Luanda - INTEGRA DO DISCURSO PRONUNCIADO POR SUA EXCELÊNCIA JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS, PRESIDENTE DA REPÚBLICA DE ANGOLA, POR OCASIÃO DA VISITA A ANGOLA DE SUA SANTIDADE O PAPA BENTO XVI

Luanda, 21 de Março de 2009

SUA SANTIDADE PAPA BENTO XVI, ILUSTRES DIGNITÁRIOS DA IGREJA CATÓLICA, ESTIMADOS CONVIDADOS, MINHAS SENHORAS E MEUS SENHORES,

Com bastante satisfação reitero os votos de boas-vindas a Angola, onde o nosso Povo aguarda com um sentimento de fé
verdadeira e de expectativa a mensagem espiritual que certamente lhe irá transmitir.

O nosso território foi dos primeiros a ser evangelizado no continente africano, isso há mais de quinhentos anos, e foram sempre de respeito e cordialidade as relações com o Vaticano.

Já em finais do século XV, na embaixada que enviou ao Rei de Portugal, o Mani Congo, máximo governante do reino cuja capital se encontrava no actual território de Angola, solicitara que os jovens congueses que a integravam fossem instruídos nos manda­mentos da fé cristã.

Essas relações foram aprofundadas durante o reinado de D. Afonso VI, responsável durante a primeira metade do século XVI pelo estabelecimento das bases do Cristianismo no Congo.

O seu filho Henrique chegou mesmo a ser consagrado bispo pelo Papa.

Foi também em Angola que se edificou a primeira Catedral a Sul do Equador, na cidade de Mbanza Congo, e foi daqui que saiu o primeiro embaixador do nosso povo junto do Vaticano, António Manuel Vunda, o 'Negrita', que infelizmente faleceu antes de poder exercer as suas funções.

As vicissitudes da história fizeram que o nosso povo ficasse durante séculos sob domínio estrangeiro, mas isso não o impediu de manter viva a sua fé e a sua profunda relação com a Igreja Católica.


Sua Santidade,

Angola vive hoje tempos novos, tempos de esperança.

Terminaram o sofrimento e a incerteza causados por dezenas de anos de desunião e violência, que atingiram o corpo e a alma das pessoas, separaram famílias e provocaram enormes danos ao tecido social e produtivo do país.


Felizmente imperou o bom senso. O diálogo e a compreensão mútua geraram o perdão e o entendimento como vias da
reconciliação e do restabelecimento da paz.

Foram assim bem interpretadas e acolhidas também as várias mensagens do Vaticano, as homílias dos bispos e as exortações dos sacerdotes sobre a necessidade e a importância da paz e da tranquilidade para a vida humana.

Estamos agora na encruzilhada da Paz e do Desenvolvimento. A paz social consolida-se com a satisfação das necessidades materiais e espirituais dos homens, que o desenvolvimento propicia.

O desenvolvimento económico e social é um processo complexo que produz resultados a médio e longo prazo. O hiato entre um momento e outro tem potencial para gerar a incompreensão, o conflito e a instabilidade.

Manter a estabilidade social nestas circunstâncias requer não apenas sagacidade política, mas também programas e acções baseados no diálogo social, na democracia, no respeito pelos direitos fundamentais do homem, na redistribuição equilibrada do rendimento nacional, na justiça social e na gestão da esperança numa vida melhor no futuro, para a juventude, para as mulheres e as crianças, para as famílias e para o povo em geral.

É neste ambiente que os angolanos estão muito ansiosos para escutar a mensagem de Vossa Santidade e para dela extraírem os ensinamentos pertinentes para orientar a sua vida espiritual e material.

Nestes tempos sempre se procuram os melhores caminhos para a reconstrução do que foi destruído no passado recente e para a construção de uma sociedade moderna, que integre toda a gente sem qualquer exclusão ou descriminação, que integre também todos os valores positivos das culturas locais e regionais, absorvendo os aspectos compatíveis e úteis do direito costumeiro.

Temos, entretanto, tremendos desafios a superar, tais como a pobreza e o desemprego, que atingem respectivamente cerca de 40 e 28 porcento da população; cerca de 60 e 50 porcento de pessoas, respectivamente, não têm acesso à água tratada e à energia e mais de 50 porcento não têm habitação condigna.

Quando o sistema político e económico não permitia a acumulação individual de riqueza a sua regulação era naturalmente mais fácil e as desigualdades sociais não tinham grande expressão.

Por essa razão, a configuração de um sistema redistributivo através de uma política fiscal mais justa é outro grande desafio que temos de enfrentar.

O que há a fazer nestas circunstâncias é aproveitar as virtudes do sistema económico actual, que permite que os empresários ou accionistas detentores de riqueza possam aplicar os seus recursos e obter mais-valia, convencendo-os a reinvestir pelo menos 70 porcento dos seus lucros em projectos de interesse nacional que visam combater o desemprego, a pobreza, a falta de habitação e a aumentar a oferta de bens e serviços.

Ao mesmo tempo, separar claramente os negócios privados dos negócios do Estado e combater com firmeza a apropriação
indevida de bens públicos por funcionários do Estado.

Por outro lado, há que tomar medidas mais activas para melhorar e aumentar a arrecadação fiscal, por forma a dotar o Estado de maior capacidade para cuidar dos assuntos da educação, da saúde e da assistência e solidariedade social.
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As acções descritas concorrem para a criação do bem-estar geral e, neste contexto, a solidariedade e o espírito altruísta da partilha do que temos com o próximo, apoiando os mais necessitados, reforçam a coesão social.

Uma sociedade fundada nestes princípios e valores precisa de pessoas com uma nova mentalidade, que é indispensável formar através de um processo de consciencialização e educação que crie o homem de que se necessita para a transformação social.

Neste processo não existe outro caminho senão inspirar-nos nos valores cristãos e noutros como a honestidade, a dignidade, o respeito pelo próximo e a liberdade, para formular os nossos documentos reitores e é o que temos feito.

Somos um Estado laico animado por pessoas que professam o Cristianismo. Mais de 70 porcento da população angolana é
constituída por cristãos católicos.

A Igreja Católica Apostólica Romana, que Vossa Santidade superiormente dirige, é a instituição melhor posicionada para nos ajudar nesta tarefa da formação do homem novo, que a nova Angola precisa.

Um homem com sólida formação moral e cívica, respeitador da lei e responsável pelos seus actos, trabalhando de forma consciente para o bem comum, solidário com os mais carentes e participante activo na construção de uma sociedade mais justa, equilibrada e digna.

Estou certo de que deste modo o nosso país pode encontrar facilmente o espaço que lhe cabe por direito no concerto das nações e estabelecer laços de cooperação plena, assente em acordos e na lei internacional, com todos os outros Estados e muito particularmente com o Vaticano.

A formação qualificada de mais prelados angolanos e a sua promoção contínua para os altos cargos da Igreja Católica em Angola e para a alta hierarquia do Vaticano é um desejo que deixo aqui expresso convencido de que estes quadros podem dar uma contribuição ainda maior ao fortalecimento do papel e da acção nacional e universal da Igreja.

Sua Santidade,

O mundo está em crise. Uma crise financeira e económica global e uma crise de valores morais e princípios éticos em certas regiões do planeta.

Os países mais pobres e os africanos em particular são os que mais sofrem os efeitos negativos destas crises e aqueles que são, infelizmente, excluídos das instâncias em que o assunto é tratado.

A Igreja não pode fazer muito para mudar as regras estabelecidas, mas tem força moral suficiente para influenciar os corações e as mentalidades dos que decidem e apoiar a reclamação legítima de África de ter uma presença efectiva com os mesmos direitos que os outros continentes no Conselho de Segurança da ONU, no FMI e no Banco Mundial.

Queremos cooperar com a Igreja na construção de um mundo melhor, mais seguro e pacífico, ancorado na justiça e no
entendimento, e tendo como premissas o diálogo político, o diálogo de civilizações, de culturas e de religiões e o isolamento e combate de todas as formas de extremismo e de terrorismo.

Neste mundo a África deve estar plenamente integrada, deve ocupar o lugar que ela merece e os africanos devem ser avaliados e aceites pelo seu mérito sem qualquer conotação com a cor da pele.

A África conta com o apoio contínuo da Igreja para se libertar das interferências externas negativas, dos conflitos armados locais, das pandemias e da pobreza e para se transformar em terra de paz, fraternidade e progresso.

Desejo a Sua Santidade a continuação de uma boa estadia no nosso país, que o recebe de braços abertos, com todo o calor da sua amizade e respeito pelos elevados valores de que é portador.

O povo angolano dá-lhe as boas-vindas e espera que abençoe esta terra sacrificada que agora, finalmente, começou já a materializar o seu sonho de paz e de um futuro melhor.

Fonte: Angop