Luanda - A maneira das ciências sociais nos últimos tempos esclarecer os homens pela razão, transparência e lucidez, substitui as pregas e profecias religiosas. Para confirmar, os sábios, os escritores, os artistas, os sociólogos e jornalistas partilham do mesmo ideal e dão-se na missão de lutar contra as crenças políticas absurdas e as superstições sociais herdadas dos tempos passados e contra a cegueira e presunções dos cidadãos do presente.
 
No presente já se desatam as línguas e estas regam verdades para fertilizar a sociedade. É o caso de Antunes Wambo. Apesar de ser Pastor e activista do MPLA, diz não ser uma boca alugada, assume o que fala, porque o que fala é em função de uma consciência nacionalista, por isso, não tem medo de represálias. Quando escutamos isso, perguntamo-nos: (Porquê empregar as palavras medo e represálias, se dissemos que somos livres e democráticos; que o nosso partido é bom, quando afinal o que temos feito é simplesmente relatar o que aos olhos de toda a gente, sabe-se que está mal?)
 
O Reverendo Antunes Wambo é também presidente do Fórum Nacional da Juventude Religiosa de Angola que controla 83 igrejas registadas e acreditadas, e cerca de 400 outras que aguardam reconhecimento do ministério da justiça.
 
 
Além do mais, foi um dos activistas mais activos que não obstante habitar Luanda, cavalgou nas pradarias e estepes de Malange e Cabinda, sobretudo, onde_ preto no branco, deu “chó de bola” e mobilizou na calçada milhares de votos para o partido maioritário.
 
Se é verdade que o esforço não foi em vão, outra verdade diz que, pelo serviço prestado, deveria merecer recompensa. Mas quando a gente trabalha por amor a pátria e a seu povo, galardão não deve morar no nosso coração. Pelo menos é o que gostamos muito de propalar aos outros. Quando na realidade, estamos cientes de que a vida é material e todos nós, cada um de nós, mesmo por acção de graças, desenvolve esforços com dois objectivos principais enquanto seres vivos: “Ser importante e bem-estar social”. É por isso que somos humanos, é isso que nos distingue dos irracionais_ a posse de bens materiais, para promover e assegurar felicidade. O resto é conversa afiada, disse o Dervixe.
                                                                                                                                       
Contudo, o Reverendo que por acaso encontramos, diz não estar revoltado nem se sentir injustiçado apesar de: ter trabalhado muito, antes, durante e logo depois da campanha, mas ter recebido pouco, quando muitos, no mesmo período, embora sentados e de braços cruzados, saltaram para os altares da Assembleia Nacional como deputados e com direito a benesses de principado. E como não é o povo que elege o deputado, o trabalho do activista político nesse caso, passa a ser ingrato, sobretudo quando não se tem ninguém na cozinha ou alguém que vai com a sua cara. “As listas foram feitas, não cabíamos todos, temos que nos conformar”.
 
Quando a brincar o perguntamos se morava no céu ou na terra, respondeu-nos com um sorriso nos lábios: “Debaixo da terra!” Finalmente, a resposta era séria, provinha mesmo do fundo do seu coração. Porque, depois da nossa breve conversa e de nos termos separado, nos deslocamos para observar o albergue do Reverendo, ou melhor do activista do MPLA. Postos no local e a ser verdade, pelo que fez a favor da campanha do MPLA… alguém ao lado, disse: “É uma miséria.” Pouco antes de termos accionado o registador de som, o Reverendo ao mencionar o bairro Talahadi, disse-nos que estava satisfeito por morar no coração do povo. Esta não foi novidade, porquanto, todos nós gostamos de aplicar modéstia quando feridos nos sentimos e por mil veados não queremos demonstrar. O carro em que andamos parecia ser seu, era bonito, mas finalmente lhe foi emprestado. Mesmo assim, o Reverendo insistia: “ O MPLA é bom, as pessoas que o servem é que as vezes não prestam, passam muito ao lado das suas responsabilidades.” Na altura me tinha esquecido que, quem faz o partido são os homens. MPLA oco não existe. Se me tivesse lembrado, teria retorquido.
 
Nas vestes de político, pedimos seu parecer sobre as eleições presidenciais. Como um bom cidadão, disse: “Presidente da República deve ser eleito pelo povo. Retirar o privilégio do povo eleger directamente olhos nos olhos seu presidente, seria um pecado duplo”.
 
Lembrou ainda que: “Os deputados angolanos não têm o consentimento do povo, pois não foram eleitos directamente por este povo”. O povo não conhece a maior parte dos deputados que os representa na Assembleia. Logo, e para o Reverendo: “Um presidente eleito por um grupo restrito, é um presidente parlamentarista, um presidente menos querido, desejado pelos deputados, mas não amado pela maioria do povo, é um presidente imposto”. Para si, a voz do povo é a voz de Deus.. É verdade, o seu voto pode ser uma bênção, uma protecção divina. Do contrário, que credibilidade terá um presidente que for eleito num confessionário, onde padrinhos e compadres fazem a testa de fila e outros mais se acusam de aliciados?
Solicitado a comentar sobre os roubos do CNE que facultaram a vitória retumbante do MPLA nas legislativas, o Reverendo continuou militante de fibra grossa e chamou irresponsáveis àqueles que estão a testa do CNE e não acreditou que falcatruas tenham sido tecidas pelos motores do seu partido.
 
 
Continuando e sem contudo mencionar o nome do MPLA, fustigou durante todo o tempo as entidades do sector público. O MPLA está bem. Mas, logo a seguir, sem desdizer, adiantou: “Ainda não estamos a governar sobre um povo feliz. O povo está triste, doente, desamparado. Não devíamos trabalhar como mercenários, somente a espera do dinheiro no fim do mês, devíamos trabalhar como filhos de Angola”. “Se o povo elege, o governo tem o dever de fazer”. Repescando o seu pensamento, ao longo do qual fez-se uma análise exaustiva da situação actual da criança, Antunes Wambo recalcou: “A actuação do INAC nos 164 municípios do país, tem sido frouxa e abstracta. A criança africana, em particular a angolana, é a que menos direitos usufrui. A teoria que nos é dada a escutar todos os dias, não corresponde a prática que vemos e, “o que eu digo, nós sentimos no terreno”.. Como exemplo fez referência a acção do INAC provincial: “As crianças dos 9 municípios e 32 comunas de Luanda, não conhecem as acções sociais de impacto do INAC”. Vários foram os casos apontados, desde a insalubridade onde as crianças crescem e brincam nas lixeiras nauseabundas, com lixo fétido, aos casos da raiva que segundo dados vitimou cerca de 400 pessoas, maioria crianças.
Será que a injustiça é celestial? - Não. Mas porque razão estes homens, produtos do Céu, assim o fazem crer? A questão paira no ar.
 
Para o Reverendo, foram mortes exageradas, só isto basta para nos condenar. Para além da falta de sensibilidade, o Reverendo aponta às autoridades em exercício nos cargos públicos “falta de espírito patriótico nacionalista e amor ao próximo”. “Fala-se muito, faz-se quase nada”. Houve uma intervenção muito tímida, os actores sociais da sociedade civil (associações) foram ignorados pelo governo. Ora, estes podiam intervir atempadamente e ajudar muito mais na solução dos casos registados, assim como na sua prevenção ou de outros de outra natureza que poderão advir.
Tem havido muita dispersão no exercício de governação. N’outros países, estas mortes mereceriam ou luto nacional ou medidas mais acutilantes. Nem uma coisa, nem outra, muito menos uma palavra de comiseração às famílias enlutadas ou àquelas assoladas. Bem como, não mereceram alento as vítimas das cheias do Cunene. Mas, como se tratam de crianças africanas e tal como dissera o professor Alberto Neto, “têm um tratamento muito inferior ao de um animal ou melhor, ao de uma Vaca Leiteira da Europa”.

Como membro do Concelho de Concertação Social do Governo Provincial de Luanda, num dos encontros que tiveram com a Governadora de Luanda, o Reverendo disse que foram peremptórios em alertar a urgência do governo redefinir e redireccionar as políticas junto das operadoras de limpeza. “As acções que têm sido desenvolvidas não têm impacto positivo junto dos municípios. As ditas empresas estão inactivas, estão no faz de contas”.
Ainda sobre o mês da criança, condenou igualmente os procedimentos escolhidos para o julgamento do caso das crianças feiticeiras. Deviam fazer apelo as entidades civis, religiosas e tradicionais. São questões como estas que devem nos fazer sempre lembrar que ainda somos africanos e casos como esses merecem tratamento especial.

Sobre a forma como o governo está a correr com os pobres da cidade de Luanda, respondeu: “A concentração das populações no Zango, não pode ser obra de angolanos”. Estamos a transformar o Zango num autêntico Desterro. Para o Reverendo: “O que mais falta faz ao governo é o espírito de solidariedade e amor ao próximo”. Temos de aprender a sentir a dor do outro como se fosse nossa. “De certeza não é por esta Angola que aqueles que morreram lutaram”, disse o Reverendo. Não se trata de revolta, trata-se sim de um apelo à consciência nacional.
 
 
Antunes Wambo também reconhece e repudia descriminação por parte do Estado que privilegia mais as igrejas Católica e Metodista Unida. Outras igrejas não têm sido ajudadas. Citou a dança em que foi submetido para conseguir um terreno e apoios para construção de um edifício para sua igreja, quando a igreja Católica por exemplo, recebeu uma garantia de construção de uma basílica (Nossa Senhora da Muxima). O governo não pode se esquecer que controla 83 igrejas reconhecidas, que deveriam merecer tratamento igual.

Sobre consequências possíveis, o Reverendo disse: “Quando padres e pastores estão do lado do povo, não significa que estão contra a corrente do MPLA. Estar do lado do povo é morrer em defesa dos seus ideais e não com dinheiro no bolso. É ser realista, nacionalista, é ser angolano no estrito sentido da palavra”.
 
O Jardim milionário em Benguela e outros casos de desvios de fundos e má gestão da coisa pública, serviram de exemplo a forma pouco responsável e abonatória como o governo conduz os destinos dos angolanos. Sobre os 5 milhões de USD distribuídos aos municípios, considera dinheiro deitado no lixo, como é também brincadeira o caso das notícias que foram postas a circular sobre empresas que tinham contratos chorudos e que desapareceram com muitos milhões de dólares do Estado. “É inadmissível, quando todos nós, o governo em primeiro lugar, sabe bem que por detrás de cada uma destas empresas tem um chefe angolano. Estes não podem desaparecer”.

É por causa destes e outros factos que um cidadão deixou no ar a seguinte questão: “Quando é que Deus intervém para fazer justiça em nome dos pobres e dos oprimidos”?

*Félix Miranda
Fonte: F8