Luanda - Ruca Van-Dunem tem história para ser ídolo por largas décadas. A sua veia compositora, a fina marca melódica e a paixão pela música fizeram de si, nos anos 90, um dos mais notáveis produtores, impulsionadores e defensores do género kizomba.

Fonte: Angop

Das suas mãos nasceram algumas das mais dançadas e "pujantes" canções produzidas em Portugal, por músicos africanos de expressão portuguesa, que buscavam afirmação, num concorrido mercado, dominado por executores de Cabo Verde.

 

Autor de temas de sucesso, como "Garina", "Som da Banda", "Kandengue", "Manha de Domingo", "Kazumbi" e "Som de Luanda", tem um profundo amor e respeito por Eduardo Paim.

 

Deste seu ídolo e mentor musical, recebeu luz verde para dar corpo a um projecto que se tornou "viral" nas pistas de dança, em Angola e na diáspora.

 

Empresário da classe média, Ruca Van-Dunem deixou um legado que, ainda hoje, mexe com o ego dos inseparáveis fãs da década de 90.

 

Produziu quatro volumes do Projecto "Sem Kigila" e, com eles, conheceu o sucesso.

 

Ao lado de Eduardo Paim, Paulo Flores, Luandino de Carvalho, Ricardo Abreu, Fernando Kental, Tino Fortes, Lura, Maninho, Jacinto Tchipa (...), seus intérpretes de eleição, "saboreou" o sucesso e viu o seu nome expandir-se na lusofonia.

 

Mas quis o destino, que a carreira do jovem produtor fosse de tão curta duração.

 

Ruca deixou para traz a febre da música, "fugiu" do exigente público, saiu dos holofotes da grande imprensa, mas manteve viva as suas memórias.

 

A gratidão por Eduardo Paim nunca foi tão exposta e manifestada em palco, onde já partilhou momentos inesquecíveis com o amigo de longa data e um dos principais "pilares" da música angolana nos anos 80/90.

 

Nesta sexta-feira, 25 de Novembro, em meio a uma plateia vibrante e expectante, Ruca Van-Dunem dissipou dúvidas e narrou, como poucos, a trajectória do seu mestre.

 

Chamado ao palco para um breve depoimento, protagonizou um gesto inusitado que marcou a festa dos 40 anos de carreira de Paim.

 

De joelhos vergados, olhos fitos no chão, Ruca Van-Dunem demonstrou carinho, irmandade e amor, por um "professor" de créditos firmados.

 

Diante do mestre, com quem partilhara vários temas de sucesso no "Sem Kigila", abriu o coração.

 

Com um humilde beijo na mão, simbolizou a importância, a força, o talento e traquejo de Paim.

 

Um gesto singelo, inocente, que ajudou a coroar a carreira de um profissional lutador, agora elevado à categoria de "Marchal Kambuengo".

 

Paim é um mentor de que Ruca Van-Dunem jamais se esquecerá.

 

"O Eduardo é mais velho do que eu na idade e experiência musical. É um músico de carreira, profissional. Eu passei pela música por muitos poucos anos e dei a minha pequena contribuição, grande parte dela com a ajuda do Eduardo Paim", expressou à Angop, à margem do show de 40 anos de carreira do seu ídolo.

 

"Ao aluno, perante o mestre, nada resta se não ajoelhar. Foi o que eu fiz, com todo o respeito por essa figura grandiosa da música angolana. Não havia mais nada que eu pudesse fazer, para engrandecer o tamanho monstro da música. Foi um sinal de respeito, por aquela pessoa, por quem tenho um tremendo agradecimento", declarou.

 

Ruca Van-Dunem estava ausente da terra Pátria, em missão pelo Dubai.

 

O peso do nome, o compromisso e a saudade dos tempos áureos, fizeram-no voltar, para tomar parte numa festa de quase três horas.

 

Ruca chegou no dia da actuação, sentou-se na fila da frente, cantou com o seu mestre, à distância, sucessos que recordam uma partilha de vida em Portugal.

 

"É um grande privilégio para mim, fazer parte da história deste músico incontornável da cultura angolana. O Eduardo é um ícone, que está ligado a toda a história musical do nosso país", referiu.

 

Segundo Ruca Van-Dunem, Paim começou a carreira quando ele tinha apenas seis anos de idade, daí considera-lo um mentor.

 

Afirmou que Eduardo Paim, no período de 85 a 95, "carregou a música e a cultura angolana às costas, sendo praticamente o único que fazia as canções que se ouviam nas rádios e festas".

 

"Este dia é memorável. O espectáculo fez perfeita justiça à idade da carreira do Eduardo. Espero que todos nós voltemos a estar aqui daqui a 10 anos, para celebrar os 50 anos da carreira dele. Terá de ser outra grande festa", expressou.

 

Ruca afirmou que Eduardo deve ser acarinhado por toda a sociedade, sublinhando que foi um dos grandes responsáveis pelo projecto "Sem Kigila".

 

"O Sem Kigila nasceu com a elaboração da música Garina, que eu queria mostrar ao Eduardo. Ele, num dos seus intervalos de ensaios para o seu primeiro disco, ao ouvir a música, sugeriu-me fazer mais sete iguais e gravar um disco".

 

"Foi um dos responsáveis pela existência do Sem Kigila, porque se naquele dia ele não tivesse tido aquela atitude, provavelmente o projecto nem tinha nascido", confidenciou.

 

Segundo Ruca Van-Dunem, tratou-se de um projecto familiar.

 

"Eu nunca fui cantor. Fiz as composições todas dos 4 Sem Kigilas e tinha uma missão difícil de, em cada um deles, escolher aqueles que achava serem os intérpretes certos para as músicas feitas na altura", explicou.

 

Confessou que fica sensibilizado ao ver que, mais de 20 anos depois, as músicas do "Sem Kigila" fazem ainda sucesso e são cantadas pelos fãs.

 

"É de facto emocionante e tocante, Foi um projecto de muita familiaridade. Naquela Altura, a tecnologia não era tão evoluída. Havia muitas dificuldades para fazer determinadas coisas, mas todos nós, unidos, conseguimos que corresse bem", sublinhou.

 

O projecto envolveu várias vozes, vários profissionais, vários amigos de Ruca Van-Dunem.

 

Ricardo Abreu é um dos que mais se evidenciou, com o tema de sucesso "Manhã de Domingo".

 

À semelhança do amigo Ruca, deixou a música para traz e seguiu novos passos.

 

A febre da canção ficou definitivamente fora dos seus planos.

 

Todavia, a amizade profunda por Eduardo Paim fê-lo experimentar de novo a sensação do microfone. Ricardo Abreu foi um dos convidados do show de 40 anos de Eduardo Paim.

 

O profissional do ramo bancário subiu ao palco e, mesmo sem a voz de outros tempos, cantou "Manhã de Domingo".

 

"Senti um frio na barriga. Foi uma festa muito bonita. Teve uma moldura humana muito expressiva, para acariciar o Eduardo", expressou.

 

Ricardo Abreu disse à Angop que ficou feliz com esse momento histórico, que coroou uma trajectória de 25 anos de música, vividos em Angola e em Portugal.

 

"A nossa trajectória é de alguns anos. Já vão 25 desde que nós interagimos e fizemos parte desse movimento, que agora temos a oportunidade de partilhar aqui", disse.

 

Para si, foi merecida a homenagem a Eduardo Paim.

 

Ao contrário de Ricardo Abreu, Luandino de Carvalho assistiu ao show na plateia.

 

Autor de um dos temas de maior sucesso do projecto "Sem Kigila" ("Alucinação"), lembrou das primeiras grandes aparições de Eduardo Paim.

 

"Nós éramos miúdos e lembro-me que uma das primeiras grandes enchentes do Eduardo foi no antigo Tartaruga. Vi-o actuar também naquela discoteca na cave do Hotel Panorama e nós sabíamos que ele ia percorrer essa belíssima carreira".

 

Para si, trata-se uma carreira que ainda tem muitos frutos para dar.

 

"Não acabou ainda. Já ouvi dizer que há aí trabalhos a sair e auguramos que venham sempre com essa vivacidade e angolanidade. Que ele continue com a sua simplicidade, no palco e fora do palco", vincou.

 

"Parabéns Eduardo. Estamos à espera dos próximos 40 anos de carreira", declarou à Angop.