ImageBenguela -  A 06 de Abril de 2009, a Associação Construindo Comunidades (ACC), o Fórum Regional para o Desenvolvimento Universitário (FORDU), a OMUNGA, a Plataforma Eleitoral e o Observatório Político Social de Angola (OPSA) apresentaram junto da Assembleia Nacional, uma proposta com contribuições para a futura Constituição. Eis o seu conteúdo na íntegra:

O presente documento emerge das reflexões de organizações da sociedade civil, e cidadãos, que, usando do seu direito de participação e do seu dever de cidadania, nos termos da lei 02/09, de 06 de Janeiro de 2009.

Este documento sintetiza as opiniões recolhidas a nível das comunidades de base, dos centros urbanos, do meio rural, em uma série de debates e mesas redondas, culminando com um workshop técnico e uma conferência nacional que teve lugar em Luanda aos 02 de Abril de 2009.

O Ante Projecto de Constituição da República de Angola de 2004, produzida pela então Comissão Constitucional, foi considerado como um importante instrumento de trabalho, bem como a Lei Constitucional vigente, posto que seria um retrocesso abrir mão dos direitos e garantias nela já estabelecidos.

Os participantes também se inspiraram, como é óbvio, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e demais tratados internacionais relativos aos direitos fundamentais. Valorizou-se, de igual modo, os usos e costumes das comunidades consultadas no processo.

Os participantes tomaram nota positiva o fato do Estado, no estrito cumprimento de seu dever, ter apelado a sociedade civil para participar do processo constituinte, não obstante alguns condicionalismos que podem ser revistos nas próximas fases, tais como:
- limitação de tempo
- fraca divulgação e sensibilização sobre o processo, sua instituição, metodologia e evolução
- restrição a algumas províncias
- cepticismo em relação a eficácia da contribuição dos cidadãos em relação ao processo constitucional

Estas organizações da sociedade civil reconhecem e têm consciência que o processo constitucional reforça a reconciliação e unidade nacional se é efectivamente dada a oportunidade aos cidadãos de participarem e influírem na vida pública da nação.

1. Princípios fundamentais

Os participantes concordam que o texto constitucional para Angola deve-se fundar nos seguintes princípios:
· A pessoa humana, a sua dignidade, e os direitos e garantias a ela inerentes, são o núcleo da Constituição, sendo a organização política e estatal apenas um instrumento para sua efectivação. – uma Constituição cidadã.
· O primado da lei, a igualdade formal e material entre os cidadãos.
· Justiça social.
· Separação e interdependência dos Poderes, bem como a descentralização e desconcentração do poder político.
· Democracia participativa, onde os cidadãos são actuantes no debate, tomada de decisão e controlo da execução das políticas públicas, que é algo além da democracia representativa
· O reforço do princípio republicano na actuação dos entes públicos através da salvaguarda dos bens públicos e da prevalência do interesse público
· Distribuição equitativa dos rendimentos da riqueza do país
· Função social da propriedade

A garantia de todos os princípios supra-citados está em consonância com o artigo 159 da Lei Constitucional vigente, segundo o qual “as alterações a Lei Constitucional e a aprovação da Constituição de Angola têm de respeitar:
a) a independência, integridade territorial e unidade nacional;
b) os direitos e liberdades fundamentais e as garantias dos cidadãos;
c) o Estado de Direito e a democracia pluripartidária;
d) o sufrágio universal, directo, secreto e periódico na designação dos titulares electivos dos órgãos de soberania e do poder local;
e) a laicidade do Estado e o princípio da separação entre o Estado e as igrejas;
f) a separação e interdependência dos órgãos de soberania e a independência dos Tribunais.”

2. Estrutura da Constituição

A ordem de tratamento dos assuntos e a organização formal dos conteúdos da proposta no Ante Projecto da Constituição de Angola de 2004 foram consideradas pelos participantes adequadas para a nova Constituição do País.

3. Assuntos e Conteúdos

Com base nos princípios acima, os participantes propuseram durante as discussões o seguinte:

3.1 Princípios e Objectivos Fundamentais do Estado

Os participantes consideraram como adequados os princípios e objectivos fundamentais do Estado que constam do Ante Projecto, apenas realçando que o princípio de independência e integridade territorial deve reconhecer e valorizar a diversidade cultural, étnica, religiosa e linguística do país. Outrossim, acordou-se que a organização político-administrativa pode ser flexibilizada, desde que num contexto de desenvolvimento harmonioso e sustentável de todo o território nacional e bem-estar de todos os cidadãos.
No que se refere a línguas, importa consagrar a oficialização delas, no contexto da sua valorização e promoção.

Quanto aos símbolos nacionais, os participantes decidiram que deve-se manter o princípio legal da não coincidência dos símbolos dos partidos políticos com os da nação.

3.2 Direitos, Liberdades e Garantias Fundamentais

No que toca ao direito de antena, os participantes concordaram que todos os partidos devem ter o tempo igual e em cadeia nacional.

Institucionalizar apropriadamente o patrocínio judiciário para os desfavorecidos economicamente, através de estrutura específica que privilegie a contratação de advogados de alta qualidade técnica e com honorários dignos, dedicados exclusivamente a essa tarefa.

Em relação ao direito à educação, o Estado deve implementar políticas públicas de incentivo ao ingresso e permanência dos alunos na escola.

3.3 Direitos Civis e Políticos

· Em relação ao princípio da igualdade, a orientação sexual não pode originar qualquer tipo de preconceito.
· Todas as intervenções militares internacionais devem ser aprovadas pela Assembleia Nacional e tornadas públicas.
· A violência doméstica deve receber tratamento penal especial de forma a se combater essa prática danosa à estrutura familiar.
· Os cidadãos também devem ter legitimidade para propor iniciativa de referendo à Assembleia.
· O texto do número 3 do artigo 21 da Lei Constitucional vigente, que sintoniza as normas angolanas com os tratados internacionais de direitos humanos, deve ser mantido integralmente na futura Constituição.
· Em relação à criança: (a) a criança deve ser considerada como sujeito activo de direitos, de acordo com a interpretação contida na Convenção dos Direitos da Criança, da Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança; (b) O texto do artigo 30 da Lei Constitucional vigente deve ser mantido integralmente na futura Constituição; (c) o Estado deve educar as crianças para a vida em democracia.
· Todo cidadão privado de sua liberdade pelo Estado, sem prejuízo das restrições previstas, em função de sua condição não pode perder seus direitos, mormente o acesso à educação, saúde, informação e condições carcerárias dignas, em consonância com as “Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos”, da ONU.
· O povo exerce o poder político directamente ou por intermédio dos seus representantes eleitos por sufrágio universal, directo, secreto, livre, igual e periódico. Com a ressalva de que o mesmo se aplica inclusive aos governadores e vice-governadores provinciais, administradores municipais e comunais.
· Os Cidadãos sem filiação partidária podem apresentar as suas candidaturas independentes às eleições legislativas e autárquicas.
· Definição de uma data fixa para realização das eleições legislativas, presidenciais e autárquicas.
· A institucionalização de uma Comissão Nacional Eleitoral independente com autonomia administrativa e financeira.
· Cidadãos angolanos residentes no exterior também têm o direito a votar nas eleições presidenciais.
· Os partidos políticos devem publicar as listas de seus candidatos no mínimo 3 meses antes da realização das eleições.
· Criação de um Tribunal de Justiça Eleitoral cujos juízes serão eleitos pelo colégio de juízes do Tribunal Constitucional.
· As autoridades tradicionais devem ser apartidárias no exercício de suas funções, nem podem apoiar de qualquer modo actos de partidos políticos.

3.4 Direitos Económicos, Sociais e Culturais

· Direito a salário igual pelo trabalho igual
· Direito a livre escolha de trabalho
· O ingresso na função pública não pode ser limitado pela idade da pessoa
· Garantir o subsídio de desemprego involuntário
· Garantir em absoluto a assistência médica e medicamentosa gratuita e de qualidade
· Garantir e regular os preços no sector imobiliário, tornando-os acessíveis aos cidadãos.
· Garantir o acesso fácil ao trabalho, aos serviços e locais públicos, bem como eliminar todas as barreiras arquitectónicas, às pessoas com deficiência.
· Que a constituição combata os efeitos negativos da poligamia na sociedade.
· Criar instituições com condições próprias para albergar os idosos que não tenham amparo.
· Todos os cidadãos têm o direito à alimentação e o Estado tem o dever de garantir os meios que permitam o exercício desse direito.
· Ensino gratuito, obrigatório e de qualidade no mínimo até a 13ª classe do primeiro ciclo do ensino secundário.
· Em casos de calamidade, a assistência humanitária de emergência deve ser um direito dos cidadãos, a ser regulamentada em lei ordinária.
· As comunidades tradicionais e suas práticas culturais devem ser protegidas através da demarcação de suas terras.
· As empresas e indústrias extractivistas devem ser responsabilizadas socialmente no combate à pobreza. Leis ordinárias deverão estabelecer as obrigações para com as comunidades nos seguintes aspectos: fundos para bolsas de estudos; investimentos para bibliotecas; assistência social; alimentação; desenvolvimento sustentável e continuado; e protecção das práticas culturais.
· O meio ambiente deve ser considerado numa perspectiva equilibrada de desenvolvimento sustentável, isto é, garantia da salvaguarda dos interesses das gerações vindouras. Reservas ambientais devem ser protegidas.
· Remuneração salarial deve ter valor económico correspondente ao custo de vida.
· A arrecadação das receitas pelo Governo, e as despesas consequentes da aplicação do orçamento geral do Estado, devem ser publicadas no mínimo trimestralmente em Diário da República e sítio electrónico e fixado em locais públicos. Essa responsabilidade deve ser do Poder Executivo a nível nacional, provincial e municipal.
· O Estado tem a obrigação de promover a reforma agrária, de forma que a todos os cidadãos seja garantido o direito à terra. A expropriação é garantida apenas com o fim da função social da propriedade e deve-se guiar pela efectivação do princípio da igualdade material, e uma indemnização justa e adequada deve ser fornecida.

3.5 Órgãos de Soberania e Poderes Locais

· O Presidente da República, os Governadores Provinciais, os Administradores Municipais e os Administradores Comunais devem ser eleitos por sufrágio secreto, directo, periódico, livre e universal.
· A forma de governo deve ser a semi-presidencialista, onde o Presidente da República seria o chefe de Estado e o Primeiro-Ministro o chefe de Governo.
· O Primeiro-Ministro executaria efectivamente as políticas administrativas do Governo e, periodicamente, apresentaria o relatório das contas do governo à Assembleia Nacional. Ele seria indicado pelo partido vencedor das eleições legislativas e nomeado pelo Presidente.
· Os mandatos dos deputados da Assembleia Nacional, do Presidente da República, do Primeiro-Ministro, dos governadores provinciais e dos administradores municipais e comunais devem ser de 4 anos.
· As eleições legislativas devem ser simultâneas às autárquicas.
· O candidato de um partido político, uma vez eleito Presidente da República, Governador Provincial, deverá deixar o cargo que ocupa no seu partido.
· A nomeação dos juízes-presidentes dos tribunais Constitucional, Supremo, e de Contas se dará por selecção pelo Presidente da República de um(a) candidato(a) em lista de 3 candidatos remetida pela Assembleia Nacional. Os demais juízes serão indicados de acordo com o processo previsto no Ante Projecto de 2004.
· Os tribunais devem gozar de autonomia administrativa e financeira.
· As competências dos Administradores Municipais e Comunais, dos Governadores Provinciais devem ser claramente definidas, bem como as competências dos Autarcas.
· Qualquer cidadão deve ter legitimidade para propor projecto de lei à Assembleia Nacional – iniciativa popular.


Luanda, Abril de 2009.
Fonte:
http://quintasdedebate.blogspot.com