Benguela - Artigo de reflexão e contextualização da obra do Dr. Paulo Otero intitulada “A Democracia Totalitária – a influência do Totalitarismo na Democracia do Século XXI” na era pós-independência de Angola.

Fonte: Club-k.net

Só existirá  eleições livres e justas  o dia que o regime  deixar de governar Angola

Paulo Otero define o Totalitarismo como “regimes de essência fascistas e comunistas que baseiam a sua existência no partido único cuja atitude apresenta um comportamento antiparlamentar” (p.9), assim como contra o pluralismo. Os aliados do Totalitarismo são ideologias intransigentes, repressivas e exclusivistas como o nazismo, fascismo, comunismo e apartheid, e tem no seu centro a divinação idólatra da demagogia partidária, ou seja discursos e acções que simplesmente visam manipular as paixões e os sentimentos do povo para conquista fácil e fraudulenta do poder político.

 

As atitudes e práticas usadas pelo Totalitarismo ao longo dos 42 anos de vida como república, tem sido a repressão e a eliminação sistemática do pluralismo político, económico, social e intelectual. O regime fomentou a afirmação da irracionalidade absurda de intolerância ideológica, a defesa e promoção de interesses de indivíduos, famílias e grupos que violenta e gananciosamente se apropriaram do poder político e estabeleceram o monopólio económico capitalista no país. Este fenómeno tem a sua proveniência e sustentação na ideologia de partido único que unilateralmente e pelo uso da força das armas, mentira e manipulação dos factos implantou no país. A ideologia intolerante se assumiu como a única “verdade oficial do Estado” (p10).

 

Como partido único de crença e alma Totalitária e Intolerante o regime conquistou o poder, primeiro pela força das armas e segundo através da fraude e batota eleitoral e com resultados manipulados. Não existem regimes Totalitários que organizam eleições livres, justas e transparentes, pois isto significa deixarem o poder e sem previsões para voltarem a ter o controlo sobre o mesmo. O regime Totalitário em Angola utilizou sempre a “razão da força”, ou seja o uso descontrolado da violência para se estabelecer e perpetuar o poder político, a crença que os meios justificam o fim.

 

A minoria oligarca, violenta e corrupta, em conluio com os comandantes militares, os serviços de inteligência e policiais servis que se servem das suas posições estratégicas para manipular e eliminar todos os que pensam, falam e agem de modo diferente têm gerido o país de modo a satisfazer os seus interesses, a custa do povo que vive em condições miseráveis.

 

Uma das macabras estratégias utilizadas e que tem sido eficiente, é a das responsabilidades pela atual situação ao seu maior opositor - a UNITA-. Mas perguntamo-nos, afinal, quem são os ricos em Angola? Existe algum rico bilionário ou milionário da oposição? Afinal quem é que roubou e empobreceu o povo Angolano? Quem reprime e usa a violência contra o povo usando os militares e a polícia como seus cães de guarda pessoal?

 

O regime protagonizou durante os 42 anos um “malabarismo” ideológico apresentando-se como a ideologia oficial da nação e o centro de direcção da vida política nacional desesperadamente coagindo de todas as formas todos os cidadãos a aceitarem a sua doutrina como condição sine qua non para a sua existência política, económica, social e intelectual. Desta forma o partido único transformou-se no próprio estado, ou seja, “o partido é a alma do Estado, a sua razão e a sua vontade” (p.12), levando, igualmente, os seus militantes a assumirem irracionalmente como certo que sem o partido único não existe Estado. Para o regime Totalitário em Angola “o estado é tudo e tudo só tem existência no Estado” (p.18) que se traduz na figura do partido único.

 

Organizaram-se fuzilamentos públicos de milhares de Angolanos (por exemplo: o 27 de maio de 1977, campo do buraco no Lobito, Cacilhas no Huambo, a sexta-feira sangrenta em Janeiro 1993, Monte Sumi, Kassule e Kamulingi, Ganga, jovem Rufino, etc) como se de troféus de guerra se tratasse. Utilizou-se para o efeito o Estado como instrumento de terror e de violência contra os seus cidadãos. O governo representou e continua representar a alienação e aniquilação da dignidade humana através de uma deliberada e organizada máquina pública de redução de cada homem e mulher à categoria de mero objecto. O regime Totalitário é representado por um governo que incarna e respira uma ideologia por excelência desumana e contrária à dignidade da pessoa humana.

 

A sua apresentação como o único grande combatente e conquistador da luta contra o colonialismo Português, contra as tropas racistas Sul-Africanas, contra as forças fantoches do imperialismo, contra o imperialismo e capitalismo ocidental, contra a classe de intelectuais “reacionários”, contra a ignorância, analfabetismo e pobreza do povo Angolano, etc., etc. são sinais da sua natureza mentirosa, manipuladora e fraudulenta. Tudo isto assente numa teia de manipulações das mentes e emoções, com a imposição da cultura do medo e da bajulação como o único objectivo de proteger os interesses da minoria corrupta e violenta que exclui, discrimina e aniquila todos os restantes cidadãos que não perfilam nas suas fileiras.

 

Em Angola durante 42 anos, o regime não aceitou e nunca apoiou qualquer expressão e manifestação de pluralismo político-ideológico que esteja fora do seu controlo e que não sirva os seus interesses políticos. Em contrapartida, promove relações incestuosas de formação de partidos políticos, organizações e movimentos de massas satélites e de plataformas religiosas idólatras para o apoiarem. E tudo isto acontece enquanto discriminatoriamente nega reconhecer todas outras expressões de pluralidade política, social, económica, religiosa e intelectual que se afirmam independentes do regime. O regime promove e incentiva a prática da discriminação, exclusão e aniquilação de cidadãos Angolanos considerados diferentes da sua “casta.” A sua essência e o seu comportamento de regime manipulador, fraudulento e batoteiro simulou sempre uma concorrência política leal, honesta, igualitária, transparente e justa.

O controlo do monopólio da fraude e batota eleitoral é sintomático de quem não tem apoio do povo e precisa do mesmo para roubar e alterar os resultados a seu favor e assim sobreviver politicamente. Desde 1975 o regime assumiu uma postura, atitudes e comportamentos de destruição de toda a crença na tolerância, no pluralismo e na diversidade de valores e capacidades, e na possibilidade de alternância política do poder como normas e princípios de uma democracia verdadeiramente plural, inclusiva e participativa.

 

A essência das entidades e estruturas do regime de partido único, fomentou e alimentou até o dia de hoje o espírito demónico da intolerância e violência como o elemento estruturante da mentalidade do seu regime político e de governação, afirmando a crença de que a intolerância é o alimento da sua existência e sobrevivência. O regime Totalitário concebeu logo no início da sua criação a obrigatoriedade de toda a sociedade Angolana de ser amordaçada numa única ideologia como fonte da verdade. Assumiu-se como uma crença religiosa secular e extremista onde todos os restantes cidadãos não convertidos são identificados e considerados como infiéis e traidores possuindo a postura idêntica do exército islâmico.

 

Ao longo dos 42 anos os Angolanos foram violentamente forçados a verem uma “única” verdade através dos olhos do partido único, que usou a mentira e manipulação da verdade e dos factos. Nem mesmo no próprio seio do partido único é permitido qualquer manifestação do pluralismo de pensamentos e alternância regular de liderança a não ser que o chefe estivesse morto ou prestes a morrer. E não se deve confundir alternância de transição com sucessão de continuação. Não existe e nunca existirá qualquer mudança ou transformação, num processo de sucessão e continuação. Durante 42 anos foi sempre apresentado uma visão unicolor de que é o único santo e todos outros pecadores.

 

Impôs-se à sociedade Angolana e em particular aos seus militantes um único modelo de mentalidade e pensamento baseado na exigência de lealdade total, irrestrita, irracional, incondicional e inalterável ao líder, mesmo que este esteja a navegar contra a maré. Esta lealdade política total pressupõe uma fidelidade cega que exige do “militante” a completa negação da verdade, e aceitação da manipulação e o esvaziamento da moralidade política.

 

O regime adotou e acreditou na filosofia castrense de que “o fim justifica os meios”, a razão da força é melhor à força da razão. Como regime opressivo, violento e desumano o Totalitarismo forçou a sua “única verdade de partido único” como o substrato da ideologia unitária do Estado e fonte unificadora da nação sem o consentimento do povo Angolano. E baseou-se em três ideias principais:

 

1. Pregar e difundir a mensagem populista com a distorção dos factos e da verdade, insensivelmente manipulando os sentimentos, a pobreza, a ignorância e o analfabetismo das pessoas com o apelo constante às emoções da guerra, apontando os seus opositores como culpados e instigando os seus militantes ao ódio e comportamentos irracionais e violentos contra todos os outros cidadãos;

 

2. Definiu, identificou, e aniquilou todos aqueles que quiseram pensar e falar diferente. Rotulou-os de inimigos do povo e da Pátria associando-os preferencialmente como colaboradores da conspiração internacional imperialista e capitalista ocidental;

 

3. Apontou para uma pessoa como o protagonista ou ícone que representa os interesses do grupo oligárquico de repressores e corruptos que levianamente simula representar a vontade colectiva de todos os cidadãos, quando na verdade sómente representa os seus interesses pessoais, da família e do grupo que o rodeia e apoia.

 

Os 42 anos de imposição de regime Totalitário de partido único transformou Angola num Estado altamente militarizado, policial, e de serviços secretos. A liderança Totalitária sabe muito bem que a sua existência e sobrevivência está no controlo e dependência total de grandes e violentos instrumentos e efectivos policiais, militares e de serviços secretos. Se o regime tivesse a certeza do apoio popular, que mentirosamente diz ter, nunca estaria dependente de contingentes militares, policiais e de serviços secretos para sua existência e sobrevivência. Na verdade isto reflete e mostra esta falta de apoio popular. Quem tem apoio do povo não precisa deter o monopólio da violência, de promover o ódio e a intolerância, encomendar assassinatos e acreditar na batota e fraude.

 

As questões formais de organização jurídico-constitucional foram subalternizadas e distorcidas pela aprovação de leis e decretos que visaram sempre coartar e restringir os direitos e as liberdades fundamentais dos cidadãos e proteger os interesses da oligarquia política Totalitária. Está mais do que claro que para o regime Totalitário o mais importante é a organização do partido único do que a organização do Estado.

 

O regime duplicou e triplicou os órgãos do Estado no interior do partido único como estratégias de controlo. Forçou a criação de comités de especialidades, arregimentou associações e plataformas religiosas, infiltrou-se nas empresas nacionais e estrangeiras com comités de accão demonstrando a irracionalidade excessiva do controlo de uma sociedade democrática.

 

A desconfiança constante é uma das fórmulas de sobrevivência dos líderes e determinação da autoridade governativa. E esta sempre residiu em uma zona cinzenta, cheia de ambiguidades. Existiu sempre uma autoridade aparente ou ostensiva e outra real ou efectiva. Durante os 42 anos o governo foi sempre uma mera aparência que esconde e disfarça a excessiva e abusiva concentração de poderes no partido único e no seu chefe incontestável.

 

O Totalitarismo serve-se do Estado como capa e fachada externa para representar o país perante o mundo não Totalitário.” Em Angola não existe democracia plural, inclusiva e participativa, mas sim um regime Totalitário com capa de democracia. Um regime que é intolerante, violento, corrupto, capitalista, explorador, opressor, manipulador, mentiroso e incumpridor, fraudulento, exclusivista e discriminador, sem alma nem coração. Só existirá democracia plural, inclusiva e participativa com eleições livres, justas e transparente o dia que o regime Totalitário deixar de governar Angola.