Lisboa - O controverso George Soros, especulador e filantropo, é a personagem escondida no artigo publicado pela Forbes sobre a empresária Isabel dos Santos, escreve Luís Paixão Martins num texto em que acusa a revista norte-americana de ter apresentado como "jornalista" um ativista político.

Fonte: briefing.pt

A revista norte-americana Forbes, conhecida pelas suas listas de ricos, muito ricos e extraordinariamente ricos, publicou agora mais um artigo sobre a empresária Isabel dos Santos. Para a escrever resolveu contratar um ativista político angolano.

 

A questão da inclusão de Rafael Marques de Morais como autor do artigo é crítica para a análise que se queira fazer ao conteúdo do mesmo (até porque este limita-se a compilar as bocas, lendas e especulações que já estão disponíveis noutros espaços). E foi desde a primeira hora tratada com a devida relevância pela assessoria de Comunicação contactada pela Forbes.

 

Comecemos por essa "primeira hora" porque ela foi, na realidade, a última. O email da jornalista Kerry Dolan chega-nos na tarde de uma 6ª feira de agosto. Não me é dirigido pessoalmente - embora já tivéssemos tido, em várias ocasiões, contactos pessoais -, dá-nos o fim-de-semana como prazo de resposta e enuncia uma dezena de temas (desde a origem de uma prosaica árvore de Natal até à macabra antecipação do cenário de morte do presidente de Angola - "if he dies in office") de respostas muito complexas.

 

Estou certo que nem a instituição com a estrutura interna de Comunicação mais apetrechada conseguiria atender, no prazo de um fim-de-semana, ainda por cima de agosto, uma solicitação tão diversa e abstrata. (A própria questão da diferença de horas não é despicienda - eu estava na Alemanha, a Kerry Dolan na California. O meu último email conclui a dizer "and now, sorry, I'm going to sleep").

A minha primeira reação foi no sentido de comentar a falta de justificação profissional para a escolha do autor. Assim: "I find it a controversial choice from your side to co-write a supposedly wealth and business article with the help of someone with a well known political agenda". Kerry Dolan respondeu-me com dois argumentos: 1. O argumento dos documentos; 2. O argumento da credenciação. Vamos por partes.

Documentos. Foi-me explicado que o anunciado autor do artigo tinha sido contratado pela Forbes por ter reunido documentos sobre o dossiê que iam publicar. A frase é esta: "I desagree with your assessment of Rafael Marques. He has found documents that back up our claims. The article is going to the printers".

Portanto, e esclarecendo vários comentários que tenho lido, a Forbes é que anunciou que tinha documentos e a sequência das frases permite concluir que os mesmos iriam com o artigo para "the printers". Sobre a vigarice deste argumento estamos conversados. Basta ler a Forbes.

Credenciado por "The Committee to Protect Journalists"

Credenciação. A minha perceção de que o anunciado autor do artigo é um «ativista político» foi «refutada» pela senhora da Forbes com o envio de um «link» que credencia a pessoa em causa como «investigative jornalist" pela organização "The Committee to Protect Journalists".

Ora, este argumento da Forbes é, a meu ver, mais estimulante que o anterior, embora talvez menos evidente para quem esteja fora do meio.

O referido "The Committee to Protect Journalists" (grande "branding"...) é, tão somente, uma organização de frente (para empregar a terminologia cuidadosa que nas Public Relations damos às organizações de fachada) criada e financiada por George Soros.

Há vários trabalhos académicos completos e fundamentados que analisam as relações de patrocínio entre Soros e organizações da área dos Media. O google ajuda a encontrar, por exemplo, "The Soros Media Empire / The Power of Philanthropy to Engineer Consent". Algumas organizações referidas como sendo do "Media Empire" de Soros são "Article 19", "Global Forum for Media Development", "International Center for Journalists". "International Communications Forum", "International Journalists' Network", "Media Diversity Institute", "The New Press", "Project Syndicate", entre outras como o referido "Committee to Protect Journalists".

Não me interpretem mal: ainda bem que há filantropos que mecenam jornalistas e organizações de jornalistas. Sem esses mecenas o jornalismo seria mais pobre e alguns jornalistas profissionais, em particular os diretores dessas organizações, viveriam pior. O problema é quando os apoios não são dados por causa do trabalho jornalístico mas, isso sim, devido ao ativismo político. E, deixem-me ser directo, é mais fácil um filantropo patrocinar o ativismo político engajado do que o jornalismo independente.

George Soros é um patrocinador especial porque se trata de um especulador financeiro frio e calculista que ficou famoso por ter ganho, num único dia, 1 milhar de milhões de dólares (1Bi, como agora se diz) apostando contra o Banco da Inglaterra. Acresce, para a economia deste meu escrito, que a África Austral é um território muito referenciado nos negócios de Soros, de tal forma que foi aí que iniciou as suas atividades filantrópicas.

Rafael Marques veio confirmar que trabalhou para Fundação de Soros

Ora, ao invocar o estatuto de "investigative journalist" do autor contratado, Kerry Dolan podia ter apresentado como credenciais que o mesmo pertence a uma organização de jornalistas de Angola (não faço a mínima ideia se pertence) ou a qualquer outra das dezenas de entidades nacionais e internacionais independentes que credenciam jornalistas. Podia. Mas não o fez.

Escolheu exatamente aquela organização do "Media Empire" de Soros e não outra. Daqui se poderá concluir que Kerry Dolan conhece ou convive com essa organização com evidente naturalidade e que a mesma tem perante ela uma certa influência.

Cada qual é livre de escolher as suas influências e os jornalistas da Forbes - pela importância da publicação - devem ser dos mais influenciados do mundo. Isso não é um crime nem uma violação ética.

Eu, coitado, que não sou nenhum Soros, posso dar o testemunho pessoal de que os jornalistas da Forbes não são influenciáveis: não consegui influenciar Kerry Dolan a ter um encontro prévio com a visada pela «grande investigação», nem a publicar nenhuma das informações que lhe forneci (a publicação do desmentido é uma formalidade jurídica).

Acresce que a credenciação do autor por aquela organização que referi atrás coincide (o mundo é um penico) com o conhecimento que a sua atividade de «ativista político» tem sido patrocinada por organizações financiadas por Soros.

Depois de eu ter escrito que regressaria ao assunto dos patrocinadores do autor contratado pela Forbes, o mesmo já veio confirmar que trabalhou, durante 7 anos (sete anos) para a Fundação Open Society, uma das organizações financiadas por Soros (imaginamos que suspendeu a sua atividade de jornalista enquanto foi pago pela fundação paga pelo filantropo).

Ainda não nos disse, mas sendo um ativista político é forçoso que nos venha a dizer, o montante de fundos que, nesse período, foram colocados à sua disposição, assim como os que, nos anos posteriores à sua declarada saída da Fundação Open Society, veio a receber das mesmas origens.

Também não gostaria de ser mal interpretado nesta matéria. Ser ativista político é uma atividade nobre. Convidar um ativista político para escrever um artigo pode ser interessante. Eu, por exemplo, leria com gosto um artigo sobre as riquezas portuguesas que a Forbes encomendasse a Daniel Oliveira, Fernanda Câncio, João Galamba ou Ana Gomes, isto para referir ativistas políticos portugueses que propagaram a história da Forbes (trata-se de um cenário fantasioso: os Soros deste mundo não ligam às nossas misérias).

No entanto, não esperaria desse artigo o módulo de objetividade, independência e distanciamento que julgo dever caracterizar o Jornalismo. E ninguém olharia para esse artigo como sendo de um «investigative journalist".

Penso que consegui expor os meus pontos de vista acerca do contexto perigoso de um artigo infeliz da Forbes. É uma história que não prestigia a publicação e descredibiliza o co-autor da mesma a partir do momento em que procura confundir "ativismo político" (a palavra "militância" parece ter passado de moda) com "investigative journalism".


Luís Paixão Martins,
Consultor de comunicação