Troquei a condição de militante partidário pela de causas sociais e cívicas no início dos anos 90, porque deixei de acreditar na seriedade dos partidos no cumprimento das suas promessas e porque entendi que era possível outro tipo de intervenção política e cívica no novo contexto do País. Como membro da sociedade civil não me demito do direito de dar opiniões sobre questões políticas e influenciar decisões, mas não me anima o propósito de fazer parte do poder político, nem de o combater, mas tão somente de ajudar a mudar a política e a forma como ela se faz em Angola. A Conferência do MPLA seria uma boa oportunidade para tal.

 Ao longo dos anos também o MPLA habituou-nos a não cumprir muitas das suas promessas, feitas normalmente com base no voluntarismo e não no estudo adequado da realidade e das capacidades do País, e, o que é pior, a não monitorar nem avaliar os programas. Daí que se continuem a cometer erros graves em domínios em que isso não poderia mais acontecer. Falando da agricultura, definir que podem ser cultivados por empresas envolvidas no agronegócio 500 mil hectares de terras para  biocombustíveis e quatro milhões para produzir mais de 15 milhões de toneladas de cereais é, de facto, um acto de voluntarismo que não tem em conta a realidade e a experiência do passado, pois Angola não tem investigação científica nem capacidade técnica e organização logística que possam sustentar esse objectivo nos próximos cinco anos. Sei que o argumento de que se tratará de investimentos privados – o que não é totalmente verdade – será erigido contra esta minha ideia, mas pergunto se o sector privado irá trazer do exterior não só os agrónomos e gestores agrícolas e de parques de máquinas, mas também os operadores de tractores e mecânicos que não temos e que não se formam de um dia para o outro, para dar apenas alguns exemplos. É importante ouvir quem está ligado à actividade agrícola e não apenas quem está directa ou indirectamente interessado no agronegócio. Para se ter uma ideia da grandeza dos números em jogo, adianto que seriam necessários cerca de 50 mil tractores de potência média e aproximadamente 100 mil tractoristas e, no mínimo, nove mil agrónomos. Ademais, tal opção implicará a destruição de quase cinco milhões de hectares de floresta. Foi assim que muitos dos desastres ambientais começaram.

Estes números fazem-me pensar numa séria inconsistência de política agrícola. Se existe vontade de se encetar um combate sério à pobreza e ao desemprego, as atenções do futuro governo deveriam estar concentradas prioritariamente no apoio aos pequenos agricultores e camponeses e aí seria possível atingir as produções pretendidas, como a experiência colonial comprova. Não é isto que se deduz do discurso do Presidente do MPLA. Por outro lado, a opção pelos biocombustíveis exige estudos rigorosos que não estamos em condições de fazer a curto prazo e um profundo debate a nível da sociedade como acontece em todo o mundo, pois questiona-se se isso é prioritário num país que produz petróleo e não produz alimentos. A experiência brasileira não pode ser transposta para Angola da forma expedita que se pretende. Além disso, não se pode reduzir a questão a um problema de terras, pois haverá outros recursos em competição com a produção de alimentos, entre os quais os humanos e financeiros.

Entendo, finalmente, que a abordagem da pobreza não pode ser limitada à perspectiva económica. Tratarei deste assunto de modo específico numa próximas conversas. Aqui limito-me a dizer que o Governo aprovou uma Estratégia de Combate à Pobreza que não tem sido devidamente implementada porque não ocupa lugar central nos Programas de Governo. Na minha opinião isto deve estar ligado aos elevados índices de corrupção (agora, depois do Presidente voltar ao tema, já não deve ser anti-patriótico afirmar que há corrupção em Angola) e explica que os índices de desigualdade estejam a aumentar de tal modo que o nosso país é actualmente considerado um dos piores do mundo na distribuição de rendimentos. Na minha opinião, a pobreza deve ser encarada como um imperativo de ordem ética, pois, por exemplo, é inadmissível que seis anos depois da guerra a maioria dos angolanos não tenha acesso a água potável ou o tenha sob condições degradantes, enquanto se esbanja dinheiro público em bens supérfluos e de luxo ou se exibe tanta riqueza por pessoas que não conseguem explicar a sua criação de forma honesta. 
                                                                

* Fernando Pacheco
Fonte: Novo Jornal