Saber se depois de Neto, revolucionário, carismático e fundador da Pátria, a herança do seu pensamento tem sido seguida ortodoxamente, ou se existe particularidade resultante do seu perfi l histórico, psicológico e político. Saber se a análise é isenta ou não! Saber se há virtudes ou defeitos, são juízos de valores de suma importância para a Ciência Política e a Sociologia Política, mas, pouco relevante para o Direito.

 

JES é um respeitador, compreendedorda diferença, dá oportunidade a todos 

 

A política é uma arte de persuasão, gerir interesses humanos para o bem dos constituintes do grupo humano. No exercício activo da política, o subjectivismo faz parte do jogo, pois a queda da chuva faz mudar o discurso, a sua ética é especial e infl uenciada pela conjuntura, seja económica, natural, social ou política.

O discurso político é dinâmico e não estático. Há nesta refl exão um objectivo teorético, mas também subjectivo, emocional por tratar-se de um líder ímpar e vivo, pelos seus feitos ao longo do nosso percurso pós-independência.

A História do nosso Continente é impressionante na forma como os homens heróis passam a vilões, os vilões a heróis, os bons a maus e estes a bons!

Não nos parece justo ignorar qualidades e exaltar defeitos, parece-me «mesquinho»; devemos elevar, reconhecer, agradecer os vivos e não apenas quando os homens morrem. A cultura Bantu é rica em valorar os mortos (kalunga, okufa, imbi), mas parece-me que o respeito e exaltação das lideranças é o respeito pela História de um povo, cada um tem o seu papel no percurso histórico, há quinhão para todos.

Acho mesmo apropriado que se reconheçam os verdadeiros heróis vivos notórios com seus feitos, defeitos ou efeitos, sem prejuízo dos anteriores ou mortos. É injusto não reconhecer as virtudes, a nobreza, sentido pátrio dos heróis, é um «crime» de lesa-pátria, atentado à cultura angolana, e à nossa identidade. É isto que vamos aqui abordar, analisar o percurso político de JES.

Falar da fi gura do Engº José Eduardo dos Santos, Presidente da República e do MPLA, é complexo, por ser uma fi gura em vida, não tendo ainda concluído a sua trajectória política (Biografi a) e haver questões de segurança que não nos é permitido revelar. Bem como é difícil falar da importância de um líder vivo, segundo Hart: «Avaliar a importância de um político da actualidade é muito mais difícil. Não importa quão poderoso o líder pareça ser nos dias de hoje e não importa quão inovador, mesmo assim fi ca muito difícil prever por quanto tempo a sua influência será exercida (1).»

 É apropriada a citação, sabendo do contexto actual da projecção regional e global da economia angolana e da fi gura em análise, aquilo que Kajibanga considera de liderança global, carismática e transcultural (2).

A periodização do ilustre Professor Doutor Kajibanga vai de 1942 a 1959, a fase da infância e adolescência. De 1959 até 7 de Novembro de 1961, fase da militância clandestina em Luanda.

De Novembro de 1961 a Novembro de 1963 dá-se a sua integração na luta armada. De 1963 até 1970 é o período de formação superior universitária (Baku, Azerbaijão) e técnica militar (Telecomunicações) na URSS. De 1970 a 1975 é o engajamento total na actividade político-administrativa e militar.

De Setembro de 1975 a 20 de Setembro de 1979 desempenha vários cargos governamentais, sendo a sua classe e diplomacia, determinação, discrição, jovialidade e dedicação laboral, temor reverencial aos mais velhos; vai ocupar cargos políticos de Ministro das Relações Exteriores, Ministro do Plano, Primeiro-Vice-Primeiro-Ministro até que com a morte do Dr. António Agostinho Neto, assumiu a «substituição necessária », como Presidente de Angola e do MPLA. Foi o eleito por representar muitas sensibilidades, por ser o elo de equilíbrio, acima das querelas regionais, étnicas, raciais e religiosas, sendo por isso, a escolha que hoje, volvidos quase 30 anos, pode ser considerada pela maioria do nosso povo como a melhor escolha.

Diferentemente da sistematização do ilustríssimo mestre Kajibanga, parece-me que o período de 1979 a 1985, é o período de afi rmação interna dentro do Partido, atendendo as correntes políticas e ideológicas subsequentes à tentativa do Golpe de Estado de 27 de Maio, onde o líder também soube gerir as sensibilidades e interesses da época. Coincidentemente, foi o período mais intenso na actividade políticodiplomática e militar, onde as suas maiores qualidades foram duramente testadas e conseguidas.

Como disse, algumas coisas por questões de segurança nacional um dia hão-de ser reveladas e farão parte dos anais da história quer do partido como da Nação. Os senhores são intelectuais e adultos de muitas valências e melhor do que eu dominam estas matérias, pois, pertenço à geração do «Dudu come matete...». Porém, não é demais recordar que nesta altura vivíamos apenas da importação e compra de material bélico, cujas consequências ainda estamos a pagar. No período posterior às crises do Leste Europeu, das reformas da Perestroika, JES (3) soube gerir os planos, programas económicos de transição que ia ensaiando até 1987/91, como o SEF; dando origem ao fi m do período revolucionário e de observação das tendências políticas e económicas de então; dando origem à política de reconciliação ou de amnistia e reconciliação nacional, fazendo aproximação com correntes desavindas da FNLA e as negociações com a UNITA em Gbadolite, Nova York e Bicesse; fazendo os acordos que deram origem à saída de cubanos, abrindo caminho à independência da Namíbia e à libertação de Nelson Mandela e o consequente fi m do Apartheid, inimigo implacável da nossa soberania, recursos e identidade africana.

Tudo isto foi combatido com discrição, intransigência e transigência de uma liderança nacional, regional e global (4). Este período é recheado de crises económica, política e geoestratégica, obrigando o realinhamento dos interesses internacionais, criando novas alianças com Ocidente, o bombardeamento intenso no Kwando Kuvangu (Mavinga e Kuito Kuanavale), onde os Sul-africanos e a UNITA procuravam posições para pressionar e obrigar o Governo dirigido pelo Presidente José Eduardo dos Santos a ceder as suas posições nas negociações (5).

Este período deve também ser relembrado como o da transição para o multipartidarismo, mormente de 1989/92, culminando com as eleições de 29 e 30 de Setembro de 1992, de má lembrança e a guerra subsequente que não importa lembrar. JES teve sempre o condão, de 1992 a 2002, de estar aberto às negociações para a pacifi cação ou reconciliação que, em 1997, deram origem ao GURN (Governo de Unidade e Reconciliação Nacional), cuja constitucionalidade alguns autores questionavam (Poulson 2008), embora entendesse como uma questão de princípio (maioria parlamentar e reconciliação nacional, Pinto 2008), prevalecendo a reconciliação nacional que também tem consagração constitucional material.

Com o GURN, JES «sacrifi cou» a maioria parlamentar do MPLApara garantir a Paz e reconciliação como valor supremo que se evoca no Hino Nacional e na Lei Constitucional. Mas a guerra continuou até 2002. JES viveu a serenidade, elevação de sempre, a conjuntura mudou, nacional e internacionalmente, mas JES, como líder, não recebeu a solidariedade internacional Ocidental para a realização da Conferência de doadores. JES recorreu à China, obtendo apoio para reconstruir e construir o País dilacerado pela dor, fome e destruído de forma arrepiante com a ajuda de muitos países que o acusavam de ser líder de um Estado rico que não necessitava de apoio…

Com o início da reconstrução nacional, os angolanos começaram a sentir um respeito sobre as suas instituições desde 2005, com a aprovação do pacote legislativo eleitoral, quando todos clamavam pela realização das eleições gerais ou legislativas e depois presidenciais.
Uns discursavam mostrando a cabeça de JES a prémio, para depois responsabilizá-lo pelos resultados eleitorais, uns queriam ou pretendem o seu afastamento atendendo a sua longevidade política, sem nunca verem os feitos de JES. É compreensível, mas não deixa de ser injusto.

Com a marcação das eleições legislativas e a retumbante vitória do MPLA e, consequentemente, do seu Presidente e seus colaboradores directos e militantes, amigos e simpatizantes, a questão colocada supra é oportuna: saber se existirá uma corrente ideológica ou grupo político ideológico que procuram exaltar a imagem de liderança do Presidente José Eduardo dos Santos.

Acho que os dados acima descritos mostram-nos que estamos diante de uma liderança sui generis, pelas seguintes razões:

1. Ser uma fi gura que pouco exterioriza emoções.
2. É discreto na sua actividade política e social.
3. É prudente ou diplomático, refi nado nas abordagens que faz.
4. É um homem de pactos políticos pluriétnicos e sociais.
5. É fl exível, tolerante, generoso e clemente com os adversários.
6. Determinado nas opções estratégicas que faz.

O exposto vem mostrar um novo tipo de liderança, pois o tipo carismático e extravagante, teorizado por Webber, não lhe caracteriza. O tipo histórico, revolucionário, lunático, tirano, irascível não o caracteriza. É um governante equilibrado, aberto aos tempos ou gerações e valores sem fundamentalismos, e isto mostra bem que tipo de liderança temos, extravasa a qualificação clássica platónica ou até maquiavélica. JES é uma fi gura enigmática, entre as personalidades raras da História da Humanidade, pois o mundo vive de extremos que aqui não se vêem.

É também complexo qualifi car alguém que governa um Estado onde as correntes ideológicas, regionais ou étnicas, económicas e políticas eram tão acirradas na altura da morte do Kilamba ou Presidente Neto, Fundador da Pátria Angolana.

JES pode ter correntes que o defendem, veneram-no, admiram-no, respeitam-no pelos seus feitos e efeitos e não pelos defeitos, que este ou aquele quer catalogar por pretender isto ou aquilo, muito menos bajulá-lo; pois, também aconselham-no, criticam-no, mas com elevação, elegância e nos locais específi cos. É respeito, próprio das sociedades pós-confl ito ou revolução; é reconhecimento pelos feitos, agradecimento. Motiva o ego.
É comum pensar-se que ser intelectual é criticar gratuitamente JES ou o seu regime. Compreende- se que quem nunca nada fez ou sempre fez mal ataque tudo e todos, mas o objectivo não é mais senão a cobiça do poder de JES ou a sua capacidade e visão estratégica. É inveja.

O processo constituinte mostra bem as tendências, mas os líderes devem ser obedecidos, seja quem for! Sob pena de se instalar a anarquia que muitos desejariam…

É comum também ouvir-se por aí: «os que defendem JES são bajuladores ou que é um culto de personalidade». Normalmente esquece-se que na Europa, Ásia, América, os seus fundadores ou fi guras determinantes da sua História são venerados como heróis pelo Estado ou canonizados pela Igreja (Santos). Mas quando acontece com os africanos, respeitando os seus líderes ou agraciandoos, acarinhando-os, são achincalhados…

Homens como Churchill, Adenaur, De Gaulle, Staline na Europa pós-conflito; os americanos tanto falam de Washington, Kennedy e Roosevelt; os Chineses com Mao Tse Tung e Deng; os Indianos com Ghandi e Indira, os Israelitas com Moisés, Salomão e David, etc.
Todos povos devem venerar os seus melhores fi lhos ou amigos, estes infl uenciam suas vidas por servirem de exemplos para todos agentes sociais.
Por isso, é razoável que haja uma certa «veneração», reconhecimento que se agudiza quando os seus feitos ultrapassam os seus defeitos. Os grandes homens são normalmente cognominados, resultante das suas características intelectuais, psicológicas ou políticas; qualifi cando-os de restauradores, revolucionários, bondosos, reconciliadores, diplomatas, estadistas, poetas, democratas. Mas os feitos dos homens podem hipnotizar as sociedades ou grupos. Eis a razão de existirem correntes de opinião que podem ser positivas ou negativas, prós ou contras, para o bem ou para o mal…
Não são correctas as análises que são dirigidas a JES, pois são injuriosas e falsas, pelas seguintes razões:

1. Não há excessiva presença de JES; há é um temor e respeito como resultado de gratidão pelos seus feitos e efeitos.
2. Há até, em alguns cidadãos, ingratidão indirecta quando se ataca JES ou se utiliza sua imagem ou de seus familiares para atingirem objectivos invisíveis e que se passassem por ele, teria proibido, por ser uma pessoa justa, discreta e serena consigo e com outros. Quem erra deve ser responsabilizado pelos seus actos…
3. JES é um respeitador, compreendedor da diferença, dá oportunidade a todos; alguns respeitam-no e veneram-no, na sua presença ou ausência, ou bajulam...

Por isso, parece-me que a corrente – se existe – é razoável, mas se devia ser consequente em defendê-lo quando atacado na sua honra e reputação. São caluniosas e infundadas as opiniões veiculadas sobre a figura de JES, por se pretender dar a imagem de «totalitarismo», o que não corresponde à verdade. Se existe uma corrente, deve ser Santoísta/ Santoísmo. Assim como se diz de Marx que os seus seguidores são marxistas e a doutrina é marxismo; Kant/kantismo; Hegel/hegeliano; Gaulle/gaulismo; Agostinho/agostianismo ou agostiniano; Aquino/aquinismo; Staline/stalinismo; Cavaco/cavaquismo; Soares/soarismo. Relevam sempre os dois nomes ou um nome, utilizando-se sempre o último apelido ou dois nomes pessoais ou pseudónimo ou antropónimo.
Para evocar a espiritualidade ou liderança, doutrina. É próprio dos líderes. Quem não é, deve saber respeitar para poder sê-lo um dia. OS MELHORES DEVEM SERVIR DE EXEMPLO. Quem não respeita nunca será respeitado, quem não obedece, nunca será obedecido…

JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS – o Reconciliador, Diplomata hábil, Sereno e Líder transcultural, regional e global… Deixem mazé Man Dú… Opoya ongadji, omalako osoma. O sábio argumenta, a decisão é do governante ou líder. Filosofi a Bantu – Umbundu

*Jurista e professor de Ciência Política e Direito Público./ Deputado à Assembleia Nacional pelo MPLA.

Fonte: Semanario Angolense