Quando os Garantes da LCA não a querem cumprir!!!

Luanda - Quando escrevemos o artigo sobre o Sistema de Governo e Eleição do Presidente da República em Angola, em Janeiro de 2009, ainda não havíamos descortinado a verdadeira intenção do actual PR de fazer depender a convocação das eleições presidenciais à aprovação da Constituição da República. Nos últimos dias tivemos o cuidado de tentar perceber qual seria, na prática, a intenção do PR e começamos a analisar a actual Lei Constitucional e percebemos que, de conformidade com as normas constitucionais ainda em vigor, o cidadão José Eduardo dos Santos não pode candidatar-se às eleições presidenciais. Perguntar-nos-ão porquê os mais distraídos, tal como nós na altura em que tomamos conhecimento da intenção do PR em ter uma nova constituição para poder convocar as eleições presidenciais.

De facto, a LCA impõe uma limitação de mandatos para o exercício do cargo de PR, estabelece a LCA – que nenhum cidadão angolano, seja ele qual for, não pode exercer o cargo de PR por mais de 15 anos consecutivos ou interpolados – quando refere no seu artigo 59.º, e passamos a citar “ O mandato do Presidente da República tem a duração de cinco anos (…)”, “O Presidente da República pode ser reeleito para mais dois mandatos consecutivos ou interpolados”.

A redacção do art. 59.º da LCA tem suscitado inúmeras dúvidas, pois há quem defenda que o Presidente depois de cumprido o primeiro mandato tem direito a mais um mandato de cinco anos ou a mais dois mandatos interpolados; outras vozes têm seguido uma posição diferente, defendendo que o Presidente depois do seu primeiro mandato pode ser reeleito para mais dois mandatos consecutivos – correspondentes a 10 anos – ou interpolados.

Esta última posição foi a tomada pelo Tribunal Supremo nas vestes de Tribunal Constitucional quando estabeleceu que “o mandato poderá prolongar-se por 3 mandatos consecutivos”.

Entendemos ser relevante transcrever aqui parte do acórdão do Tribunal Supremo datado de 22 de Julho de 2005, cujo relator foi o Juiz Conselheiro Caetano de Sousa:

 “Ao revogar a anterior Lei Eleitoral n.º 5/92, de 16 de Abril, no âmbito  do qual decorreram as eleições presidenciais de 1992, sem que a Lei Eleitoral  clarifique e defina legalmente a solução para o facto de não se ter realizado a  segunda volta das eleições presidenciais, bem como a confirmação legal das  funções exercidas pelo Presidente da República desde essa data até ao  momento, a Lei Eleitoral cria um grave problema com incidências  constitucionais nas funções do actual Presidente da República e na sua situação  quanto ao próximo pleito eleitoral.

Alterando-se o quadro legal eleitoral, a questão coloca-se em termos de  saber  qual a solução legal para o processo eleitoral realizado no quadro da Lei  n.º 5/92, e se, nesse contexto, terá de haver, ou não, a realização da segunda  volta das eleições presidenciais de 1992, e qual a repercussão da solução que  vier a  ser adoptada na situação jurídica do Presidente da República actual.

      A nosso ver, podem ocorrer duas respostas a estas questões:

Deve o Presidente da República ser declarado vencedor e tomar posse, ou
O Presidente da República deve manter-se em funções até ao termo das próximas eleições presidenciais sem que tome posse, confirmando a constitucionalidade das funções presidenciais actuais.
As consequências jurídicas da resposta a ser dada são diferentes. No primeiro caso deve reconhecer-se que a legitimidade constitucional para o Presidente da República se manter no cargo resulta do artigo 5.º, n.º 1 da Lei nº 23/92, que aprovou a actual Lei Constitucional, e do art. 61.º da própria Lei Constitucional

Coloca-se, todavia, a questão de saber quando começa e termina o mandato presidencial. Se o Presidente da República for declarado vencedor, tecnicamente será possível argumentar que, uma vez que o Presidente da República tomou posse num processo iniciado em 1992, então o Presidente terminaria o seu 3.º mandato em 2007, ficando assim impossibilitado de se candidatar às novas eleições presidenciais.

Para avaliar o requisito da eficácia que é a tomada de posse é imperioso reconhecer que a investidura é implícita, informal e automática, e aferida por força do reconhecimento factual e jurídico do direito do actual Presidente da República ao lugar, sufragado pelo entendimento político de que de nenhum modo poder-se-ia caminhar para um vazio constitucional, pelas razões por todos conhecida.

No segundo caso, dando-se por concluídas as primeiras eleições de 1992, e confirmada a constitucionalidade do exercício das funções do Presidente da República, o cidadão José Eduardo dos Santos pode apresentar-se às próximas eleições sem que se considere como tendo exercido os mandatos presidenciais constitucionalmente previstos, o que dá uma maior margem para que ele possa decidir pela apresentação ou não da sua candidatura às novas eleições.

Com efeito, não tendo havido formalização do processo eleitoral, e estando o actual Presidente da República a exercer o cargo por força de dispositivos constitucionais alternativos, terá de se ter, para efeitos de contagem de mandatos futuros, as actuais funções como não constituindo um primeiro mandato.

Não tendo sido concluída a eleição jurídico-constitucionalmente regulada e nos termos daquele artigo 5.º, o mandato do Presidente da República vigente àquela data prorroga-se até à realização efectiva de eleições de que saia eleito o Presidente. O que põe o problema de no nosso sistema jurídico-constitucional não se terem verificado mandatos presidenciais com início em sufrágio conclusivo. Não houve finalização da eleição presidencial e por isso não houve tomada de posse.

Logo, não são de contar mandatos Presidenciais, porquanto não os houve. O que há é a continuação do mandato do Presidente da República fixado pelo artigo 5.º da Lei nº 23/92. Deste modo nada impede também que o Presidente da República, em exercício de funções, se candidate ao próximo pleito eleitoral.

Não vamos questionar se é ou não legítimo o mandato assim regulado, quer no plano jurídico, de que já referimos fundamento bastante, quer no plano político. Isto porque o problema da interpretação constitucional tem sempre um elemento político que não deve ser desligado do elemento jurídico, o que justifica a fragilidade interpretativa com cânones juridicamente restritos. A acrescer esta dificuldade, temos o elemento histórico de matiz nem sempre segura e por essa razão nos vamos escusar de o analisar. De todo o modo e considerando as condições históricas verificadas logo após a realização das eleições de 1992 e nos anos que a elas se seguiram, é seguro e aconselhável manter aquele quadro institucional no que ao mandato presidencial diz respeito, isto para manter a história deste País, como para manter a unidade da Nação.

Pelos fundamentos expostos, o Plenário do Tribunal Supremo, enquanto Tribunal Constitucional, declara:

d) O mandato de Presidente da República só pode começar a contar a partir do momento em que se realizem eleições presidenciais conclusivas no País, seguidas da posse do Presidente eleito”(1).


 O mandato do Presidente da República termina com a tomada de posse do novo Presidente eleito. A questão do início e término do mandato do Presidente da República nos últimos tempos tomou contornos relevantes, pois várias individualidades têm posto em causa a legalidade do exercício do actual mandato presidencial, pelo facto do processo eleitoral de 1992 não ter sido concluído. Alguns juristas(2) defendem Lei de revisão constitucional resolve, por si só , esta questão ao estabelecer no n.º 1 do art. 5.º da Lei n.º 23/92 de 16 de Setembro, que “o mandato do Presidente da República vigente à data de publicação da presente Lei, considera-se válido e prorrogado até à tomada de posse do Presidente da República eleito nas eleições presidenciais de 29 e 30 de Setembro de 1992”.

      Entendemos, no entanto, que apesar de não ter havido formalmente a tomada de posse do actual PR, o seu mandato – de 1992 a 1997 – pode ser considerado como irregular, por não ter havido a segunda volta, a tomada de posse formal e a prestação do juramento, mas de modo nenhum podemos considerar não existir um mandato a partir de 1992, pois se assim for todos os actos do PR são inconstitucionais por vício orgânico, uma vez que foram praticados por quem não tinha competência para praticá-los. O mandato do PR é o resultado da expressão dos cidadãos angolanos nas urnas, porém como não foi alcançada a maioria absoluta exigida pela LCA, consideramos que o candidato José Eduardo dos Santos venceu as eleições por maioria simples e por este facto o seu mandato é irregular; a eleição em 1992 para um mandato de 5 anos é válida, o mandato é irregular. Quanto aos mandatos de 1997 a 2002 e de 2002 a 2007 podem ser considerados não como irregulares, mas como ilegítimos por não ter havido na sua base qualquer legitimidade democrática através do voto popular.

      Defendemos que a prorrogação prevista no n.º 1 do artigo 5.º da Lei de Revisão Constitucional apenas diz respeito ao pleito eleitoral de 1992 e se o prazo de realização da segunda volta caducou, por este acto não ter sido realizado no prazo estabelecido por lei, como defende o Tribunal Supremo no mesmo acórdão, com o mesmo argumento podemos eventualmente defender que o mesmo se verifica quanto à tomada de posse, presumindo que tanto a tomada de posse como a prestação de juramento, apesar não terem sido realizadas há um comportamento tácito, por parte de todas as instituições que poderiam eventualmente exigir a realização daquele acto, que em nosso entender configura uma tomada de posse e prestação de juramento tácitas(3).

      Só com um quadro normativo totalmente diferente, pode o actual PR ser candidato presidencial, pois a actual LCA não permite que o cargo de PR seja exercido por mais de 15 anos, uma situação que em caso de convocação das eleições presidenciais, o candidato José Eduardo dos Santos não poderia ser aceite pelo Tribunal Constitucional, por não preencher um dos requisitos para a candidatura à Presidência da República – não ter exercido o mandato presidencial por mais de 15 anos. Por tal, defendemos que nada nem ninguém pode estar acima da LCA e por ser assim, a interpretação do Tribunal Supremo não pode sobrepor-se à LCA. Quando a LCA estabelece uma limitação ao mandato legítimo de PR, fá-lo também por maioria de razão ao mandato ilegítimo, isso significa dizer que nenhum cidadão angolano pode exercer o cargo de PR por mais de 15 anos, seja o seu mandato legítimo ou ilegítimo.

      Quando o Tribunal Supremo refere que “(…) estando o actual Presidente da República a exercer o cargo por força de dispositivos constitucionais alternativos, terá de se ter, para efeitos de contagem de mandatos futuros, as actuais funções como não constituindo um primeiro mandato”, este órgão entende que esses dispositivos constitucionais alternativos, que constam do nº 1 do art. 5º da lei de revisão constitucional, estão acima da própria LCA, que aquela lei visou aprovar, o que em nosso entender é inaceitável, porém mesmo que assim não se entendesse, esses dispositivos constitucionais alternativos constantes da norma acima referida, são provisórios e o legislador apenas quis acautelar a situação do mandato do PR na altura, em Setembro de 1992 até às eleições de 29 e 30 de Setembro de 1992, e tal não pode vir ser invocado passados mais de 16 anos desde a sua estatuição para legitimar uma candidatura presidencial que em nosso entender é inconstitucional.

      Pelo exposto não percebemos como um órgão jurisdicional, que na altura tinha a incumbência de defender a Lei Constitucional em vigor, pode declarar que o mandato de Presidente da República só pode começar a contar a partir do momento em que se realizem eleições presidenciais conclusivas no País, seguidas da posse do Presidente eleito. O Tribunal Supremo com a sua decisão, por um lado, não acautelou o facto de tais eleições não terem data certa para a sua realização. Por outro favoreceu a pessoa do Eng. José Eduardo dos Santos, o cidadão que mais beneficia com a invalidação dos mandatos presidenciais. Ademais é JES que nas suas vestes de PR tem competência para convocar eleições presidenciais.

      Quando os garantes da LCA não a querem cumprir passamos a viver num Estado de anormalidade constitucional!!! 
 

6 de Março de 2009

Mihaela Webba, Jurista
Fonte: Club-k.net