Lei igual para todos! Desde os direitos de natureza política em que as liberdade de pensamento, expressão, reunião e manifestação sejam realmente consentidos e praticados, até aos de natureza social como o direito a uma boa educação e, inquestionavelmente, os de natureza económica para que a liberdade da livre iniciativa seja para todos. No âmbito desses direitos  ninguém pode (não é o limitado “deve”) ficar sem uma habitação digna, sem pão, sem emprego, sem água potável. A questão central para que um poder raciocine consequentemente nesses termos reside na sua capacidade de partilha que é, desde logo, defendida na Lei (o deve) e é aplicada com coerência (o pode). Reside igualmente na capacidade de abertura política, na viabilidade do espaço público, pois o processo que nos conduz a isto é a prática democrática, é percebermos que “toda a gente é pessoa” e, por consequência, tem voz e vez sempre que entender falar, agir e reagir. O partido da situação não tem claramente essa capacidade, é um partido cuja natureza de poder é para satisfazer um grupo minoritário, fabricar privilegiados e submeter os demais aos seus desígnios. É autoritário, não percebe (porque não pode) o sentido da liberdade dos outros e, isto, é uma clara questão de cultura política profundamente entranhada nos seus princípios práticos. Ultrapassar esta concepção pré-histórica de política que nos conduz a falta de visão para a resolução efectiva dos nossos problemas é uma questão candente da política actual. E este desafio é, pelo interesse nacional, colocado a todos os democratas pelo que o problema do Mpla passa a ser uma questão nacional e não uma mera questão desse partido.

2.O reinado do Mpla e a desestruturação. Com um longo reinado o partido da situação cristalizou a sua vocação do poder exclusivo, pese embora as novas condições políticas. Descomprometeu-se com os ideais que motivaram a sua formação e impediu o surgimento do estado democrático de direito. A sua conduta levou a uma profunda desestruturação da sociedade, com ausência de regras e normas, onde o arbítrio e a ausência de valores constituem pilares actuantes. As ideias-força que hoje enfermam o comportamento comum dos cidadãos, por via da natureza ditatorial, desestruturante, do partido-estado, indicia uma profunda crise social, com nefastas repercurssões psicológicas no plano individual. Em  certo sentido o país desencontrou-se, as pessoas vivem contrariadas, fazem coisas que não gostariam de fazer, assistem a atitudes às quais fingem respeitar.

3.O problema da ideologia e o vício na sociedade. Definitivamente, o critério da vida em Angola rege-se pelo peso do partido no poder. Via de regra o conceito de cidadão não é praticável. A bússula para que se tome uma atitude centra-se não em valores éticos ou morais, não no juízo do que é correcto ou incorrecto, mas se agrada ou desagrada o partido no poder. Os temores surgem por todos os lados porque a capacidade do partido dominante de “nos tirar o pão” ou simplesmente “nos pôr na lama” inventando processos judiciais ou intrigas é enorme. O contrário também é verdadeiro: a oportunidade de prosperidade individual ou a garantia de que nada acontece se se comete alguma atitude ilegal ou maléfica é de “nos encastelarmos”  no partido da situação. Apesar de que esta forma de pensar e agir acaba por facilitar, em rigor, apenas um grupo minoritário, a expectativa de muita gente é que a sorte lhe bafeje. A ideologia dominante segundo a qual o cidadão só se concretiza com a militância no partido da situação ou submetendo-se a ele penetra em todos os sectores sociais, deixando de fora apenas os marginais (criados pelo sistema de exclusão do sistema) que não reconhecem qualquer paternidade ao regime no fluir do seu pensamento e acções. Com base nisso, está introduzido o vício na sociedade e nenhum sector de relação cidadã como a Administração Pública, a comunicação social estatal, a polícia, a segurança do estado, as empresas públicas, etc, resiste. O combate ao vício e o estabelecimento duma verdadeira relação de cidadania é uma das questões chave do novo ciclo político e só haverá condições de o fazer se o partido governante perder a paternidade política da sociedade.

4.A necessidade do Mpla recuperar o espírito político. O sentido duma vitória política. Uma vitória política do partido da situação vai ao certo aprofundar esta desestruturação social, vai estimular ainda mais este vício de comportamento e a sociedade vai aprofundar a confusão em que está instalada. Angola é hoje, por via disso, a confluência entre Brazil, Zimbabwe e Nigéria. É um compósito dos elementos negativos desses países, no tocante, respectivamente, a grave disparidade de rendimentos sociais, ao modelo político ditatorial e a capacidade de desorganização social. O núcleo realmente dirigente do partido da situação que no interior do próprio partido “aterroriza” os seus confrades terá a vitória como meio de aprofundar ainda mais o seu reinado. É o mundo das negociatas que vai continuar com algumas migalhas repartidas aqui e acolá, mas este império económico exige necessariamente a utilização de métodos e processos autoritários e golpistas. Aqueles que no interior desse partido anseiam a restauração do espírito político, ao regresso a referências de equilibro social serão ou trucidados ou terão que fingir que as coisas vão bem. A única forma de se libertarem dessas amarras e colocarem-se ao nível dos seus anseios é através dum facto contundente e este só pode ser a perda do poder do seu próprio partido. Lembro aqui um dos ex-embaixadores caboverdeanos que me confidenciou que a longa permanência do PAICV no poder criou vícios de tal forma permitindo que o partido caísse em práticas de injustiças infantis, que só se apercebeu após a sua saída do poder. Se tal não ocorre agora no partido da situação, este corre o risco de ver essa natureza de poder (que cega) reforçada por uma nova geração que ascende neste partido de forma monástica, cuja única política é o interesse pessoal baseado na mera gestão da “sua” riqueza. Os militantes com projecto político mais rapidamente serão dispensados, quais descartáveis, como habitualmente ocorre entre as suas fileiras.
 
5.A conjuntura não pode permitir uma adaptação do status quo se outras forças venceram a eleições. Só com a perda de poder maioritário na Assembleia Nacional e com a ascensão de forças democráticas é que a sociedade pode rapidamente caminhar rumo ao estado de direito. Nenhuma força política estará capaz de fazer aquilo que se passa hoje em Angola, de alimentar o vício estrutural ao ponto de desenvolvê-lo, embora a irradicação do vício envolva um combate consequente de médio, longo prazo. As pretensões totalitárias, as pretensões revanchistas e também as que ousarão apoiar-se no modelo social prevalecente, de cariz “elitista” como o OPSA o caracterizou, podem existir mas não terão pernas para fazer curso, até porque o sentido do voto é contra a natureza do partido-estado. Desde logo, todas as forças não integrantes do poder governamental terão, ao contrário de hoje, direitos de oposição, o que significa, por um lado, que as regras serão iguais para todos (desaparece o aspecto mafioso do poder de estado) e que o poder de fiscalização estará, particularmente, nas mãos da oposição. Decididamente a FpD opôr-se-á a qualquer tipo de tendência revanchista e de manutenção do satatus quo. Depois, a separação efectiva dos poderes trará uma lufada de ar fresco, permitindo maior confiança nos órgãos do estado e sobretudo naqueles que garantem a defesa dos interesses fundamentais dos cidadãos, como os do sistema de Justiça. Por outro lado, o novo poder que tem apenas 4 anos para mostrar a sua diferença, estará interessado em uma prestação que granjeie o apoio popular. Essa tendência será boa para o país. Assim, a par da emancipação política no interior do próprio partido dominante e da aspiração de boa prestação do novo poder, a sociedade de certa forma afecta ao partido da situação respirará um impressionante ar de liberdade e contribuirá decisivamente para a democratização do país. Novas forças serão libertas nesse processo e engrossarão indubitavelmente àquelas que lutam por um futuro de esperança.

6.A melhor oposição. Para o país, na próxima conjuntura não restam dúvidas que a melhor oposição é o Mpla. É de facto o partido que melhor conhece os meandros do poder, os dossiers, tendo todas as condições de contribuir para a ruptura do actual satus quo, uma vez que já não lhe será benéfica a ideia do controlismo do poder político, a desorganização e o caos que se estabeleceu, bem como a falta de transparência, os negócios obscuros, a corrupção em grande escala. Se o novo poder pretender manter estes esquemas terá uma denúncia clara e interessada desta oposição que sabe bem como fez. Isto, sem dúvida, será bom para o país.

7.Uma nova relação de forças assim estabelecida permitirá ganhos nacionais importantes associado a um tremendo respeito internacional. A) Assim, no domínio político o jogo democrático começa a ser possível praticar, a oposição passará a ter direitos, a separação de poderes tornar-se-á efectiva, os odores de liberdade romperão em todas as esquinas, a sociedade civil assumirá o seu papel autónomo. Os profissionais da comunicação social não terão motivos para se manterem como “comissários políticos”; B) No domínio económico não só haverá interesse em estabelecer um plano estratégico nacional – porque só nestas condições faz sentido um “pacto de estabilidade” que não exclua a sociedade civil - mas as forças que hoje dominam a economia e que são promíscuas (porque igualmente dominam o poder político) estariam mais livres e mais concentradas para se dedicarem exclusivamente a (sua) prosperidade económica e preservá-la. Acatariam as regras do estado de direito para não serem apanhadas em contra-mão pelo novo poder, estariam menos livres para a prática da corrupção, desbaratariam menos o erário público, teriam melhores condições de estabelecerem relações justas com os trabalhadores. Tudo isto é impossível esperar com a promiscuidade entre a política e a economia e a protecção que hoje existe para estes interesses privatizados, acobertados na estrutura e funcionamento do estado. A economia tenderia a uma auto-organização por força dum ambiente estruturalmente diferente, situação que hoje é impedida pela franca delapidação da riqueza social; B) No domínio social os reflexos são imediatos e positivos. As forças sociais, sustentadas por uma maior diversificação económica, aumentariam o seu grau de cidadania. A competição (empresarial) e o mérito (individual) elevar-se-iam a bitolas de avaliação que estimularia o desenvolvimento social, a estrutura de oportunidades melhoraria, arrastando consigo uma melhor repartição da riqueza nacional. A violência endémica, fruto conjugado dos órfãos da guerra e das profundas injustiças sociais, teria menos oportunidades para retirar a segurança aos cidadãos; C) Á nível Internacional o país sem um estado com relações sociais baseadas na corrupção aceitaria participar nos sistemas de integridade internacionais, libertando forças morais para criticar as estruturas financeiras internacionais injustas que hoje produzem a desgraça aos países do terceiro mundo. Um povo que se livra dum poder secular autoritário e gerador aberto de injustiças, por outro lado, ganha respeitabilidade do exterior, que o vê de facto emancipado, estimulando-o a manter relações numa base de maior equidade o que romperia, desde logo, com a degradação das relações laborais da mão obra nacional em empresas estrangeiras. Com níveis mais elevados de justiça, por sua vez, minimizar-se-iam os riscos de xenofobia.

8.O fim do M.P.L.A. – Só dessa forma, os cidadãos poderão emancipar-se do Medo Para Lutar por Angola, condição necessária para que o país seja capaz de enfrentar um desenvolvimento sustentável e multilateral. Haja coragem!

* Filomeno Vieira Lopes (Presidente da FpD – Frente para a Democracia)
Fonte: Jornal Agora