“Angola não está habituada ao pluralismo, nem ao direito à crítica. Os jornalistas têm direito de criticar, qualquer pessoa do mundo tem direito de criticar”, disse José Manuel Fernandes à Agência Lusa.

O director do Público produziu estas declarações depois de ter sido publicado hoje um texto no Jornal de Angola (JA), estatal, onde são feitas várias críticas ao Público e ao programa “Eixo do Mal”, da SIC Notícias.
Depois de o músico e activista Bob Geldof ter dito, na terça-feira, em Lisboa que “Angola é gerida por criminosos”, o jornal Público divulgou vários artigos sobre a natureza do regime angolano, entre os quais um editorial, no passado dia 8, intitulado “A verdade inconveniente de Bob Geldof dita a quem precisava de a ouvir”.

“Os ataques de Angola ao Público não são novos. Já fui objecto de um processo-crime posto pelo próprio Presidente da República”, afirmou o director do jornal.

Em causa estava um trabalho do Público sobre uma investigação que a organização não governamental Global Witness tinha realizado a propósito do destino dado ao dinheiro de uma exploração petrolífera.
Para José Manuel Fernandes, na base da reacção hoje publicada no Jornal de Angola está o facto de “Angola não estar habituada ao pluralismo, nem ao direito à crítica”.

“Os jornalistas têm direito de criticar, qualquer pessoa do mundo tem direito de criticar”, sublinhou o responsável, acrescentando que “os jornalistas desses jornais são paus-mandados do regime, não conhecem a crítica, só conhecem a obediência”.

José Manuel Fernandes disse ainda que não está “afectado porque nunca teve relações nem com o MPLA nem com a UNITA”.
“Estive uma vez em Angola durante uma visita oficial de António Guterres”, acrescentou.
O director do Público disse ainda que o jornal que dirige tem “dificuldades em obter um visto para entrar em Angola há 10 anos”.

Os jornalistas do Público só conseguem entrar naquele país se forem “integrados em comitivas oficiais”, indicou.
Num texto intitulado “A Quadrilha dos Abusadores”, o Jornal de Angola ameaça divulgar “as listas dos nomes dos quadrilheiros portugueses capturadas no bunker de Jonas Savimbi no Andulo” se o “regabofe” das críticas ao país não parar na comunicação social portuguesa.

“Basta de abusos e insultos”, adverte JA na última linha de um texto não assinado, publicado na página do editorial, sem avançar quaisquer pormenores sobre as “listas de quadrilheiros portugueses”, inferindo-se que se trata de aliados do ex-líder da UNITA, principal partido da oposição angolana, morto em combate em Fevereiro de 2002.

De baterias apontadas ao jornal Público e ao programa “Eixo do Mal”, da SIC Notícias, o JA afirma que os “idiotas úteis” que integram o programa e o diário português estão ao serviço de “quadrilhas” que se serviram de “diamantes de sangue” em Angola.
No passado sábado, os comentadores residentes do programa Eixo do Mal, da SIC Notícias, também teceram críticas ao regime angolano.

“A SIC Notícias nada tem a comentar sobre o artigo ‘A quadrilha dos abusadores‘, publicado hoje pelo Jornal de Angola”, disse António José Teixeira, director do canal em nota enviada à Lusa.
 
“Reafirmamos apenas que o programa ‘Eixo do Mal‘ é um espaço de opinião livre e uma referência na grelha deste canal. A liberdade de opinião é uma marca da SIC Notícias, facto que os espectadores angolanos bem conhecem”, afirmou.
“A liberdade de imprensa teve sempre inimigos confessos e alguns idiotas úteis que, mesmo sem o saberem, são os inimigos mais difíceis de conter ou enfrentar”, refere o JA, explicando que estes “idiotas úteis” são aqueles que os patrões “usam para todos os abusos”.

O jornal estatal angolano refere-se de forma clara ao “Eixo do Mal” e ao jornal Público e deixa perceber que as críticas sobre Angola feitas em Portugal não são tolerados.
A Agência Lusa tentou sem sucesso obter um comentário do presidente do grupo Impresa, Francisco Pinto Balsemão, e do presidente do Grupo Sonae, Belmiro de Azevedo.

* José Manuel Fernandes
Fonte: Lusa