Luanda - Revolta pela acção dos militares: “Que venham aqui e nos expliquem onde é que um miúdo de 14 anos foi buscar armas”, diz tio de Rufino.


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Fonte: Lusa

"Um menino de 14 anos com duas armas era um Rambo”, ironiza o avô"

Centenas de populares juntaram-se hoje em Viana, arredores de Luanda, no funeral de Rufino António, o rapaz de 14 anos atingido a tiro por militares das Forças Armadas Angolanas (FAA) durante a demolição de casas no bairro Walale, no Zango II.


Entre a emoção generalizada no bairro, todos perguntavam “porquê” e gritavam por “justiça”.


“Nem no tempo da guerra se via isto, queremos justiça”, desabafava Ana Maria, uma das moradoras do bairro Walale, no Zango II, enquanto assistia às cerimónias fúnebres de Rufino Marciano António.


Por ali, numa contestação de gente que pouco tem mas que se vai sentindo um pouco por toda a sociedade, apontam-se responsabilidades aos militares, que já terão demolido mais de 1.500 casas alegando que foram construídas em terrenos do novo Aeroporto Internacional de Luanda.


“Era humilde, bom rapaz, social e um bom aluno. Tinha um grande futuro, mas que lhe foi cortado”, contou à Lusa o avô, Gonçalves Canda, visivelmente emocionado pela morte, mas também pela falta de respostas.


“Vamos agora enterrá-lo sem saber o que aconteceu e porquê. Quem matou devia aparecer, para se fazer Justiça, mas até agora nada”, lamentou.


Tudo aconteceu na tarde de 5 de Agosto, quando Rufino e outros moradores do bairro se juntaram a contestar as demolições – que já deixaram milhares de pessoas desalojadas e que afectariam também a casa dos pais – perante o avanço dos militares.


“O Estado-Maior General alerta a população para evitar afrontar os militares, com armas de fogo, como ocorreu nesse trágico acidente, onde foram capturadas duas armas”, lê-se num comunicado das chefias da FAA, que também confirma e lamenta o incidente, garantindo uma investigação ao caso.


“Aqui não havia armas. E um menino de 14 anos com duas armas era um Rambo”, ironiza o avô, logo secundado pelo tio de Rufino, que também crítica a versão das FAA, que surgiu ao fim de cinco dias.


“Que venham aqui e nos expliquem onde é que um miúdo de 14 anos foi buscar armas. Queremos que nos digam porque é que o mataram, para aliviar a nossa angústia”, desabafa Ramiro Alexandre.


Por entre lágrimas, cânticos dos óbitos e a revolta na forma de palavras como “Justiça para o Rufino” ou cartazes dizendo “Só queria ter um tecto para morar”, as cerimónias fúnebres juntaram centenas de pessoas e decorreram no centro do bairro, por entre as casas de construção básica e caminhos em terra batida.


Em pano de fundo está a escola Vin 617, que esta manhã também parou para lembrar o aluno n.º 45, da sala 8, quarta classe: “É com muita dor que lamentamos o desaparecimento físico do nosso colega, aluno, amigo, filho, irmão, pela tragédia ocorrida no dia 5 de Agosto de 2016, vítima de um tiro na cabeça”, recordou a criança de 6 anos que leu a mensagem fúnebre da escola.


À cerimónia não faltou a professora, que acompanhou o rapaz nos últimos dois anos. “Na sexta-feira avisei-os para se portarem bem, que tinham prova na segunda. Foi a última coisa que lhe disse, porque o Rufino já não foi a tempo”, contou Conceição dos Santos.


“Era bom aluno e muito calmo, sonhava ter um futuro. Dizia que queria ser arquitecto, gostava muito de desenhar”, admitiu, assumindo-se “chocada” pelos acontecimentos.


Da tristeza à crítica, Conceição compreende a indignação dos moradores do bairro, que repentinamente estão a ver as casas demolidas pelos militares. Muitos sem tempo para apresentarem prova da legalidade das residências ou para retirar bens do interior, como tem sido relatado publicamente.


“Alguém tem de fazer alguma coisa, isto assim é uma injustiça. O governo, quando quer tirar as pessoas, primeiro tem de preparar um sítio. Assim, quem sofre as consequências é o povo”, lamenta a professora.
Como outros professores, Manuel Manuel, director pedagógico da escola, não faltou à despedida de Rufino, até porque assistiu a tudo: “Nos metemos em fuga quando o vimos estendido no chão. Nem tivemos coragem para nos aproximarmos dele, ainda chamamos a polícia, mas eles não entraram, porque o bairro estava cercado de militares”, conta.


Sobre a autoria do disparo mortal, o professor não hesita em apontar o dedo: “Eu estive lá, eram umas 14h15, foram os militares. Não tenho dúvidas e ainda ouvi darem ordem para ele [suposto militar autor do disparo] se retirar. Armas aqui? É uma grande falsidade, nunca se ouvi falar disso ou sequer disparos”.


Linda António Manuel, 13 anos, era colega de sala de Rufino, na quarta classe da escola do bairro de Walale e não conteve as lágrimas recordando um colega “respeitoso e obediente”.


“Vieram partir a casa, eles [Rufino e outros] foram assistir e um tiro lhe chegou e caiu no chão”, explica, emocionada.