Luanda - Enquanto investigador, Simão Souindoula  foi autor de importantes artigos e comunicações científicas sobre antropologia e linguística angolana, assim como várias abordagens relacionadas com expressões artísticas, musicologia, literatura, diáspora cultural africana e estudos pertinentes sobre a origem angolana do tango argentino.
                Angola perdeu um proeminente investigador
Fonte: JA
Da antropologia aos estudos literários,  o foco de investigação de Simão Souindoula  estendeu-se à generalidade dos assuntos culturais angolanos e africanos, incluindo contributos à compreensão  histórica da Música Popular Angolana, com um estudo biográfico sobre o cantor e compositor, Manuel de Oliveira, eminente guitarrista do grupo São Salvador, fundado em 1949.

Ficaram conhecidos os seus textos sobre “Kimpa Vita, uma tragédia inacabada”, publicado no Jornal de Angola do dia 6 de Abril de 2011, “Sítios e instituições de memória do mundo negro”, comunicação apresentada em conferência temática na África do Sul, e  “Norte-americana reedita, em Paris, romance sobre a Rainha Njinga,” apresentado na União dos Escritores Angolanos, em  Maio de 2011, sobre o livro “Njinga, Reine d’Angola”, de 1687, obra que contém manuscritos do padre italiano, Cavazzi de Montecuccolo, e prefácio dos historiadores norte-americanos Linda Heywood e John K. Thornton, uma versão mais pormenorizada dos relatos da “Istorica Descrizione de treregni Congo, Matamba e Angola”,  do referido padre, editados em 1568.

Num artigo publicado no site do Instituto Latino Americano de Tradições Afro- Bantu, Simão Souindoula escreveu o seguinte, “Angola, terra de um considerável potencial económico, ensaiou um decénio relativamente pacífico e tem um caminho bem traçado para tornar-se num dragão africano e peça essencial do Renascimento do continente. Mas deve explorar, ao máximo, os inestimáveis valores cristalizados nas suas diferentes componentes etno-linguísticas bantu, maioritárias no território, à volta de conceitos de paz e reconciliação nacional”.

Filho de Jorge Kiala e de Lenda Maria, Simão Souindoula nasceu no dia 11 de Maio de 1956 em Maquela do Zombo, Província de Uíge, e morreu, curiosamente, no dia 8 de Janeiro de 2018, dia da Cultura Nacional. Depois de concluídos os estudos primários e secundários efectuados em Brazzaville, Simão Souindoula  obteve o Bacharelato  em literatura, na Universidade de Brazzaville, em 1975. Em 1979 efectuou  uma licenciatura em letras, opção história, pela Universidade MarienNgouabi, igualmente em Brazzaville. Frequentou ainda, em 1981, a Academia de Ciências da URSS, onde obteve os certificados de estágios em etnografia e arqueologia, e o certificado de investigação e publicação, do Instituto de África da Academia de Ciências da Rússia, em 1997. Em 2008, foi a vez de obter o  Certificado da “InternationalInstituteGraduateSchool, LeadershipProgram”, do Departamento de  Estado, dos Estados Unidos  da América. 

Funções

Simão Souindoula foi  Chefe de Departamento da Biblioteca do Centro Nacional de Documentação e Investigação Histórica, de 1979 a 1980, assistente no Laboratório e Museu Nacional de Antropologia, de 1980 a 1984, professor de Antropologia da  Rádio Escola, de 1982 a 1984, e de história de Angola do ISCED, Instituto Superior de Ciências da Educação, do Lubango, Província da Huila, de 1983 a 1984. Na sequência,  foi Director do Museu Nacional da Escravatura, e Coordenador do Comité Nacional angolano do Projecto da UNESCO, “A rota dos escravos”.

Mundo

Fora de Angola, Simão Souindoula foi consultor do Centro Internacional de Civilização Bantu, de 1984 a 2006, em Libreville, no Gabão, e Director das suas Produções Culturais onde coordenou durante vinte e dois  anos, vários  programas de publicações e comunicações científicas, assim como projectos de  promoção artística.

Investigador e colaborador da Universidade Omar Bongo, em Libreville, Simão Souindoula foi ainda Vice-presidente do Comité Científico Internacional do Projecto da UNESCO “A Rota dos Escravos”, Professor das Universidades de São   Paulo, Bahia e Florianópolis, no Brasil, e Membro do Comité Cientifico do Terceiro Festival Mundial das Artes Negras. 

Membro do Comité  de Direcção do Festival Pan-africano de Música, em Brazzaville, e do Centro de Estudos Linguísticos e Históricos da Tradição Oral, em Niamey, Níger, Simão Souindoula foi também consultor da União Africana e União Europeia. Presidente do Júri dos Prémios Ensartee Festival da Canção de Luanda e foi distinguido pela Federação brasileira das Comunidades Negras, em São Paulo,  e do FESPAM, em Brazzaville. Foi ainda presidente internacional e representante do ILABANTU, Instituto Latino Americano de Tradições Afro- Bantu, em Luanda.
 
Tango    

Simão Souindoula rebateu a tese da origem angolana do Tango, no texto “Rota sul-americana da escravatura,  renascimento angolano do tango” baseado no livro do uruguaio, Vicente Rossi “Cosas de negros”, de 1926, editado depois com o título  “ Los origines del tango y outros aportes al folklore rio platense” , de 2009. “Nota-se no fim do livro, vigorosas notas complementares, nas quais o autor, com uma surpreendente clarividência científica, quebra numerosos preconceitos sobre a “negrada“ e fornece interessantes informações sobre, entre outras comunidades presentes nos bairros “del Sur de Montevideo”, os “curimba”, escreve o investigador.

Rossi analisa ainda  “a recursiva locução interjectiva bantu, bem incrustada nos “candombes”, “oye, ye, yumba! …calu, gan guê!”.  Apreende-se, ai, que os primeiros escravos desembarcados, em 1693, em Buenos Aires, originários do “grupo bantu, los congos y angolas “ foram levados pelos traficantes portugueses, que haviam esvaziado o Reino dos Njinga, e organizado os grandes centros de exportação de peças das índias, a partir de São Paulo de Loanda, em 1575, e  de São Felipe de Benguela, em 1617. 

Ainda segundo Rossi, outras confrarias da “ negrada rio platense “ contribuíram para o enraizamento e enriquecimento do tango, em Montevideo, através da  presença dos “Banguela”, “Lubolos”, “Lugolas” ou “Lubolas”, “Humbueros”, “Cambundas”, “Hombes”, e “Bambas”.  Importa referenciar o livro “A comparativestudyofthe Bantu andsemi-Bantu Languages “ de Sir Henry H. Johnston, publicado em 1917, citado por Vicente Rossi, que confirma, de forma insistente,  que  “tango esunvocable africano”.

Depoimento do documentarista e jornalista Francisco Pedro

O documentarista  e jornalista cultural, Francisco Pedro “Keth”, trabalhou com Simão Souindoula em diversos projectos, e fez o seguinte depoimento sobre o investigador: “A figura do historiador angolano Simão Souindoula está estritamente vinculada à defesa do património tangível e intangível dos povos Bantu. Importa realçar o seu rigor académico, longe de fanatismos ou quaisquer outros tipos de preconceitos.

Conheci-o quando comecei a dar os meus primeiros passos de jornalista, no final da década de noventa. Embora Simão Souindoula estivesse a residir em Libreville, no Gabão, enviava textos críticos sobre a promoção das artes plásticas africanas, em geral, e angolana em particular, quando dirigia o CICIBA, Centro Internacional de Civilizações Bantu. Sei que agrada ao historiador, divulgar as raízes e todo o acervo antropológico das comunidades africanas e afro-descendentes, facto que se denota na profundeza dos seus textos, repletos de confrontação com dados da cultura universal.  Neste momento de dor e tristeza, resta-me desejar paz à sua alma”.