ia. Nesta fase, eles têm mais medo de um cão junto de uma lixeira que de um comando ou polícia. E mostraria à comunidade nacional e internacional que o Governo decidiu finalmente dar uma resposta à dimensão do problema. Já imaginaram – ai o Diabo seja surdo mesmo desta vez! – um cão raivoso a interferir numa missa do Santo Padre ou num jogo de futebol do CAN? Pois isso pode acontecer se continuarmos com a letargia actual.

Esta acção deveria ser acompanhada por uma campanha de sensibilização que transmitisse às famílias detentoras de animais de companhia que devem mantê-los em casa, não deixá-los sair à rua e alimentá-los bem. Prepará-las para o facto que, se apanhados na rua os seus animais serão sacrificados como medida excepcional de combate à epidemia. Também deve incentivar os cidadãos a colaborar com as autoridades na identificação dos animais vadios, e deve evitar que as populações em pânico queiram eliminar elas mesmas os animais de forma desorganizada e anárquica.

A terceira acção proposta – e essa é essencialmente comunicacional – seria uma campanha de socialização da Lei de Sanidade Animal. Alguém por acaso sabe que cada animal de companhia deve ter obrigatóriamente uma coleira com o nome e contactos do dono? E que se fôr apanhado na rua, o dono está sujeito a sanção? Que devem ter as vacinações em dia, senão o dono é da mesma forma sancionado? Que NUNCA algum destes animais deve estar desacompanhado na rua, sob pena de ser recolhido pelos Serviços de Veterinária e, caso não reclamado, sacrificado? Que ter um animal em casa e não alimentá-lo convenientemente é crime, tal como ter filhos em casa e não fazê-lo porque assim transforma-se o animal num perigo à Saúde Pública? Etc...Etc...?

Para isso, precisa-se de uma campanha de comunicação devidamente estruturada estratégicamente. Nesse sentido, vou mesmo ao ponto de sugerir aos responsáveis pelo Combate à Raiva que orientem a empresa contratada para o IEC (Informação, Educação e Comunicação) deste projecto que adapte a sua estratégia de comunicação a esta realidade inesperada e re-encaminhe os fundos já disponibilizados para esse efeito, em vez de continuar serenamente na estratégia anterior como se nada tivesse acontecido. E os materiais publicitários devem ser – aliás já o são – em Português e em línguas nacionais.

Proporíamos também uma gestão mais inteligente – e profissional, diga-se – da informação nesta época de crise. Dizem os postulados de Gestão de Crise nas Relações Públicas que em caso de crise, a informação deve ser canalizada para um Porta-Voz – normalmente um profissional de comunicação – o qual deve tratá-la e torná-la disponível para a Imprensa. Isso não deve ser confundido com qualquer tipo de censura, mas sim da facilitação e harmonização de todos os interesses envolvidos: Das instituições envolvidas e da Imprensa que tem o direito legítimo de informar a opinião pública.

Quanto a esta epidemia, se bem que o badalado “black-out” imposto pelas autoridades só vai piorar a situação, as informações cruas do Hospital Pediátrico, descomplementadas das outras medidas em curso, também não ajudam em nada. E o pânico que podem causar ajuda ainda menos, podendo mesmo criar situações piores. É que, entre a falta da Informação e a Informação incorrecta ou incompleta, só há que escolher a informação fidedigna, atempada e dada de olhos nos olhos. É preciso reter que os jornalistas e órgãos de mais credibilidade não obedecem a “ordens superiores” para ficarem calados perante um facto jornalístico de interesse público, antes pelo contrário...

Nessa senda propomos que, à semelhança do que aconteceu aquando do Marburg, haja uma conferência de imprensa periódica (por exemplo cada 2 dias) onde os responsáveis séniores do combate à epidemia forneçam informações sérias, contextualizadas e a uma só voz do que se passa. E que estejam disponíveis, por via da Imprensa, a ouvir as preocupações e sugestões dos cidadãos. Repetimos, a empresa que foi paga para fazer o IEC deste Projecto, tem a obrigação de prestar esta assessoria. Mas, alertamos, a sensibilização apenas não basta. É preciso também prestar os serviços, e fazê-lo de uma forma visível. Para isso, as actividades de controlo devem, sempre que possível estar abertas à cobertura dos media interessados, com especial ênfase para a Televisão.

Voltando à habitual apatia da nossa Oposição, é de facto frustrante constatar a falta de ideias alternativas que ostentam. Em vez de um “debate par(a)lamentar”, porquê a UNITA e outros Partidos da Oposição não vêm com a sua ideia de como se deve combater a epidemia? Eles têm médicos, veterinários, juristas, comunicólogos, etc: O que andam eles a fazer? Se a UNITA quer mostrar na tal discussão que o Governo, nomeadamente da Província de Luanda, está a dar uma resposta atabalhoada à epidemia, não precisa, está na cara de toda a gente. Mas qual é então a sua proposta? Que alternativa têm? Como querem participar neste combate que já belisca a reputação do País numa altura que esperamos a visita do Papa e estamos a organizar um CAN para o qual esperamos turistas do continente e do Mundo? Confesso que essa incapacidade de propôr alternativas por parte da Oposição a mim pessoalmente já começa a irritar...! Assim se compreende que um ouvinte da Ecclésia quase que pedia ao MPLA que criasse um Comité de Especialidade... da Raiva! Para ver se aparecem novas ideias para a solução do problema... o que acha da sugestão, Deputado Diógenes de Oliveira?

Critiquemos sim, mas apresentemos também alternativas. Para um serviço competente, sério e patriótico!

Por essas e por outras razões da Raiva, tenho eu raiva de ter tido razão!

Fonte: Semanario Angolense