Ouvimos falar de um crescimento económico na ordem dos 19% ao ano, com a criação de milhares de postos de emprego, construção e reparação de estradas e caminhos de ferro. Ouvimos falar, por exemplo, de uma avalanche de estrangeiros que todos os dias procuram as nossas embaixadas a solicitar vistos quer de trabalho quer de visitante. Ouvimos conversas as quais fazem-nos crer que agora sim, “na banda é que está a dar”. Na conversa com os nossos familiares e amigos eles procuram fazer-nos entender e crer que o nível de vida melhorou, que as coisas estão a mudar e que hoje em dia existem muitas oportunidades para todos, e mais, perguntam o porque que não voltamos já. Que agora já se viaja à vontade de carro às províncias, que todos estão a construir casas, emprego é que há de mais. Os terrenos estão a acabar e se não voltarmos já já correremos o risco de não ter espaço onde construir as nossas casas…

No entanto, existem outras notícias que nos falam de uma taxa de desemprego na ordem dos 80%, de uma taxa de mortalidade infantil que é a segunda ou terceira mais alta do mundo, de uma esperança de vida de 35 anos para os homens e 38 para as mulheres. Notícias estas que nos falam de elevados níveis de corrupção e intolerância política. Notícias que dão conta de elevados níveis de analfabetismo infantil, ou de gente adulta que está a aprender a ler e escrever nas universidades, dado o estado degradante do sistema de ensino quer público quer privado. Notícias que nos relatam do estado lastimável das nossas estradas e instituições públicas, como escolas, hospitais e postos de saúde, assim como das repartições administrativas. Notícias que nos falam das discriminações e desigualdades sociais cada vez mais acentuadas: o rico cada vez mais rico e pobre cada vez mais pobre e entregue à si mesmo. Gente que acredita que pelo simples facto de pertencer a uma determinada elite tem o direito de humilhar e desrespeitar os seus co-cidadãos, e outros que acreditam que por serem pobres, coitados, merecem ser destratados e desrespeitados pela elite. Casas quase de graça para uns e terrenos para outros construirem as suas casas. Depois o próprio governo vem e parte as casas para lá construir outras coisas. E neste ambiente acabamos por criar, numa Angola independente, angolanos de primeira, de segunda, de terceira e muito mais.

É nesta confusão de informações que me encontro. E, como em Angola quem fala ou pensa diferente daquilo que as pessoas acreditam é tido como suspeita e inimigo dos angolanos, fica “complicado” conversar até com os nossos próprios familiares e amigos. É neste ambiente que começamos a criar várias mentalidades nas quais os de fora são contra o governo, e os de dentro são submissos ao governo. Neste clima de acusações, os mais fortes(os de dentro) acabam por levar vantagens, até porque dizem ter provas que nós, os que estamos fora, fomos comprados e estamos a ser usados pelos governos dos países onde nos encontramos. Agora assim vamos fazer como? Continuar a partilhar as nossas ideias ou pelo contrário oferecer o nosso silêncio e depois sermos acusados de covardes?

* Ismael Santana
Fonte: Club-k.net