Luanda - Caro JM, simples e despreocupado, deixo aqui este breve subsídio à análise do autoritarismo que continua a medrar entre nós.

Os gestores do site, se assim o entenderem, podem até coloca-lo como uma contribuição editada como mais uma peça deste site. Ou quiçá o JM pode fazer-me o favor de providenciar a sua publicação pelo Correio do Patriota. Ficarei muito agradecido e, certamente, ganhará o pluralismo que esse Jornal on line postula.

De facto a sociedade angolana é essencialmente autoritária. Autoritarismo com as origens apontadas pelo autor do texto e a que, considero, se deve acrescer o subsídio à continuidade do autoritarismo pela farsa "democrática" em vigor. O travesti duma ditadura só pode ser a sua continuidade e o autoritarismo é essencial a qualquer ditadura. Confirme-se lendo Hannah Arendt.

São bastantes as evidências demonstrativas do facto de o autoritarismo, o de quem detém e exerce o poder de Estado, não ter cessado com o fim do regime absolutista do MPLA em 1990. Ao contrário, o autoritarismo foi de modo continuado e muitas vezes de forma exacerbada, usado para salvaguarda da hegemonia do MPLA sobre o Estado e, internamente, também, contra os correligionários subalternos, para salvaguarda da posse do poder por quem conduz esse partido e disso tem os rendimentos, de todos os tipos, que todos estamos fartos de saber.

Hegemonia que, apesar dos disfarces políticos ornamentais do travesti da ditadura que tem sido o eduardismo na sua fase multipartidária, prevalece em medida suficiente funcionando como ferramenta de bloqueio ao crescimento de alternativas ao partido que se perpetua no poder desde que capturou o Estado em 1975. Ou será a nossa sociedade tão pobre que não consegue produzir nada que supere o MPLA-JES.

É que o autoritarismo e os abusos de autoridade a que vimos a ser, todos, sujeitados, obviamente que, directa ou indirectamente, uns mais do que outros, só vem contribuindo para o descrédito dos que nalgum nível, de alguma forma e em alguma medida exercem a autoridade de forma autoritária. Exercício que, como incidência, contribui também para a adopção por outros de posturas e medidas próprias de quem, sendo realista, tem que se prevenir ao falar e ao agir ou abster-se absolutamente disso tudo para não se tornar alvo do autoritarismo dos "donos do Estado, do país, da empresa, do jornal, da ONG, do pensamento, do bairro, da rua" e etc, que tem sido a nossa sina.

É o recurso a esse anonimato referido pelo articulista, enquanto efeito, uma das evidências do que acima refiro. Com as incidências que bem aponta e outras também que não aponta e não cabe desenvolver no âmbito desta "jindungada" com que só viso aprimorar este "caldete".

Mas como incidência também vimos registando gente que assina com o nome próprio por cima e por baixo mas nunca vai ao concreto. Não aponta quem mandou, quem executou, onde, como, visando que rendimentos. São aquilo que chamo “sobrevoadores”  da floresta que não ousam expor-se à patada do leão como no conto do Pepetela. Essa é também uma forma de fuga, a fuga aos efeitos da assinatura.

Visito comentaristas de outras latitudes em sites que tratam dos assuntos das suas sociedades e é recebo sempre uma lufada de ar limpo. As pessoas dão a cara sem o mínimo de receio e com responsabilidade que, também, também verifico que nem sempre é a marca das lides dessa gente mais livre do autoritarismo do que nós. Ninguém é perfeito, alguns é que têm mais ou menos defeitos do que outros. Não será? Algum dia a nossa terra também respirará um ar assim, espero que o mais brevemente possível.

O outro aspecto que, nos dias que correm, tem que se acrescentar ao discurso  sobre o autoritarismo ao tratarmos do caso angolano, para que não se fique por uma pura masturbação político-intelectual e ou só por uma leitura conveniente do assunto, por distorção e ou por omissão, já só porque é sempre o suporte de qualquer autoritarismo, é a impunidade. Impunidade que impera, especialmente quando a autoridade é exercida com autoritarismo, nalguns casos excessivo, para realização inclusive de rendimentos de forma absolutamente ilegal.

Não vou listar casos aqui, (posso fazer isso em fórum competente) mas foram feitos assaltos às pessoas por gestores administrativos e agentes da Polícia Nacional em desalojamentos forçados. Nalguns desses momentos, inclusive, pessoas foram feridas à bala por homens que dispararam contra elas armas do Estado. Nesses actos terra foi esbulhada porque não foi expropriada nos termos que a Lei Constitucional estabelece. Quem é que alguma vez já foi objecto da justiça por esses actos? Alguém pode negar que a impunidade dos mandantes e executantes desses actos gozam de total impunidade? Alguém que se tenha como pessoa séria e honrada pode negar a impunidade que campeia em Angola protegendo violadores dos direitos humanos, inclusive com a cumplicidade duma Comunidade Internacional omissa sobre essa matéria, a começar pelo grande parceiro europeu de Angola, Portugal? A impunidade sem se escorar num qualquer autoritarismo e, nos dias que correm, sem ter cúmplices internacionais seria sustentável?

Eventualmente, para além das calúnias, várias ofensas, agressões e detenções abusivas que defensores dos DH já sofreram nesses momentos, ainda vão ser essas pessoas que vão ser tratados pela "justiça" em consequência de denuncias dessas práticas a que se dediquem. Veremos? Estamos prontos...

Já nada espanta a gente que, como eu, tem a kilometragem do político angolano, pelo menos, desde 1974 e que sobre o fenómeno do autoritarismo, além das leituras filosóficas,  tem a  experiência concreta de objecto do laboratório da barbárie, feita do encontro do dorso com um barrote (e outros ferramentas de flagelação), pomposamente, baptizado de faz-falar pela gente do MPLA que serviu a DISA, plantando mais fundo o autoritarismo em Angola. As paredes da Cadeia de S. Paulo são as guardiãs do baque abafado do pau e do grito de tantas dores de tantas angolanas e angolanos, incluindo dos meus. Os que empunharam o pau, estão por aí, JM, sabe disso, aliás pela sua já histórica pertença ao MPLA deve conhece-los no minimo "de vista". Alguns continuam sendo pessoas muito importantes. Sabe disso não é? Proponho-lhe que lhes enderece uma das suas - "rigorosas" - prosas anti autoritárias

Portanto caro JM, além de todos os factores e incidências que apontou como raízes do autoritarismo que continua a medrar na nossa sociedade, apelo a todos os intelectualmente honestos, (também podem usar pseudónimo, nas circunstancias actuais é legitimo) para que acolham na analise dessa grave patologia político-social, (tendo-o como um efeito que já se tornou uma causa do autoritarismo que se aprofunda), a prevalência daquilo que reconheceu e defendeu o seu colega deputado João Pinto: o eduardismo.

Considero que não há como, em Angola, combater e vencer o autoritarismo sem que se extinga o eduardismo.  O autoritarismo é-lhe essencial. O seu primeiro efeito é a reprodução do autoritarismo do chefe por todos os chefes que lhe são subalternos. Não será? Estamos face à personificação do regime político vigente pelo militante número 1 do partido por quem o senhor é deputado. Suponho que já o contestou internamente por esse facto. Essa suposição decorre da  postura anti autoritária que expressa no artigo que assina por cima e por baixo. Será?


É que podemos chegar a um nível e momento do autoritarismo em que para ser extinto o eduardismo terá que se reduzir o MPLA a quase zero. Ora isso não é desejável, eu não quero isso também. Isso não é desejável tanto quanto não é desejável que o MPLA seja mais um homem forte do que uma instituição forte, ou que outro partido e homem forte revertam a medalha que é o político angolano hoje, reproduzindo na sua vez a supremacia e hegemonia que hoje o MPLA tem sobre o Estado e assim ficarmos eternamente numa ditadura "democrática" de maiorias esmagadoras da oposição, da democracia e da nação toda.


O autoritarismo não terá chão para medrar e a democracia só o será quando quem está no poder garantir liberdade aos outros que lhes permitam tornarem-se alternativas à sua governação, quando entrarmos num ciclo consolidado de alternância. Só nessas circunstancias que formar governo fará tudo para governar bem e garantir a posse do poder por mérito e não como efeito duma gestão tortuosa do estado e da política. Não acha?

Suponho também que ambos e todos, pacificamente, entendemos que estamos face a um sistema político personificado de estruturação e exercício do poder, à margem do que a L.C . instituí. Será esse o entendimento que tem?  Sistema  que tenho vindo a considerar em função de evidências que medram entre nós e que só são geradas por dominações autoritárias nos casos de sociedades colonizadas. Mas como não estamos sob uma dominação desse tipo por uma potência estrangeira, consequentemente, com rigor, percebo a apodo o sistema como um caso de endocolonialismo. Qualquer tipo de colonialismo é essencialmente um apartheid social de qualquer natureza. É sempre um desenvolvimento separado. Não o tem constatado? Perante um juri cientifico, ou jurado judicial, imparcial, que mo permita, eu posso provar que esse processo é o que, realmente, está a ser desenvolvido na nossa sociedade.

Esta é a leitura actual que faço e que, obviamente, pode mudar e vai ter que mudar algum dia. Uma leitura que pode evoluir, portanto, caso sejamos, e só quando formos, colocados perante evidências sociais, económicas e políticas demonstrativas de que, em Angola, não estaremos mais face a um endocolonialismo. Portanto, só quando ele tiver sido extinto.

Já agora, em consequência, aproveito para comunicar aqui, em primeira mão, que doravante os condomínios erigidos sobre terra esbulhada a gente desalojada à força, abandonada nos escombros das suas casas ou “realojada” também de modo forçado nos town ships do apartheid social angolano, os novos bairro para indígenas, (zangos, panguilas e etc,) passarão a ser designados por mim como colonatos. Colonato Nova Vida e por aí...

Há! Mais um acrescento que ainda falta à sua análise. Terá que incluir que como incidência do autoritarismo que campeia entre nós, (i) há os que se escondem no anonimato abrigados por um pseudónimo qualquer; (ii) há os que assinam por cima e por baixo mas preservando-se das incidências em si duma precisão rigorosa no tratamento à luz da lei dos casos e dos seus agentes e (iii) há, também, aqueles que apontam os casos concretos, o seus agentes e classificam o contexto nos termos exactos em que os percebem e que assinam por baixo e por cima disso tudo. Afinal temos de tudo um pouco, não será? Por favor, que ninguém nos ampute mais do que já estamos, nem que seja só sendo omisso.

Caro João Melo, aceite as minhas sinceras saudações mais cordiais.

A esse autoritáritarismo até já. Muito em breve. Desculpe-me fazer-me convidado assim mas gostaria de continuar a jindungar este caldete frente a um caldete de verdade, de peixe galo (?). De bom grado trataria ao mesmo tempo dos dois caldetes quentes e picantes. Com uma ressalva só: desde que não seja no quintal duma vivenda de qualquer dos colonatos que são o paradigma de desenvolvimento urbano eduardista.

Luiz Araújo


PS- o único partido a que estive ligado, como membro do seu braço armado, foi o MPLA. Por muito pouco tempo e, a propósito, há muito, obviamente, que me retirei dele, exactamente logo após ter percebido que o autoritarismo lhe é essencial.

Fonte: Luiz Araújo