Luanda - Tem Legitimidade o Tribunal Constitucional, estando alguns juízes em funções, com mandatos superiores aos fixados pela Constituição? - O caso da impugnação dos resultados das Eleições de 23 de Agosto
Fonte: Facebook
Directiva nº8/17 da CNE é “um expediente prático, que não passa a valer como Lei
1. Nota Prévia
Após a publicação do Acórdão Nº458/201, Processo nº589-A/201, Recurso de Contencioso Eleitoral, apresentado pela Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE), sobre a impugnação da divulgação dos resultados provisórios das Eleições Gerais do dia 23 de Agosto de 2017, pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE), levantaram-se, em vários círculos, algumas questões que reputo importantes e, sugeriram-me parecer. E porque cultivo o direito e a lei, aceitei o desafio.
E as questões que, no momento, não se querem calar são as seguintes: Tem legitimidade o Tribunal Constitucional de julgar, estando alguns juízes em funções, com mandatos fora do prazo estipulado pela Constituição? A decisão tomada pelo Tribunal Constitucional, está em conformidade com a lei e com o direito? Podia o Tribunal Constitucional apreciar a constitucionalidade da Directiva nº8/17, de 18 de Agosto e publicada em Diário da República nº142, I Série?
Sendo certo que a nossa abordagem é estritamente jurídica e, asseguradas as condições “logísticas”, vamos começar, a viagem no prazeroso mundo do Direito.
2. Tribunal Constitucional
2.1. Conceito
Entende-se por Tribunal Constitucional, o órgão judicial encarregue pela Constituição e pela Lei, de, em geral, administrar a justiça, em matéria jurídico-constitucional. Entende-se por matéria jurídico-constitucional, aquela que possui relevância constitucional, nomeadamente, reguladas directamente pela Constituição, tais como as referentes à organização e funcionamento dos órgão de soberania, direitos fundamentais, entre outras.
2.2. Competências
O Tribunal Constitucional tem, dentre outras, competências que decorrem da Constituição e da Lei. Nos termos do artigo 180º, nº2, alínea c) “Exercer jurisdição sobre outras questões de natureza jurídico-constitucional, eleitoral e político-partidária, nos termos da Constituição e da lei”;
2.3. Composição
O Tribunal Constitucional é composto por onze Juízes Conselheiros, designados entre juristas e magistrados, do seguinte modo: a) Quatro juízes indicados pelo Presidente da República incluindo o Presidente do Tribunal; b) Quatro juízes eleitos pela Assembleia Nacional, por maioria de dois terços dos Deputados em efectividade de funções, incluindo o Vice-Presidente do Tribunal; c) Dois juízes eleitos pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial; d) Um juiz seleccionado por concurso público curricular, nos termos da lei.
Esta solução constitucional, para designação dos juízes do Tribunal Constitucional, parece-nos equilibrada. Contudo, e porque o nosso sistema de governo é atípico, o Presidente da República para governar terá de ter sempre maioria. Desse modo, tanto os juízes indicados pelo Presidente da República e os eleitos pela Assembleia Nacional, serão indicado pelo mesmo Partido. No nosso entender, o que deve mudar é o sistema de governo e modo de eleição do Presidente da República e não o modo de designação dos juízes consagrado na Constituição.
2.4. Mandato
De acordo com o artigo 180º, n´4: “os juízes do Tribunal Constitucional são designados para um mandato de sete anos, não renovável e gozam das garantias de independência, inamovibilidade, imparcialidade e irresponsabilidade dos juízes dos restantes Tribunais.” Como se vê, a Constituição, diz, claramente, que o mandato dos juízes são de sete anos não renováveis. E como é do domínio público, o Juíz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional, foi designado para este cargo há mais de sete anos; Quid iuris?
Há na classe jurídica angolana três correntes de opinião relativamente a esta questão:
a) A Primeira - tese da violação da Constituição - há quem defenda que os juízes em funções há mais de sete anos deveriam cessar funções, por força do artigo. 180º, nº4 da Constituição. Isto é, a sua permanência no cargo, viola aquela disposição constitucional.
b) A Segunda - tese da conformidade constitucional - para os defensores desta tese, o prazo de contagem foi interrompida com a entrada em vigor da Constituição da República de Angola em 2010. Nas suas Disposição Finais e Transitórias, no artigo 243º dispõe que: “a designação dos juízes dos tribunais superiores, deve ser feita de modo a evitar a sua total renovação simultânea”. Assim sendo, todos os juízes designados simultaneamente em 2008, aquando da entrada em funcionamento do Tribunal Constitucional, não deveriam cessar os seus mandatos ao mesmo tempo.
c) A Terceira - intermédia - defende que a troca dos Juízes do Tribunal Constitucional, deva ser gradual para garantir a estabilidade do mesmo.
Posição Adoptada - para nós, a entrada em vigor da Constituição da República de Angola de 2010, interrompe o prazo de contagem do mandato dos juízes, pois como consagra o artigo 239º: “as leis ordinárias anteriores à entrada em vigor da Constituição, mantêm-se, desde que não sejam contrárias à Constituição. Se a Constituição consagrou um prazo de Mandato, então deve-se começar a contar a partir desse momento, ou seja, perfilhamos a segunda tese. Ao longo de quase dez anos de funcionamento e sete anos após a aprovação da Constituição da República de Angola, já é altura de todos os juízes que ainda estejam no Tribunal desde 2008, cessem este ano as suas funções!
3. O caso da Impugnação dos Resultados Provisórios das Eleições Gerais de 23 de Agosto
3.1. Razão de Ordem
Tendo sido esclarecido o mandato de alguns Juízes em funções no Tribunal Constitucional desde 2008, cumpre-nos agora analisar, o caso da impugnação dos resultados das Eleições de 23 de Agosto.
Vamos apenas analisar as questões processuais e a relevância de fiscalização ou não da constitucionalidade da Directiva nº8/17, de 18 de Agosto, da Comissão Nacional de Eleições. As questões de fundo trataremos noutra sede.
3.2. Acórdão nº438/2017 (Tribunal Constitucional)
A impugnação dos resultados provisórios das Eleições de 23 de Agosto, apresentada pela CASA-CE, foi julgada improcedente pelo Tribunal Constitucional, através o Acórdão nº438/2017.
Este Acórdão, merece a nossa análise. De forma sucinta, vamos debruçar-nos sobre os aspectos processuais, formais e constitucionais.
3.3. Questões Processuais
O Tribunal Constitucional, não só cumpriu a parte processual, como atendeu e “sanou” um pressuposto processual que não existia no momento da introdução do recurso do contencioso eleitoral. A CASA-CE, deveria esperar pela resposta da reclamação, feita à Comissão Nacional Eleitoral, conforme dispõe o artigo 163º da Lei orgânica das Eleições. As demais questões de forma, competência, objecto e tramitação processual foram cumpridas.
3.4 Directiva nº8/17, de 18 de Agosto, da Comissão Nacional Eleitoral
Relativamente a esta questão há duas correntes de opinião. Uma que defende a institucionalizado da referida Directiva e a outra, que defende a sua normalidade constitucional e legal. Para os que sustentam a inconstitucionalidade, a referida Directiva, revoga ou altera, a Lei Orgânica das Eleições Gerais. De acordo com o artigo 164º, alínea d) da Constituição, a Assembleia Nacional, tem competência exclusiva para legislar em matéria eleitoral.
Para os defensores da corrente da constitucionalidade ou normalidade legal, a Directiva nº8/17 de 18 de Agosto, é “um expediente prático, uma orientação, que não passa a valer como Lei, pelo facto de ser publicada no Diário da República”.
Perfilhamos da tese da constitucionalidade ou da normalidade legal da referida Directiva, mas achamos que o Tribunal Constitucional, deveria pronunciar-se sobre a sua conformidade constitucionalidade (ou não), em sede do Processo de Impugnação da Divulgação dos Resultados Provisórios das Eleições Gerais, realizadas a 23 de Agosto de 2017, processo 589-A/2017.
4. Conclusão
Aqui chegados, resta-nos repondes telegraficamente às questões levantadas no inicio: Tem Legitimidade o Tribunal Constitucional, estando alguns juízes deste em funções com mandatos superiores aos fixados pela Constituição?
A decisão tomada pelo Tribunal Constitucional, está em conformidade com a lei e com o direito?
Podia o Tribunal Constitucional apreciar a constitucionalidade da Directiva nº8/17, de 18 de Agosto e publicada em Diário da República nº142, I Série?
Respondendo : a primeira pergunta, os juízes que integram o Tribunal Constitucional desde 2008, continuam em funções, por força das Disposições combinadas dos artigos 239º e artigo 243º da Constituição. Ou seja, por um lado, a substituição dos Juízes em funções desde 2008, deve ser gradual (e tem sido feita) e, por outro, a entrada em vigor da Constituição interrompeu o prazo da contagem do mandato dos juízes (artigo 239º). Quanto à segunda e terceira pergunta: o Acórdão do Tribunal Constitucional referente à impugnação da divulgação dos Resultados Provisórios das Eleições de 23 de agosto de 2017, apresentada pela CASA-CE, em termos processuais está em conformidade com a Constituição, a Lei e o direito, mas relativamente à fiscalização da constitucionalidade, o Tribunal Constitucional não andou bem. Deveriam os juízes deste, fiscalizar a constitucionalidade da Directiva nº8/17, de 18 de Agosto.
5. Recomendações
5.1 Devem cessar este ano funções, após a tomada de posse do Presidente da República eleito, todos os juízes do Tribunal Constitucional que o integram desde 2008, por já ter decorrido os sete anos previstos na Constituição, para um mandato único e irrevogável (Artigo 180º, nº4).
5.2. Deve o Tribunal Constitucional, por força da Constituição e da Lei, fiscalizar a constitucionalidade de quaisquer normas ou directrizes, em sede de processos que lhe são submetidos para apreciação.
5.3. Deve-se alterar o sistema de Governo e o modo de eleição do Presidente de República para, dentre outras razões, tornar equilibrado o modo de designação dos juízes do Tribunal Constitucional, previstos na Constituição.
5.4. O Presidente da República eleito, depois da tomada de posse, deve indicar quatro novos juízes, incluíndo o Presidente do Tribunal.
Bibliografia
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. FEIJÓ, Carlos, Problemas Actuais do Direito Público Angolano - Contributos Para A Sua Compreensão, Principia, 2001
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. MIRANDA Jorge, Constituição Portuguesa Anotada, Universidade Católica, Editora Edição II -2017
. MIRANDA Jorge, Manual de Direito constitucional , Tomo IV, Coimbra editora, Edição 11-2015
. CANOTILHO, José Gomes, Direito Constitucional, 7ª Edição, 2017;
. Acórdão nº438/2017 (Tribunal Constitucional de Angola)