Lisboa - Fernando Casimiro, judoca e figura de destaque da Guiné-Bissau radicado em Portugal, fala sobre situação do país

Nos últimos dias 1º e 2 de março a paz, já bastante debilitada na Guiné-Bissau, foi ensombrada pelos trágicos e bárbaros assassinatos do presidente da República, João Bernardo “Nino” Vieira, e do CEMGFA - Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, major-general Baptista Tagmé Na Waie. No dia imediato, terça-feira, 3 de março, Raimundo Pereira que presidia à ANP - Assembleia Nacional Popular, assumiu interinamente a chefia de Estado e prestou juramento perante os deputados, pelo que, nos termos constitucionais, o novo presidente da República da Guiné-Bissau será eleito no prazo de 60 dias.

Para nos falar sobre a atual conjuntura política e social que se vive na Guiné-Bissau, o papel da CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, o regresso de guineenses na diáspora à mãe-pátria, o Estado de Direito Democrático e as próximas eleições presidenciais, convidamos o desportista (judoca) Fernando Casimiro (Didinho), em Lisboa (Portugal), também na diáspora, que é um elemento privilegiado nas relações com a sociedade guineense e produtor responsável pelo do Projecto Guiné-Bissau - Contributos e do site “www.didinho.org”.

O POVO - Decorridos cerca de 36 anos, sobre a independência da República da Guiné-Bissau, qual o balanço que lhe merece a evolução do país sob o ponto de vista político, econômico, social e cultural?

Fernando Casimiro - Um balanço que se situa entre a desilusão e a esperança num percurso educativo de um país que urge refundar.

OP - Quais as grandes dificuldades enfrentadas pelo sistema político guineense e como superá-las?

FC - A principal dificuldade reside na incapacidade de interpretação, bem como no desrespeito pela Constituição da República da Guiné-Bissau. Basta seguir as diretrizes estabelecidas na Constituição, que, em boa verdade, carece de revisões profundas, para que haja equilíbrio e funcionalidade institucional.

OP - Em sua opinião, quais os (presumíveis) autores dos atentados ocorridos e as razões que estiveram subjacentes a estes trágicos acontecimentos, que acabaram por lançar a Guiné-Bissau na instabilidade política e social?

FC - A instabilidade política e social tem sido uma constante na Guiné-Bissau e, quer uma, quer a outra figura, ora desaparecidas, contribuíram sobremaneira para que assim fosse. Ambos estruturaram e sustentaram grupos de terror camuflados em militares republicanos, mas que nunca deixaram de ser apenas grupos ao serviço de ambos e não da República. Ambos foram mortos por ações militares, num ajuste de contas que se fundamenta, essencialmente, nas ligações cruzadas de ambos com o narcotráfico.

OP - Nos últimos anos, a Guiné-Bissau tem vindo a ser apontada como uma importante plataforma giratória do narcotráfico. Como erradicar o narcotráfico?

FC - O narcotráfico não foi imposto à Guiné-Bissau, mas sim, “adotado” pelas esferas mais altas da estrutura do poder, o que por si só explica a sua sustentação, ramificação e impunidade no país. Acabar com o narcotráfico de Estado, no caso da Guiné-Bissau, implica agir contra governantes e militares envolvidos. Implica o assumir de compromissos e responsabilidades do poder judiciário. Implica o respeito pela Constituição, no que tange à separação de poderes entre o executivo e o judiciário. Implica, igualmente, o apoio da Comunidade Internacional, pois a Guiné-Bissau não tem meios materiais para um combate direto a uma praga que está enraizada em muitos países da África ocidental.

OP - O quadro atual, tal como funciona, dá resposta plena às dificuldades e carências do País e dos guineenses?

FC - A Guiné-Bissau considera-se um Estado de Direito Democrático por mera formalidade, pois as respostas práticas perante as constatações reais demonstram que o país tem sido dirigido ao longo dos anos por ditaduras camufladas, que obviamente, condicionam as liberdades dos cidadãos e, consequentemente, impedem a participação ativa de mais-valias nacionais, no processo construtivo da paz, estabilidade e desenvolvimento do país.

OP - Admitiria a formação de um governo de transição, saído de eleições livres e democráticas?

FC - Teremos apenas eleições presidenciais, sendo que o Governo em funções provém das legislativas de Novembro passado e ainda não fez passar na Assembleia Nacional Popular (por motivos de força maior) quer o seu programa de governação, quer o Orçamento Geral do Estado.
O presidente a ser eleito deverá preocupar-se com as atribuições que lhe são conferidas pela Constituição e seguir atentamente o cumprimento ou incumprimento do Programa do Governo. Este deve dar seguimento às reformas estabelecidas no seu programa, solicitando apoios internacionais, se necessário, para as suas execuções. Chega de governos de transição ou de unidade nacional. A Guiné-Bissau necessita de Governos constitucionais que cumpram os prazos de mandato estipulados, para que haja tempo para a implementação dos programas.

Jornalista Paulo M. A. Martins analisa Guiné-Bissau
www.opovo.com.br/conteudoextra