Lisboa  - De regresso dos Estados Unidos, país ao qual se deslocou a convite de organizações republicanas para a tomada de posse de Donald Trump, Abel Chivukuvuku passou por Lisboa, onde falou ao Expresso sobre o “ano especial e extraordinário” que 2017 vai ser para Angola.

Fonte: Expresso

As eleições gerais de agosto representam uma oportunidade para o partido que lidera, a CASA-CE (Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral), a segunda maior formação política da oposição que se estreou nos escrutínios de 2012. O líder da CASA considera-a “a terceira alternativa” para os angolanos que querem um futuro diferente.


O entusiasmo pela mudança leva este natural do Huambo, nascido em 1957, e formado na Alemanha, Reino Unido e África do Sul a apostar nas propostas da nova administração norte-americana. Confrontado com o entusiasmo de Donald Trump pela “eficácia da tortura” reconhece o perigo e recua. Durante a entrevista insistiu na necessidade de os cidadãos angolanos serem “efetivamente livres e senhores dos seus destinos”.

Em ano de eleições em Angola vê oportunidade? Qual é a estratégia da CASA-CE para captar votos e ser um novo partido depois da experiência de 2012?
Penso que 2017 será um ano especial e extraordinário para Angola. Há desafios, mas há sobretudo oportunidades. O mais importante neste momento é fazermos com que se realizem eleições livres, justas e transparentes em Angola para que o resultado eleitoral reflita a vontade do cidadão eleitor. Para que isso seja possível precisamos de melhorar o ambiente político nacional em termos de liberdades, é preciso que os cidadãos tomem as suas opções livres de coação e em total liberdade porque no país ainda temos determinadas bolsas territoriais onde os cidadãos não são efetivamente livres. A estrutura social e económica também exerce muita pressão sobre as pessoas. Para se arranjar um emprego por vezes solicitam um cartão do partido no poder, sobretudo se for no funcionalismo público. Temos de garantir que o ambiente político seja de liberdade. Para termos eleições livres, justas e transparentes também precisamos de mudar alguns aspetos da legislação eleitoral.


Refere-se às leis ou ao seu cumprimento?
Refiro-me em particular ao respeito pelos prazos para convocar as eleições, para a afixação dos cadernos eleitorais, para a aprovação das candidaturas e entrega das verbas aos partidos políticos para fazerem as campanhas eleitorais, prazos para a entrega das credenciais aos fiscais eleitorais dos partidos políticos e nada sociedade civil… precisamos de melhorar os prazos para que esses processos não tenham de ser feitos de forma apressada e atabalhoada. É preciso melhorar a legislação e o seu cumprimento. Temos também o problema do modelo de contagem e apuramento. A lei estabelece que a contagem se faz nas mesas e depois consolida-se nas assembleias, mas depois todo esse processo sobe ao nível nacional e os partidos da oposição e a sociedade civil não têm acesso à sala nacional de escrutínio onde se fazem todos os cálculos. Também precisamos de melhorar o acesso aos órgãos de comunicação do Estado pelos diversos partidos políticos da oposição. O próprio Presidente da República anunciou no dia 16 de outubro, que gostaria que, em 2017, houvesse eleições em Angola livres, justas e transparentes.

Como antevê a mudança?
Não queremos a mudança pela mudança. É preciso que ela seja pacífica, ordeira, inclusiva e positiva. Ela deve resultar num novo modelo de governação que tenha em consideração o fator cidadão como elemento principal da governação. Terá de ser uma governação que introduza um novo modelo transparente e rigoroso de utilização dos recursos do país e sobretudo uma visão sobre o futuro de Angola que permita a realização dos cidadãos e Angola.

CASA-CE é um partido moderno. Que tipo de abordagem faz aos seus eleitores?
É um partido mais moderno, mais aberto e nacional, não tem conotações étnicas, e é o mais democrático em Angola. Consideramo-nos uma terceira opção para as pessoas que estão cansadas do resto, para as pessoas que nunca optaram… a CASA trouxe esperança, fé, voltou a dar entusiasmo até àquelas pessoas que já tinham desistido de acreditar na política. Temos pela frente o trabalho de transmitir confiança principalmente aos setores do eleitorado ligados à função pública, às forças armadas e à polícia. Tem havido desinformação que diz a essas pessoas que, em caso de mudança, serão corridos do Estado. Para nós, os funcionários públicos, as forças armadas e a polícia são do Estado e não dos partidos. Haja mudança e alternância e os funcionários públicos serão os mesmos. O que muda é o comportamento, as atitudes, a filosofia e a prestação de serviços, isso sim. A nossa cultura de governação prevê que mude a qualidade dos salários dessas pessoas porque têm de ser compatíveis com os altos custos de vida. Para que tudo isto seja exequível é necessária uma visão futurista do país. Um país de futuro, moderno, em progresso, democrático e com o primado da lei garantido.

Para mudar, há que ganhar as eleições. O resultado modesto que a CASA-CE alcançou em 2012 deveu-se ao facto de ser uma novidade?
Em 2012 criámos uma força política quatro meses antes das eleições, o que não nos permitiu ir a todo o território. Daí que nem toda a gente ficasse a conhecer o projeto da CASA. Isso já foi suplantado, podemos dizer tranquilamente que temos condições de protagonizar a mudança e a transformação. Neste momento, temos uma espécie de partido-Estado que é o MPLA, é partido e é Estado, confundem-se as coisas. Basta ver que neste momento todos os administradores comunais são do partido do governo. Todos os 164 administradores municipais são do partido, todos os 18 governadores e vice-governadores provinciais são, portanto toda a máquina o é. Para nós, toda a governação futura terá de ser feita na base da inclusão, devem participar na governação de Angola não necessariamente só os membros da CASA-CE. Não queremos o Governo da CASA-CE, mas um governo dos angolanos que aplique a visão e o programa da CASA-CE.

Refere-se a coligações?
Não falo de coligações. Todos os angolanos participariam no Governo desde que preenchessem três critérios: patriotismo, competência e honestidade. Se os cumprir não importa se é MPLA, UNITA ou outro. E tinham de aceitar aplicar a visão e o programa de governo da CASA-CE. Essas serão as bases para que acabemos com a exclusão que hoje grassa no país. É a exclusão política que faz que Angola não valorize o potencial de recursos humanos que tem.

 

Como caracteriza a atual situação económica e financeira de Angola pós-'boom'?
Catastrófica! Mas mais grave ainda é que o Governo não tem uma estratégia coerente para sair da crise nem acredito que tenha capacidade de voltar a pôr a funcionar todo o potencial do país. Angola é um país que eu considero viável pela sua estrutura física, pela extensão, pela sua população e recursos naturais, que são imensos. Durante o 'boom', a liderança esqueceu-se que Angola tem terras aráveis, preferiu comprar todos os recursos alimentares no exterior. Esqueceu-se da rede hidrográfica extensa e vasta, das florestas, dos recursos minerais limitando o país à histeria do petróleo. O resultado está à vista. Continuamos muito dependentes do exterior para tudo o que consumimos e em certa medida o facto de grande parte do tecido empresarial ser dos próprios governantes revela como o facilitismo se instalou.

Está a criticar o ambiente de negócios.
Temos dos piores índices de ambiente de negócios. A burocracia é muito inibidora, a corrupção, as comissões que são exigidas a quem quer fazer investimento ou pequenos negócios, o problema dos custos de produção, a vida em Angola, sobretudo em Luanda e nas cidades da costa é muito cara, o acesso à terra é difícil, como o acesso à água e eletricidade… É preciso melhorar muito o ambiente de negócios.

Uma das preocupações da CASA-CE é a pobreza. A desigualdade da distribuição em Angola é cada vez maior. Como combatê-la?
A realidade da vida da maioria das populações do país é pobreza, mais de 60% da população rural e suburbana é muito pobre e não tem perspetiva de melhorar, ainda mais agora com a crise económica. Foi durante a fase do 'boom', que a maioria da população não sentiu, que as desigualdades aumentaram. Todos os que beneficiaram estão na estrutura do poder com particular incidência na figura do Presidente da República, familiares e colaboradores diretos. A maioria da população ficou à margem, mas com as redes sociais os cidadãos acompanham hoje tudo o que se passa no país relativo a má gestão, corrupção e desvios. Nós dizemos: “o mais importante não é explicar aos cidadãos os erros da governação, mas oferecer-lhes uma alternativa”.

A classe média é a mais afetada pela crise?
Com o 'boom' estava a formar-se uma pequena classe média que Angola não tinha até 2002. Nos últimos dez anos, uma parte do funcionalismo público, principalmente o superior, uma parte do oficialato das forças armadas e da polícia entraram na classe média vendo as suas vidas a melhorarem razoavelmente. Foi esse segmento que mais foi afetado pela crise. De repente, tudo se foi com a baixa do valor dos salários ao mesmo tempo que o custo de vida subia. Este setor, que também estava pelo menos afiliado ao poder, está hoje bastante frustrado e desiludido. Os segmentos que beneficiaram da corrupção e dos desvios continuam na boa vida. Os que trabalham é que viram as suas vidas destroçadas. Todos estes fatores vão jogar na consciencialização para que haja mudança nas próximas eleições.

Chamava aos anúncios do Presidente o “teatro do sai, não sai”. Acha que a nomeação de João Loureço para a presidência do MPLA vai trazer mudança?
Para a equação polícia nacional atual é irrelevante se o Presidente concorre ou não. Se concorrer, tem a noção de que está completamente desacreditado e desgastado, ainda pior com esse “fica-não-fica”. Se não concorrer é irrelevante porque não altera a natureza do poder e do MPLA. Será o mesmo fanatismo, desinteresse e insensibilidade, má gestão. Para nós, o mais importante é saber que, nos últimos anos, tem havido evolução no quadro mental dos eleitores. Quanto mais nos afastamos dos tempos da guerra, mais os cidadãos estão livres mentalmente da ideia de que, naquela altura, o ativismo político representava risco de vida. Os jovens entre os 18 e os 22/25, são pessoas que não viveram de forma brutal os efeitos da guerra e são eles os eleitores determinantes dos resultados em 2017. A dimensão da literacia e acesso ao ensino superior do eleitorado também é importante na abertura das mentes. As expectativas desta gama de cidadãos já não se deixam levar pela lenga-lenga do Governo. Temos hoje um eleitorado mais consciente, que julga, avalia e tem acesso ao debate pelas redes sociais.


E para os políticos, também é mais fácil galvanizar a atenção internacional para Angola?
Hoje a globalização pôs-nos mais próximos uns dos outros. O que se vive numa parte do mundo afeta as outras e as desigualdades entre Estados e continentes também aumentaram. Uns evoluíram e progrediram e outros ficaram para trás, particularmente nós em África. A geração antiga de lideres mais preocupados com a realização do poder e menos com a evolução das suas sociedades não tomou consciência de que ou a África entra no ritmo do progresso e do desenvolvimento ou fica cada vez mais para trás, tornando-nos irrelevantes para o resto do mundo. Apraz-me constatar que há mudanças democráticas em progresso. Na Gâmbia, a região exigiu que se repusesse a legitimidade. É disso que precisamos na África Austral e Central. Considerou-se que o regime angolano contribuía para a estabilidade da região, mas a comunidade internacional esqueceu-se de entender que ele era uma força de manutenção do status quo: Luanda defendeu e protegeu regimes como o do Zimbabwe, o da Guiné Equatorial, provavelmente até foi o regime angolano que inspirou [Joseph] Kabila a não respeitar a Constituição na República Democrática do Congo. Portanto, Angola tem de evoluir na democracia e cuidar do cumprimento do Estado de direito para que o seu impacto na região não seja uma estabilidade fictícia. Sem valores democráticos não se garante estabilidade a longo prazo.