Pode dizer-se, por isso, que Dos Santos foi o grande vencedor de uma conferência costurada como um fato à sua medida. Mas o mérito é, sem dúvidas, de um homem que, no seu estilo peculiar, tem sabido impor-se de forma avassaladora sobre os seus pares, nos bons como nos maus momentos. 

 Na antecâmara das próximas eleições, José Eduardo dos Santos demonstra uma incrível vitalidade e consegue posicionar-se entre os «seus» como uma peça imprescindível quer para a estratégia eleitoral do partido, quer para a condução do Estado. Já não há dúvidas que será ele a marcar o ritmo da partitura de uma orquestra que se vai afinando na sua pré-campanha eleitoral. Lidera a máquina, pairando sobre ela como uma figura incontornável, mesmo quando não está presente.   

Em dois dias de conclave, José Eduardo dos Santos permaneceu no complexo do Futungo II pouco mais de duas horas (ao abrir e ao fechar os trabalhos), mas deixou sempre a pairar sobre o ambiente a aura de uma entidade omnipresente. Mesmo tendo por detrás um enorme aparato de marketing, não se pode ignorar a forma como, numa espécie de toque de Midas, encetou uma completa transfiguração da sua personalidade. Ele que nunca foi de grandes arrebatamentos oratórios, chegando a ser quase sisudo e taciturno, logrou com o discurso de abertura dos trabalhos da conferência arrebatar uma plateia, constituída pelos seus confrades, que o aclamou incessantemente.

  Dos Santos nunca foi nenhum bronco, mas é sabido que não se pode esperar dele expressões enfáticas, nem grandes gestos teatrais. Por isso, contam-se as vezes que pôs um auditório preso ao movimento dos seus lábios, às suas palavras. Conseguiu fazê-lo desta vez, arrancando aplausos quase a cada minuto. Raramente, de facto, o vimos com tamanho à vontade no palanque, marcando determinadamente cada proposição que fazia para os militantes do seu partido, sabendo que elas chegarão inevitavelmente a toda sociedade, mas especialmente a dois segmentos-alvo do eleitorado: os jovens e as mulheres. 


  Aos jovens acenou com um esforço de melhoria da crítica situação habitacional, com o anúncio de que as autoridades nacionais estudarão um mecanismo de concessão de crédito bonificado, a fim de facilitar o acesso da população jovem à habitação própria. Esta temática começa a ser uma das caras ao Presidente da República, de quem já se ouviu há bem pouco tempo uma recomendação especial para o Governo dedicar atenção especial à construção de habitações sociais. 

Os jovens exultaram com isso e também quando o Chefe de Estado disse – com a entoação mais persuasiva possível – que a par com o programa habitacional, é intenção do Mpla, no âmbito de uma política de promoção do emprego e de valorização dos recursos humanos, criar cerca de um milhão e 300 mil empregos no próximo quadriénio, visando com isso baixar a taxa de desemprego para menos de 15 por cento.  Estávamos, inusitadamente, perante um autêntico «marketer» político, que aumentará a sua performance ao dirigir-se ao eleitorado feminino quase em tom intimista.

 Sublinhando a premissa segundo a qual há na sociedade angolana seguramente mais mulheres do que homens, o Presidente atacou com a promessa de que o seu partido procurará respostas aos anseios femininos no que respeita às oportunidades, à segurança no emprego e no seio da família, etc. Mas foi quando assumiu o compromisso de, já na próxima legislatura, o seu partido procurar ultrapassar a meta de 30 por cento de participação das mulheres no seu grupo parlamentar e no Governo, que a «galera» feminina quase mandou a bancada para baixo.  

 No auge do entusiasmo, coisa raríssima entre nós, José Eduardo dos Santos teve direito a «esquebra» quando uma vistosa senhora saiu do assento, foi lá acima e quase lhe estampou um beijo na face.  Houve quem dissesse que esse os aplausos e aquele «quase-linguado» faziam parte de um guião de propaganda político-eleitoral previamente encenado pelos «camaradas». Outros objectaram que tal não é nada de outro mundo: o Mpla não faz questão de esconder que está já em campanha para as eleições.

Dá, no entanto, para perceber que houve retoques de maquilhagem muito especiais na personalidade do Presidente Eduardo dos Santos, que finalmente ultrapassou a introversão que lhe é natural e falou aos militantes do seu partido – e à sociedade em geral – com uma linguagem menos árida e impessoal.   Compare-se este exuberante discurso com a muito discreta alocução dirigida à Nação por ocasião da última passagem de ano, e concluiremos que o Presidente José Eduardo dos Santos transfigurou-se em pleno pódio. Reforçou o seu poder e, mais do que isso, ganhou uma maior empatia dos cidadãos. 

  
 Já quase em hora de prolongamento do jogo A tacada com os jovens, por exemplo, está a ter efeitos benignos até na forma retraída como esse segmento da população encara a política e os políticos. As primeiras indicações dão conta que a promessa de construção de um milhão de casas já na próxima legislatura, apesar da sua forte carga eleitoralista, num país em que segundo os especialistas o déficit habitacional é de cerca de 800 mil moradias por ano, pôs muitos jovens, que já andavam desalentados, a sonhar... com um país de verdade. Oxalá!

 Fonte: Semanario Angolense