Luanda - O objectivo do presente artigo visa analisar, à luz da Constituição Angolana de 2010, quais são as regras que regulam a sucessão ou substituição do cargo do Presidente da República quando se verificam condições de impedimentos temporário ou definitivo para o exercício das funções Presidenciais.

Fonte: Club-k.net

1. A Constituição da República de Angola

 Artigo 6.o. 1. A Constituição é a Lei Suprema da República de

Angola. 2. O Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade, devendo respeitar e fazer respeitar as leis.3 As leis, os tratados e demais actos do Estado, dos órgãos do poder local e dos entes públicos em geral só são válidos se forem conformes à Constituição.

 

 Artigo 130.o. 1. Há vacatura do cargo de Presidente da República nas seguintes situações: a) renúncia ao mandato, nos termos do artigo 116.o; b) morte; c) destituição; d) incapacidade física ou mental permanente; e) abandono de funções. (...).

 

 Artigo 131.o. 1. O Vice-Presidente é um órgão auxiliar do Presidente da República no exercício da função executiva. (...) 3. O Vice-Presidente substitui o Presidente da República nas suas ausências no exterior do País, quando impossibilitado de exercer as suas funções, e nas situações de impedimento temporário, cabendo- lhe neste caso assumir a gestão corrente da função executiva. (...)

 

 Artigo 132.o. 1. Em caso de vacatura do cargo de Presidente da República eleito, as funções são assumidas pelo Vice-Presidente, o qual cumpre o mandato até ao fim, com a plenitude dos poderes. 2. Verificando-se a situação prevista no número anterior ou a vacatura [leia-se impedimento definitivo] do cargo de Vice-Presidente, o Presidente da República designa uma entidade eleita para o Parlamento pela lista do partido político ou coligação de partidos políticos mais votado, para exercer as funções de Vice-Presidente, ouvido o partido político ou a coligação de partidos políticos que apresentou a candidatura do Presidente da República, (...). 3. Em caso de impedimento definitivo [leia-se vacatura] simultâneo do Presidente da República e do Vice-Presidente, o Presidente da Assembleia Nacional assume as funções de Presidente da República até à realização de novas eleições gerais, que devem ter lugar no prazo de 120 dias contados a partir da verificação do impedimento. 4. Em caso de impedimento definitivo do Presidente da República eleito, antes da tomada de posse, é substituído pelo Vice-Presidente eleito, devendo um Vice-Presidente substituto ser designado nos termos do n.o 2 do presente artigo. 5.Em caso de impedimento definitivo simultâneo do Presidente da República e do Vice- Presidente eleitos, antes da tomada de posse, compete ao partido político ou coligação de partidos políticos por cuja lista foram eleitos o Presidente e o Vice-Presidente impedidos designar os seus substitutos, de entre membros eleitos, pela mesma lista, para tomada de posse. (...).

2. VACÂNCIA E IMPEDIMENTO DO CARGO PRESIDENCIAL

Ao analisar estes dispositivos constitucionais sobre as situações em que pode ocorrer substituição ou sucessão do cargo de Presidente da República de Angola, impõe-se distinguir dois conceitos fundamentais: Vacância e Impedimento.

 

«(...) Em significação jurídica, vacância é simplesmente a vaga, ou o estado de vago. Assim, a vacância do cargo denota a falta de titular para ocupá-la: é cargo vago, ou cargo sem o seu ocupante. É cargo vazio». (IN: SILVA, De Plácido, Vocabulário Jurídico, 21.o Ed. Rio de Janeiro, Forense, 2007).

 

Note-se que a CRA de 2010 faz equivaler o conceito de “impedimento definitivo” ao conceito de Vacatura.


Ainda para De Plácido e Silva, por impedimento, « Na terminologia funcional e administrativa, entende-se no sentido de toda impossibilidade material ou jurídica, que vem afetar a autoridade pública ou o funcionário, impossibilitando-o do exercício de seu cargo ou de suas funções. É o afastamento ou a falta de exercício, por qualquer eventualidade (moléstia, licença, férias) ou por determinação legal (incompetência, suspensão, suspeição) do cargo ou função exercida.». (p. 705).

 

Do ponto de vista jurídico-constitucional, «o impedimento do Presidente da República se caracteriza pela ocorrência de circunstância ocasional, transitória, implicando simples afastamento temporário da Presidência. [Importa aqui precisar que a CRA refere-se a este impedimento como “impedimento temporário” diferente do “impedimento definitivo”]. Já a vacância do cargo, que leva à sucessão presidencial, significa circunstância permanente, definitiva, que desvincula o Presidente do seu cargo.» (IN: CARVALHO, Kildare Gonçalves, Direito Constitucional-Teoria do Estado e da Constituição, 16.o Ed. Del Rei Editora, BH, 2010, p. 1292). De igual modo, importa precisar que a CRA faz equivaler o “impedimento definitivo” à “vacatura”.

 

Deste modo, «Impedimentos [impedimentos temporários] são situações que temporariamente impossibilitam o Presidente de exercer o cargo (ex.: viagem ao exterior; tratamento de saúde). A vacância [impedimento definitivo] do cargo decorre de impossibilidade permanente de seu exercício (ex.: perda de mandato, falecimento, renúncia).». (CANOTILHO, J.J et all, Comentários à Constituição do Brasil, S.Paulo: Saraiva/Almedina, 2013,p.1191). Constituem ainda razões de impedimento temporário ou impossibilidade temporária, a licença por razões privadas ou férias.

 

Primeira conclusão: Tanto no caso de impedimento temporário ou de vacância do cargo (impedimento definitivo), quem assume constitucionalmente a função de substituir ou suceder o Presidente da República, é o Vice-Presidente (Artigos 131. n.o 3 e 132.o n.o 1). Pois, este último, tem a função de coadjuvar o Presidente da República no exercício da função executiva, de o substituir e de o suceder.

 

Assim, fica claro que, no caso de impedimento temporário, o Vice- Presidente assume a gestão corrente da função executiva apenas enquanto durar o impedimento. E, no caso de vacatura, ele assume a Presidência da República com a plenitude dos poderes presidenciais até ao final do seu mandato.

 

Portanto, o Vice-Presidente substitui o Presidente em caso de impedimento temporário ou, ainda, deve suceder-lhe no caso de impedimento definitivo (vacância).

 

Assim, em circunstâncias normais, o Presidente e o Vice-Presidente nunca podem ausentar-se simultaneamente do País.

 

Segunda Conclusão: No caso de existir impedimento definitivo (vacância) simultâneo do Presidente da República e do Vice- Presidente, assume a função de Presidente da República o Presidente da Assembleia Nacional até às novas eleições gerais que devem ter lugar 120 dias depois (...).

 

E, se, eventualmente, ocorrer, impedimento temporário simultâneo ou em conjunto do Presidente e do Vice-Presidente da República. Quid Juris?

 

A CRA de 2010 é omissa quanto à esta questão. Todavia, através de uma interpretação sistemática e teleológica das normas constitucionais citadas, em caso de impedimento temporário simultâneo ou conjunto do Presidente e do Vice-Presidente, o Presidente da Assembleia Nacional substitui ambos assumindo o cargo de Presidente da República interinamente.

3. O DESPACHO PRESIDENCIAL N.o 147/17 DE 26 DE JUNHO

No dia 26 de Junho de 2017, foi publicado o referido Despacho Presidencial com o seguinte teor: «Tendo em conta que o Vice- Presidente vai ausentar-se do país em visita privada temporariamente;

 

Considerando a necessidade de se dar continuidade o exercício das funções do Gabinete do Vice-Presidente da República (...) É designado Manuel Hélder Viera Dias Júnior, Ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente da República enquanto durar a ausência daquela entidade».

 

À luz do Estatuto Orgânico dos Serviços de Apoio ao Vice- Presidente da República (Decreto Presidencial n.o 23/10 de 23 de Março), no seu artigo 6.o, o Gabinete do Vice-Presidente é o órgão a quem compete prestar apoio directo e imediato ao Vice-Presidente da República e é dirigido por um Director de Gabinete que, entre outras competências dirige e coordena a execução das tarefas de assistência directa e pessoal do Vice-Presidente.

 

Terceira Conclusão: Se partirmos da hipótese de que o Presidente de República agiu imbuído do Princípio da Boa Fé para garantir o bom funcionamento administrativo do Gabinete do Vice-Presidente e que o Chefe da Casa de Segurança do Presidente da República não exerceria, na prática, as funções do Vice-Presidente, incluindo a de substituição do Presidente, então chegaremos à conclusão, de que deveria assumir as funções de Presidente da República interino, o Presidente da Assembleia Nacional, pelas razões já expostas.

 

De contrário, perante impedimento temporário do Presidente e do Vice-Presidente, e se o Presidente da Assembleia Nacional não assumisse temporariamente a Presidência da República, na prática, o País ficaria sem preenchimento da função Presidencial, o que seria indicador de graves problemas institucionais na direcção do Estado, configurando-se uma situação de inconstitucionalidade.

 

Quarta Conclusão: Por outro lado, se partirmos da hipótese de que o Presidente de República pretendeu que o Chefe da Casa de Segurança do Presidente da República exercesse, na prática, as funções do Vice-Presidente, estaríamos, mais uma vez, diante da prática de um acto inconstitucional da parte do Presidente da República.

Salvo melhor opinião, este é o meu ponto de vista, analisado de um único parâmetro: a Constituição da República.

4. O que estabelecia a Lei Constitucional de 1992

 Artigo 64.o da Lei Constitucional de 1992: « 1. Em caso de impedimento temporário ou de vagatura, o cargo de Presidente da República é exercido interinamente pelo Presidente da Assembleia Nacional ou, encontrando-se este impedido, pelo seu substituto. 2. O mandato de deputado do Presidente da Assembleia Nacional ou, do seu substituto fica automaticamente suspenso enquanto durar as funções interinas de Presidente da República».

5. O Direito Comparado

 A Constituição Federal do Brasil de 1988: « Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á, no caso de vaga, o Vice-Presidente. (...). Em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamado ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Supremo». [artigos 79.o e 80.o]

 

 A Constituição Portuguesa: «1. Durante o impedimento temporário do Presidente da República, bem como durante a vagatura do cargo até tomar posse o novo Presidente eleito, assumirá as funções o Presidente da Assembleia da República ou, no impedimento deste, o seu substituto. 2. Enquanto exercer interinamente as funções de Presidente da República, o mandato de Deputado do Presidente da Assembleia da República ou do seu substituto suspende-se automaticamente. 3. O Presidente da República, durante o impedimento temporário, mantém os direitos e regalias inerentes à sua função. (...)»

António Ventura