Luanda - A UNITA comemorou este mês os 43 anos da sua fundação. O Jornal de Angola entrevistou Isaías Ngola Samakuva, presidente da UNITA desde 2003. A conversa com Samakuva.

Jornal de angola - A UNITA acaba de completar 43 anos de existência. Que partido temos hoje?
Isaías Samakuva - Temos uma UNITA resultante destes 43 anos de luta constante. Uma luta feita durante muitos anos, nos quais teve de vencer dificuldades de vária ordem também. Hoje penso que a UNITA está temperada nesta luta política. Está cheia de esperança, conquistou o coração de muitos angolanos, que procuram manter a UNITA sempre viva. Estamos mais fortes apesar das dificuldades e dos altos e baixos.

Disse que a UNITA está temperada para a luta política. Reconhece que o passivo da guerra afecta pela negativa a imagem do partido?
Concordo. Aliás, fomos nós até que introduzimos esta terminologia no léxico político. Concordo que a UNITA tem um passivo, da mesma forma que qualquer outro partido tem o seu passivo. O MPLA e a FNLA também têm o seu passivo. Os partidos históricos têm o seu passivo. A UNITA está na mesma situação.

Esse passivo influenciou no desempenho da UNITA nas eleições legislativas?
Não acredito. De facto vejo aqui e acolá pessoas que dizem que a UNITA obteve resultados eleitorais baixos por causa do seu passivo. Mas eu não acredito. Primeiro porque vimos durante a campanha eleitoral o apoio que a UNITA tem. E ainda vemos esse apoio hoje cá em Luanda e nas províncias. Isto por um lado. Por outro, na nossa maneira de ver, os resultados eleitorais foram resultado de uma aritmética que se fez num sítio qualquer e que deram no que deram. Portanto, não consideramos que os resultados atribuídos à UNITA representem realmente o que é a UNITA.

Está a dizer que a UNITA fez tudo certo e que apenas houve um problema de aritmética?
Não estamos a dizer que fizemos tudo certo. Inclusive quantificámos aquilo que podem ter sido os nossos erros e aquilo que terá sido também o resultado dos erros externos, que não são atribuíveis à UNITA. Não estamos a dizer que somos perfeitos. Na nossa avaliação, eu disse logo depois das eleições, que terá havido 40 por cento de situações ou de causas atribuídas à instrumentalização que foi feita em relação às autoridades tradicionais, à partidarização excessiva dos meios de comunicação social, à intimidação que foi dirigida contra os eleitores. Ainda agora quando estive no Mussende falei com vários anciãos que me falaram da forma como foram impelidos a votar num partido que não era da sua escolha. Portanto, nós quantificámos estes factores todos e achamos que as nossas debilidades, as nossas fraquezas, as nossas faltas correspondem a uma certa percentagem.

E que percentagem?
Vinte por cento. Não estamos a dizer que somos perfeitos. O que estamos a dizer é que estes resultados eleitorais não correspondem àquilo que resultaria de uma eleição livre e transparente.

JA - Que erros foram esses?
Fizemos formação aos agentes eleitorais, mas apesar disso eles não estiveram presentes em todas as assembleias de voto. Os agentes eleitorais que deviam ter sido credenciados com uma certa antecedência não o foram. Até mesmo à meia-noite do dia quatro de Setembro estávamos ainda a tentar credenciar os nossos agentes eleitorais. Imaginem que alguns deles foram credenciados nas capitais provinciais, mas tinham de ser levados a distâncias enormes para exercerem a sua actividade. Não puderam estar lá. Podemos culpar aqueles que deviam credenciá-los a tempo, mas nós próprios não tivemos a capacidade de os ter nos locais adequados. É uma das situações que podemos alegar. Aqueles que estiveram nesses locais também, por várias razões, não conseguiram exercer a sua actividade como devia ser. São apenas algumas das debilidades que podemos mencionar e creio que afectaram significativamente o resultado no quadro dos 20 por cento que estamos a atribuir à UNITA.

A UNITA defende eleições presidenciais antes da aprovação da nova Constituição. Não está a defender o contrário do que defendia anteriormente?
Penso que não há nenhuma inversão. E dou-lhe um exemplo. Em 1992, fizemos a eleição com a actual Constituição que define as formas da eleição presidencial. Afinal, esta Constituição serve para se eleger um presidente. O presidente actual já era presidente no sistema único, a mudança da Constituição realizou-se na vigência da sua presidência. Portanto, vê-se aqui que nada impede que o Presidente da República de Angola seja eleito nos termos da Constituição vigente e quando se aprovar a nova Constituição, esse presidente eleito continua como presidente. Na minha maneira de ver não há inversão nenhuma.

Na anterior comissão constitucional, a oposição demitiu-se em bloco, impedindo a revisão da actual Constituição. Como encara essa situação já que hoje a oposição está numa situação mais enfraquecida em relação à legislatura anterior?
Suspendemos a nossa participação no processo da elaboração da nova Constituição como forma de pressão para que se realizassem as eleições no país. Simplesmente quando quisemos voltar à mesa de trabalhos para continuar a elaboração da nova Constituição o MPLA decidiu suspender definitivamente o processo. Eu pergunto-me hoje se isso não foi feito no sentido de criar a situação que estamos a viver. Para que a Constituição fosse elaborada numa altura em que o MPLA tivesse uma maioria absoluta na Assembleia Nacional. Seja como for, eu creio que a Constituição não deve ser discutida na base das maiorias parlamentares, mas na base dos interesses reais do país. O grupo parlamentar do MPLA deve contribuir com a sua maioria para uma Constituição que interesse ao país e não uma Constituição que interesse apenas ao MPLA.

Estamos num período em que a Comissão Constitucional está a receber contribuições para a nova Constituição. Quais são as propostas da UNITA?
Nós temos o nosso texto já bastante adiantado e estamos a contar que dentro de uma semana e meia possamos apresentar a nossa proposta ao país. Nessa altura teremos a oportunidade de convidar os meios de comunicação social para apresentar o texto constitucional.

Quais são as linhas de força dessa proposta?
IS - Na devida altura vão ter oportunidade de saber.

Que modelo de oposição entende que melhor serve à democracia em Angola?
Uma oposição eficaz. E penso que uma oposição eficaz é aquela que deve fiscalizar permanentemente os actos do Governo, sugerindo formas para corrigir aqueles erros que o partido que governa esteja a praticar. Mas esta oposição deve ser feita de forma republicana e deve ser exercida não como força desestabilizadora de qualquer sistema em vigor, mas como uma força que contribui para o melhoramento e para o aperfeiçoamento da governação do país. Também penso que a oposição num país democrático deve ter acesso à comunicação social do Estado, aos meios de comunicação social públicos. Ora no nosso caso temos essa dificuldade. Eu não sei mesmo se esta entrevista passa como está a ser feita ou se sofrerá cortes ou arranjos que convêm ao sistema. Penso que num sistema democrático a oposição deve ter também este espaço para se exprimir e contribuir com as suas ideias na governação do país.

Disse numa das suas mais recentes comunicações ao país que a UNITA é contra o endividamento do Estado e não concorda com a política do recurso ao crédito externo e interno, quando pode utilizar as reservas dos bancos. Podemos entender essa posição como um exemplo do tipo de oposição ideal para Angola?
Não dissemos que somos contra o endividamento. Não dissemos isso. O que estamos a dizer é que não faz sentido dizer que temos o nosso dinheiro e guardamos esse dinheiro. Não faz sentido que vamos buscar fundos com juros elevadíssimos para utilizar nas nossas despesas. Estamos a guardar o nosso dinheiro e vamos pedir empréstimos que pagamos com mais juros? Se temos dinheiro, é preferível utilizar esses fundos que já temos e que não requerem mais juros. É apenas isso que estamos a dizer. Agora se há créditos bancários em condições vantajosas para o país, naturalmente que vamos fazê-los.

Os créditos que o Governo negociou estão a ser feitos em condições vantajosas?
Não nos parece. Será que estas nossas reservas estão também a produzir juros melhores ou maiores do que aqueles nós vamos pagar ao fazermos créditos bancários? Nós ficamos com a impressão de que não temos essas reservas.

Nós quem?
Nós os angolanos.

A comunidade internacional fala hoje de Angola de uma forma diferente da que falava há 10 anos. O discurso é manifestamente outro. Qual é a opinião da UNITA sobre essa mudança?
Não há dúvidas que a imagem de Angola melhorou em relação ao que era há 15 anos. Mas não exageremos.

O que pode explicar essa alteração na forma de olhar para Angola?
Primeiro porque a guerra acabou. Há condições que permitem investimentos. Não há dúvidas que isso retira a carga negativa com que se olhava para Angola. Mas, dizia, não exageremos porque continuam muitas reservas ainda em relação a Angola, na comunidade internacional. Nós falamos com muitos investidores aqui mesmo em Angola e fora de Angola, que ainda têm muitas reservas. Temos de reconhecer que houve uma evolução positiva, mas também temos que trabalhar muito mais para que esta imagem de Angola continue a melhorar.

Como é que a UNITA pensa liderar a oposição, num quadro tão desfavorável como este saído das legislativas?
É bom que se saiba que a nossa ambição não é liderar a oposição como um bloco. Seria bom se as forças da oposição se constituíssem num bloco, que falasse numa só voz. Mas em democracia não sei se isso será sempre vantajoso. É bom que haja diversidade de opiniões, de propostas do projecto de sociedade. O que a UNITA procura é fazer a sua parte no que diz respeito a oferecer à sociedade angolana propostas que sejam credíveis e que sejam vistas como alternativas ao Governo actual.

Porque se calaram figuras como o general Lukamba Gato e Abel Chivukuvuku?
Esta é uma matéria que tem sido ventilada de várias formas. E tudo depende de como se aborda a questão e também de como se vê a participação dessas pessoas. Creio que esta participação depende essencialmente do engajamento dos interessados, e também depende dos lugares que ocupam no seio do partido. As pessoas a que se referiu continuam a ser membros da Comissão Política e do Comité Permanente. São membros da direcção do partido. O seu silêncio, a sua ausência dos holofotes pode explicar-se pelas posições que ocupam nestes órgãos. Por exemplo, o camarada Gato é membro da direcção, mas também é deputado. Está na Assembleia Nacional. A sua aparição aqui e acolá depende certamente das actividades que exerce nos órgãos em que se encontra. Da mesma forma o camarada Abel, que também tem exercido as suas funções enquanto membro da direcção do partido. Ultimamente até parece que está envolvido em actividades ligadas à sociedade civil. A ausência deles dos holofortes depende da forma como se quer ver o posicionamento destes membros da UNITA.

A derrota eleitoral é um fardo pesado para a sua imagem?
Isso não me preocupa absolutamente em nada. Primeiro porque eu sempre me vi como um simples capitão de equipa. O trabalho é de toda a equipa. Temos uma direcção que decide e que deve trabalhar. Não me preocupa que no meu mandato a UNITA tivesse apenas 10 por cento dos votos. O que me preocupa é trabalhar bem. É encontrar forças para que a UNITA continue viva, que continue a ser uma força política a ter em conta no nosso país. É isso que me anima e tudo o que faço é no sentido de fortalecer a UNITA. Faço a minha parte numa equipa que é numerosa.

Ficou à frente da UNITA pelo voto de confiança dos seus colegas de direcção quando se esperava a sua demissão pela derrota?
Não é só isso. Até porque toda a gente viu o que se passou. Mesmo aqueles que fingem não ter visto, sabem o que se passou nestas eleições. Mas também toda a gente sabe que nós temos conduzido a UNITA não como “one man band” ou “one man show”, como dizem os ingleses. Portanto, não é o show de uma pessoa, mas sim uma equipa. E creio que não é só a direcção que sabe isto, mas os militantes também.

Surpreendeu-se ou não com o voto de confiança?
IS - Não fiquei surpreendido. Acho que era normal que depois de um resultado como aquele solicitasse aos meus companheiros do partido, sobretudo da direcção, o seu ponto de vista sobre a minha pessoa. Não terei interesse nenhum em manter-me à frente da UNITA se não for esta a vontade dos militantes do meu partido.

Pensa em recandidatar-se à presidência da UNITA?
Não. Dois mandatos são suficientes. Há outras coisas a fazer...

* Kumuênho da Rosa
Fonte: Jornal de Angola