Luanda - O presidente do grupo parlamentar da CASA-CE, André Mendes de Carvalho “Miau”, em entrevista ao Jornal de Angola, adianta que nesta legislatura a acção da coligação vai estar centrada na produção de leis que ajudem a resolver os problemas dos cidadãos. O deputado afirma que a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) está refém das eleições passadas e defende a revisão da Lei de Organização e Funcionamento da CNE para que ela seja “isenta, equilibrada e exerça o seu papel de maneira mais adequada, dando tratamento igual a todas as forças políticas que quiserem concorrer às futuras eleições”

Fonte: JA
Entre as prioridades nesta legislatura está a aprovação do pacote legislativo das autarquias locais, do Código Penal, do Código da Família, do Código de Processo Penal e da Lei Orgânica da Assembleia Nacional. Na sua opinião, que outros diplomas devem ser priorizados no Parlamento?
Bom, há um pacote que já anda pendurado há mais de uma década  na Assembleia Nacional, que está relacionado com a defesa  nacional. Lembro-me que na altura ainda estava  no Ministério da  Defesa, por isso sei que é um pacote que foi produzido há bastante tempo. Na segunda legislatura, este pacote esteve na Assembleia, mas  quando começou a terceira legislatura foi retirado e ao longo de cinco anos não voltou. Há toda uma carência de legislação no que toca à Defesa Nacional que é preciso superar. Precisamos dar uma solução a este problema para que a Defesa Nacional possa funcionar de forma adequada. Outra prioridade devia ser dada à revisão da Lei Geral do Trabalho. Durante a terceira legislatura, aprovou-se a Lei Geral do Trabalho, mas é uma lei que tem muitas injustiças e está para defender os patrões em detrimento dos trabalhadores.

O que defende que seja revisto na Lei Geral do Trabalho?
Rever a Lei Geral do Trabalho é algo fundamental que não pode deixar de ser feito, porque essa questão dos trabalhadores toca com a vida de toda a sociedade. A Lei Geral do Trabalho tem que ser uma lei mais justa, que, sobretudo, defenda os trabalhadores mais fracos, e não é aquilo que estamos a assistir. Há também o problema do Código Penal e do Código do Processo Penal. Uma comissão trabalhou nesta situação, mas acho que o debate à volta destas matérias não foi aquilo que se pretende, porque há algumas concessões que, no nosso entender, carecem de uma atenção mais cuidada.

O que acha que deve ser melhorado nesta lei?
Na questão do indivíduo que cumpriu pena e, depois em liberdade, não poder entrar mais na Função Pública. Alguém que cometeu um crime tem, naturalmente, de ser punido, mas quando sai da prisão tem de ter oportunidades de refazer a sua vida. Não se lhe pode fechar as portas. Não está certo. Pode-se é manter de facto o registo criminal dele, porque é bom sempre saber que esse indivíduo já cometeu um crime. Essa referência é justa, mas tem de ter oportunidades. Se mesmo para entrar no reino dos céus um indivíduo entra, desde que se arrependa, como é que a um indivíduo que já cumpriu a sua pena vão dizer que não pode entrar na Função Pública? Há outras questões na Lei Geral do Trabalho que não me parecem bem. Por isso, o debate sobre essa lei devia continuar a ser aprofundado.

Acha que na Assembleia Nacional, independentemente das formações políticas, existe um espírito de abertura para o diálogo e concertação para aprovação de diplomas?
Discutimos, e discutir não quer dizer necessariamente concertar. Quer dizer que há discussão, mas o MPLA é quem detém a maioria e, regra geral, impõe a sua vontade. Não está aberto a ideias mais progressistas, realizadoras e mais adequadas para o avanço da sociedade. Tanto é assim, por exemplo, que há o problema da transmissão em directo dos debates parlamentares. Passaram cinco anos, mas eles teimam e não conseguem compreender que há toda a necessidade de haver transmissão em directo dos debates, para que o próprio povo acompanhe os debates. Isso é intolerância, porque todas as condições estão lá criadas para que a Assembleia Nacional tenha uma televisão e uma rádio próprias. Tudo está criado formalmente. Na legislatura passada, quanto menos tempo eles dessem à oposição para eles melhor, era uma satisfação, por isso é que digo concertação de ideias, no verdadeiro sentido da palavra, não houve. Trocámos ideias, mas aquilo que se decide, por regra geral, é sempre a posição do MPLA. Por isso mesmo, o novo Presidente da República, pelo menos no seu discurso, está a dizer que tem de haver uma parceria mais adequada.

Na sua opinião, o Parlamento devia ter um canal aberto para a transmissão dos debates em directo ou devem ser transmitidos pela televisão pública?
Para mim, tanto faz, pode ser através da televisão pública. Mas se for através da televisão pública, haverá sempre alguma limitação. Mas também não queremos que a televisão pública transmita desde manhã até à noite só o Parlamento. Mas, as reuniões plenárias são uma vez por mês, às vezes duas ou três vezes por mês, portanto, então que se agarrem seis horas num dia para a transmissão dos debates na televisão pública. Mas, se podermos evoluir para uma televisão da Assembleia Nacional, melhor. Compraram-se equipamentos, formaram-se quadros, então porquê não dar utilidade a esta questão?

Nesta legislatura, temos um Parlamento marcado por um maior equilíbrio das forças políticas. Acha que essa composição vai proporcionar reforçar o debate de temas mais candentes da vida do país?
Naturalmente, por ter maior número de deputados implica também crescer o tempo de intervenção dos diversos grupos parlamentares. Os deputados têm mais tempo, havendo mais tempo, têm mais discursos, por um lado. Por outro lado, tendo crescido não só em número os deputados em cada uma das bancadas, mas também em qualidade, naturalmente, isso vai trazer outras valias no debate que se vai travar a nível da Assembleia Nacional.  Portanto, acreditamos que tudo isso vai contribuir para que o debate saia mais enriquecido nesta legislatura.

Quais são as prioridades da CASA-CE nesta legislatura?
As prioridades da CASA-CE nesta legislatura são várias, mas não fogem àquilo que é a vocação do Parlamento, ou seja, produzir leis. O Parlamento existe também para controlar e fiscalizar politicamente as acções do Executivo, no sentido de garantir que o património e os meios financeiros do país e do povo sejam usados de maneira criteriosa, por forma a satisfazer o bem comum. Podemos também dizer que temos como missão representar o povo perante as demais instituições, mormente aqueles órgãos de soberania, fazendo vincar aquilo que são as ideias da grande massa e salvaguardar os interesses deste povo. Vamos produzir leis  que vão ao encontro dos problemas da população.

Que contribuição pensa a CASA-CE fazer para ajudar o Executivo a resolver os problemas das populações?
Controlando as acções do Executivo e acompanhar as acções do poder judicial. Vamos fazer com que o povo possa ver satisfeitos os seus interesses e anseios. No que toca ao problema da produção de leis, é uma prioridade da CASA-CE o pacote legislativo eleitoral. Já havíamos, no mandato passado, trabalhado em algumas leis que são fundamentais, como a Lei Orgânica Sobre as Eleições Gerais, a Lei sobre a Organização e Funcionamento da Comissão Nacional Eleitoral, a Lei sobre   o Financiamento das Campanhas Eleitorais. Vamos rever este pacote todo e estamos já a trabalhar neste em parceria com os outros partidos da oposição com assento parlamentar. Tão breve quanto possível daremos entrada desta matéria na Assembleia Nacional.

O que mais preocupa a coligação?
Estamos também preocupados com a questão das autarquias. Queremos que hajam eleições autárquicas o mais cedo possível. Há praticamente quase que um vazio em termos de legislação e será também uma prioridade para o nosso lado legislar sobre essas matérias.

O que gostava de ver alterado na Lei sobre o Funcionamento da Comissão Nacional Eleitoral?

Muitas coisas, mas fundamentalmente a composição da Comissão Nacional Eleitoral. O MPLA, por tem um maior número de deputados na Assembleia Nacional, indica também um maior número de comissários, mas a CNE não pode ficar refém de eleições passadas, tem que ser um órgão isento, equilibrado, que possa exercer o seu papel de maneira adequada, dando tratamento igual a todas as forças políticas que quiserem concorrer nas eleições futuras.

Na sua opinião, o que deve ser feito?
Temos de encontrar uma outra forma de organização, ou seja, todos os partidos com assento parlamentar deviam ter uma representação igual. Se o MPLA tem três comissários, todos os demais devem ter igual número. Não pode ser de maneira proporcional como eles querem, um com nove membros e os outros com representação inferior. Assim, as próximas eleições não são realizadas de maneira igual, porque os que têm  mais comissários acabam por ditar as regras. São os comissários que vão preparar às eleições e partem em vantagem em relação aos demais partidos. Ou então, que não fôssemos pela via da representação, que encontrássemos figuras mais ou menos isentas para dirigir a Comissão Nacional Eleitoral (CNE). Isso tem de ser discutido e repensado, para vermos como podemos formatar a composição da CNE no futuro. Mas na revisão que já tínhamos feito, a conclusão a que tínhamos chegado era de que os partidos políticos com assento parlamentar deviam indicar por igual os comissários que iriam integrar esta comissão.


Considera, então, pertinente que se altere a lei?
Isso aí não está muito claro, porque a forma como esta  lei está cria alguma confusão. São situações que vamos ter que resolver. Por isso, estou a dizer que temos de atacar essa legislação. É uma grande preocupação resolver as matérias relacionadas com as autarquias.

"A Assembleia Nacional ainda não encontrou o seu lugar”

Que balanço faz da legislatura  passada?
Honestamente, foi sofrível. Estou a dizer sofrível porque foi insuficiente. Não foi bom. Digo também que foi razoável porque a Assembleia Nacional ainda não encontrou o seu lugar como órgão e como uma instituição de soberania. Ia um bocadinho à reboque do próprio Executivo, mormente, atrás da figura do ex-Presidente da República. A Assembleia não sabia se situar no seu devido lugar. Só para dizer que nós é que aprovámos o Orçamento Geral do Estado, mas não conseguimos fazer vincar a necessidade de dinheiro para questões muito importantes.


Mas é um órgão de soberania formalmente separado do Executivo.
Ficámos subalternizados e a questão desta subalternidade levou a que o Tribunal Constitucional inviabilizasse o anterior Regimento da Assembleia Nacional, evitando que a Assembleia Nacional pudesse fazer interpelação aos ministros. Quer dizer que toda aquela riqueza que o Regimento Interno tinha, que permitia um controlo e uma fiscalização da política do Executivo, acabou por ser anulado, porque o próprio grupo parlamentar do MPLA recorreu ao Tribunal Constitucional, dizendo que aquilo estava mal. Criaram uma espécie de fiscalização que, à luz das experiências de outros países do mundo, é uma aberração. Os deputados não podem chamar um ministro para saber sobre determinado assunto.

"As prioridades da CASA-CE não fogem àquilo que é a vocação do Parlamento"

A coligação defende a reforma constitucional, quanto ao modelo (forma) de Estado, e  sistema de Governo no modelo de eleição do Presidente da República. 
Já na sua política externa, a proposta é transformar o Ministério das Relações Exteriores em Ministério dos Negócios Estrangeiros, para dar maior ênfase à diplomacia económica e à defesa dos interesses económicos de Angola.

Ao mesmo tempo, a coligação pretende respeitar as regras do Direito Internacional e os tratados internacionais de que Angola seja parte ou a eles tenha aderido e ratificado e privilegiar África como componente imprescindível e incontornável da afirmação de Angola no mundo, participando activamente e de forma inovadora na Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC), União Africana (UA) e nos Países de Lingua Oficial Portuguesa (PALOP).

Outra proposta vai no sentido de promover a integração de Angola no mercado regional da SADC, tendo como meta estimular a competitividade, criatividade, inovação, livre circulação de bens, serviços, capital e trabalho, tornando Angola mais atraente para investidores nacionais e internacionais.

A CASA-CE quer melhorar a inserção de Angola no mercado global, entabulando uma nova filosofia de cooperação com os países da Commonwealth e francofonia.
A coligação  tem igualmente ideias para a área económica. Neste contexto, a coligação defende mais trabalho, para a médio prazo colocar Angola no top 5 da tabela dos países mais competitivos de África e, a longo prazo, torná-la uma das economias mais competitivas do mundo, além privilegiar políticas que estimulem a recuperação do rendimento das famílias. Um novo modelo de governação deve assentar no crescimento económico (uma média de 5 a 10 por cento no quinquénio) e no desenvolvimento sustentado, consubstanciados no aproveitamento racional dos recursos naturais, na diversificação da economia, na melhoria do ambiente de negócios e na redução dos custos de produção.

A coligação defende ainda a promoção do investimento privado e criação do emprego e atracção de Investimento Directo Estrangeiro e inovação tecnológica, além da redução dos níveis de dívida pública. Outra aposta da coligação, inscrita no seu programa,  vai no sentido de mobilizar receitas fiscais adicionais na generalidade da actividade económica e sobre as grandes fortunas, além de dar corpo às relações económicas internacionais, promovendo a diplomacia económica por via das embaixadas angolanas.

Perfil
André Gaspar Mendes de Carvalho é um dos vice-presidentes da Convergência Ampla para Salvação de Angola - Coligação  Eleitoral (CASA-CE) e, na Assembleia Nacional, é o líder da bancada parlamentar da CASA-CE para os assuntos parlamentares . Na Casa das Leis, onde cumpre o segundo mandato como deputado, faz parte da segunda comissão especializada, que trata dos assuntos de Defesa e Segurança Nacional.