Luanda - Sim, já sei que muitos não gostam que nós, angolanos, pensemos pela nossa própria cabeça, mas nós somos teimosos. Se não o fôssemos, talvez ainda hoje estivéssemos aos tiros uns com os outros.

Afirmar que Angola ainda tem muitos
problemas ... é um absoluto truísmo

A recente visita do presidente José Eduardo dos Santos a Portugal foi um sucesso. Esta avaliação é praticamente unânime. Até o chefe de Estado angolano, conhecido pelo seu estilo sóbrio, não poupou observações encomiásticas. “Os resultados da nossa visita ultrapassaram as nossas expectativas”, disse ele. Na minha opinião, o facto deve encher de satisfação angolanos e portugueses de boa vontade.

Desta vez, a própria imprensa portuguesa foi comedida nos seus habituais equívocos (ou mesmo dislates, em inúmeros casos) em relação a Angola, alguns dos quais alimentados por pseudo políticos angolanos, que já não sabem o que hão-de fazer para justificar certas bolsas. Em vez de regressarem e lutarem pelas suas convicções com coragem, competência e criatividade, como outros o fazem, preferem vegetar no exterior, à espera da chamada de uma qualquer redacção, ONG ou instituição de “estudos estratégicos”, para fazerem as suas análises supostamente “independentes”.

Entretanto, e como toda a regra tem excepção, houve algumas recaídas. Não vou perder tempo, obviamente, com exemplos abjectos. Mas não posso deixar de mencionar o editorial do Diário de Notícias – órgão que se pretende de referência - do dia 10 de Março.

Aparentemente, para o autor do referido texto, o dinheiro angolano é bom, mas Portugal deve ser “politicamente exigente” com Angola. Em causa, alegadamente, estão a construção da democracia e o respeito pelos direitos humanos em Angola. Sem frontalidade para dizer quais são, afinal, os problemas existentes nesses dois domínios, apenas foram deixadas no ar, aleivosamente, insinuações difusas.

Pelo mesmo jornal, fiquei também a saber que os deputados do Bloco de Esquerda não compareceram ao encontro entre o presidente José Eduardo dos Santos e o presidente da Assembleia da República Portuguesa, Jaime Gama, por “motivos ideológicos”. Digamos que tomei boa nota desse facto.

Pus-me então a pensar. Sim, já sei que muitos não gostam que nós, angolanos, pensemos pela nossa própria cabeça, mas nós somos teimosos. Se não o fôssemos, talvez ainda hoje estivéssemos aos tiros uns com os outros. Mas fizemos a paz que nós próprios escolhemos e definimos, aplicámos uma política de reconciliação e harmonização rigorosamente autónoma e, apesar das falsas promessas do Ocidente, iniciámos um programa de reconstrução e desenvolvimento concebido por nós e com fundos que o nosso país soube mobilizar no mercado internacional.

A pergunta que não resisto a fazer é a seguinte: e se Angola também fosse “politicamente exigente” com Portugal? Se os seus políticos e os seus jornalistas exigissem, como condição prévia ao relacionamento que, assumidamente, Portugal deseja manter com Angola, que fosse feita justiça no caso Casa Pia, que o dossiê Freeport fosse esclarecido, que a imprensa deixasse de inventar “arrastões” supostamente protagonizados nas praias portugueses pelos filhos dos emigrantes africanos, que os culpados no processo “Apito Dourado” fossem punidos, que os banqueiros lusitanos corruptos fossem castigados?

Afirmar que Angola ainda tem muitos problemas, políticos, económicos, sociais, culturais, morais e éticos pela frente é um absoluto truísmo. Que país não os tem? O que deve ser dito até à exaustão aos lusitanos “bem pensantes” é que nós, angolanos, é que iremos resolver esses problemas, de acordo com a nossa própria agenda, da maneira como o definirmos e no timing que, para nós, for o mais apropriado.

Ah, e por falar em “esquerda”, é bom não esquecer, presunçosamente, que nós, angolanos, tivemos de resistir a uma das mais poderosas conspirações imperialistas (sim, imperialistas, sem aspas…) de que há memória, a qual só foi definitivamente derrotada há escassos sete anos atrás. Aliás, que “esquerda” é essa que é incapaz de analisar a realidade de uma maneira histórico-concreta e transforma as suas ideias em dogmas, como qualquer nova seita religiosa?

* João Melo
Fonte: Africa 21