Bissau - Baciro Dabó foi director para a segurança do estado de Nino Vieira, durante a guerra na Guiné. Esteve detido em Bissau. Em entrevista a "O Independente", a uns anos atras, disse que nunca mandou matar ninguém, recusando-se a acatar as ordens de Nino Vieira nesse sentido. Mas garante-nos que o presidente deposto “mandou liquidar outras pessoas”. Como é o caso de Hélder Vaz, líder parlamentar do Movimento de Bafatá. Segundo afirma , Nino deu-lhe ordens expressas nestes termos: “QUALQUER QUE SEJA A ALTURA QUE HÉLDER VAZ ENTRAR EM BISSAU, TEM DE SER ABATIDO”. O que finalmente acabou por não acontecer.

Segue-se a entrevista que embora antiga serve-nos para perceber mais um pouco sobre o outro lado do falecido Presidente Guineense.

I: Falou-se muito de si durante o conflito armado na Guiné. Porque é que aceitou o cargo para o qual Nino o nomeou?

B.D: Aceitei o cargo, mas não para fazer nenhum trabalho sujo que Nino me mandasse fazer. Antes pelo contrário recusei sempre a fazê-lo.

I: Mas não matou ninguém durante a guerra?

B.D: Talvez o fizesse mas em legítima defesa para salvar a minha vida. Que fique bem claro que só fui para a segurança do estado numa altura em que o próprio Nino Vieira se sentia muito ameaçado pelas chefias militares e por causa das cedências das pastas da defesa e do interior a favor da junta militar. Aliás, propôs-me o cargo e disse-me que se sentia ameaçado. Contou-me até que depois do encontro de Lomé, várias pessoas não ficaram contentes com as cedências que ele fez. O acordo de Abuja- que fique bem claro- foi feito por minha iniciativa pessoal. Tive coragem de dizer então ao próprio Nino Vieira que, militar e popularmente estava derrotado.

I: Mas sabendo que Nino estava em desvantagem porque ficou ao lado dele?

B.D: Sabia e tinha consciência das causas que precipitaram a guerra. Sabia que Nino estava a ser apoiado por pessoas sem expressão militar e popular, mas uma revolução é sempre uma revolução. Como nunca fui contactado por qualquer elemento da junta militar e dentro daquela confusão de tiros, cheguei à conclusão de que o lugar mais seguro para mim era o Palácio da República. Só depois de lá estar dentro é que se desenrolaram muitas coisas.

I: Nino Vieira mandou matar gente durante a guerra?

B.D: Quero que todos os guineenses e a própria comunidade internacional acompanhem todo o processo na Guiné-Bissau. A melhor coisa que o Nino Vieira pode fazer, enquanto homem, cidadão e grande combatente que foi, é ter a coragem de voltar à Guiné e sentar-se no banco dos réus para ser julgado.

I: Não respondeu à minha pergunta. Quem é que o Nino Vieira mandou matar?

B.D: Durante o conflito, que começou a 7 de Junho de 1998, e até ao seu término em 7 de Maio de 1999, nunca participei militarmente em nenhuma acção desse tipo, nem tomei parte de nenhum acto de tortura. Agora, se o Nino eventualmente mandou matar gente no palácio, não foi através da minha pessoa. Só falo de factos concretos. Mas tenho informação de que mandou liquidar outras pessoas.

I: Quem é que o Nino Vieira mandou matar?

B.D: Enquanto director dos serviços de segurança, mandou chamar-me. Estava muito irritado com Armando Correia Dias, irmão de Saturnino da Costa, que achava estar conotado com a junta militar. Pediu-me que o mandasse prender e que o torturasse para que confessasse a verdade – ou seja, que acusasse o Saturnino da Costa de guardar armas na sua quinta. Nino Vieira disse-me até que tinha informações seguras de que Saturnino da Costa tinha armas na sua propriedade. Fui buscar o Armando Dias, interroguei-o, e vi que as duas versões eram diferentes. Depois disse-lhe: “ vai para tua casa e fica descansado”. Nesse mesmo dia, à noite, disse ao Nino para ter cuidado porque estava a fazer muitas prisões sem qualquer razão de ser.
Ele não se sentiu lá muito bem, mas aceitou os meus conselhos. Aliás, o meu irmão Iaia Dabó, disse-me uma vez que recebeu ordens do João Monteiro para matar o Saturnino da Costa e o irmão deste.

I: Hélder Vaz, líder parlamentar do Movimento Bafatá, foi ou não ameaçado de morte?

B.D: Recebi ordens directas de Nino Vieira em que dizia que Hélder Vaz fez acusações na imprensa internacional dizendo que o Nino estava a usar armas químicas. O Nino deu ordens expressas, nestes termos: “ Qualquer que seja a altura que Hélder Vaz entre em Bissau, tem de ser abatido”. Além de mim, outras pessoas receberam as mesmas ordens na altura, como é o exemplo do Duarte Cabral.

I: Mas Nino usou armas químicas na guerra?

B.D: Posso dizer-lhe que depois da assinatura do acordo de Abuja e das consequentes cedências, as chefias militares perceberam que as suas carreiras estavam em causa, até porque apostaram sempre por uma solução militar. Nessa altura, os senegaleses receberam canhões de longo alcance de 155 mm. Acontece que os canhões estavam equipados com ogivas químicas. Se foram ou não usadas, não sei. O governo chegou até a provocar o reacender da guerra só para fazerem uso dos mesmos. Aliás, durante o conflito, forneci sempre informações ao B’tchoflé Na Fafé, que era um dos comandantes da linha da frente da junta armada.

I: Manecas Santos, foi acusado entre outros crimes, de ter mandado construir a pista de aviação em Bubaque. Pode confirmar isso?

B.D: As pessoas têm de ter coragem de assumir os seus actos.
Vou falar-lhe muito abertamente e com todo o à-vontade.
Se há testemunha de tudo o que se passou na Guiné durante a guerra, essa testemunha sou eu. Não sei quanto custou em termos de dinheiro, a pista de aviação de Bubaque, mas é bom que se esclareça as viagens que Manecas fez durante a guerra. Esteve em Portugal onde manteve alguns enconcontros com amigos pessoais de Nino Vieira. Esteve com o empresário português Manuel Macedo e com outros. Manecas vai dizer que esteve com eles com a finalidade de virem investir na Guiné, um país em guerra?
Será que o Manecas vai querer dizer que não teve nada a ver com a construção da pista de aviação de Bubaque? O Manecas, durante a guerra, esteve permanentemente no Palácio da República, ao lado de Nino Vieira e esteve largas temporadas em Bubaque. O que levou o ministro da defesa, Samba Lamine Mané, à Líbia, entre outros países? Olhe vá ao ministério das finanças ver se houve ou não ordens de missão para essas viagens.

I: Como braço direito do Nino, sendo que ele anda “fugido”, que mensagem tem para o estado português, que lhe concedeu asilo político?

B.D: Os laços históricos uniram-nos a Portugal e ao seu povo. Portugal durante os últimos tempos ajudou muito o nosso país. Mas tem de ter muita ponderação quanto ao Nino Vieira e tem de ter muito cuidado com ele. Nino saiu da Guiné-Bissau para tratamento, mas não pode estar a acusar este ou aquele de serem o motivo da sua saída do poder. Portugal, a quem a Guiné-Bissau deve muito respeito, só deve ajudar no sentido de limitar toda a actividade política a Nino Vieira.

I: Sabe alguma coisa sobre contratação de mercenários?

B.D: Posso dizer-lhe que o João Cardoso foi até à Líbia buscar armas e aviões Mig-21 com a finalidade de aterrarem na pista de Bubaque. Mas ao que sei, não conseguiram nada. Agora, diga-me, se houve toda essa história de ir buscar aviões e material sofisticado, porque é que os mercenários haviam de ficar de fora? Olhe, para que saiba, foi feito tudo e mais alguma coisa nesta guerra só para o Nino vieira continuar no poder.

I: Sente-se então com a consciência plenamente tranquila?

B.D: Estou. Sempre disse – até na rádio – que caso qualquer guineense me acuse deste ou daquele crime, independentemente da pena de prisão que o tribunal me aplicar, irei pedir sempre mais 10 anos de prisão. Aliás, até fiz esta declaração perante o Procurador-geral da República Amine Saad

Fonte: didinho.org