Luanda - Rafael Massanga Sakaita Savimbi é secretário-geral adjunto da UNITA, formação política que tem como líder fundador o seu pai, Jonas Malheiro Savimbi, morto há 16 anos no Lucusse, província do Moxico. É, neste momento, entre os herdeiros de Savimbi o que ocupa uma posição política mais alta nesta organização e o seu nome tem sido cogitado para os mais altos voos. Mas o jovem de 39 anos, não abre o jogo. Nem admite ser delfim de Isaías Samakuva, que deverá abandonar a liderança no próximo ano. 

*Daniel Costa
Fonte: O Pais


O seu maior sonho é ver Angola transformada num país melhor. Frontal, o deputado diz que está na política por opção e não por ser filho do antigo líder, cuja imagem, segundo ele, tem vindo a melhorar à medida que o tempo passa...

Curiosamente, esta entrevista acontece num dia em que o seu pai, Jonas Savimbi, somaria mais um ano de idade… se fosse vivo.

É uma boa coincidência.

Como é que os angolanos têm avaliado o legado dele?
Posso mesmo dizer que é com alguma satisfação. Sendo o tempo o mestre de tudo, este mesmo tempo está a ajudar a esclarecer várias situações que, seguramente, no passado não tinham sido bem compreendidas.

Quais são as situações a que se refere?
Falemos de imagem. Eu penso que a imagem de Jonas Savimbi é completamente diferente daquela que o angolano teve até 2002, seguramente. A própria situação que o país está a viver também facilita e as várias teses que foram defendidas por Jonas Savimbi afinal tinham razão de ser. Faço este balanço satisfatório porque, como dizia, hoje o tempo ajudou a mostrar que Savimbi não era aquilo que antes de 2002 muitos pensavam, como resultado também da própria comunicação, propaganda e da política. Eu sou também um dos que enquadra ou olha para isso com alguma normalidade. Estando um país como o nosso numa situação de após guerra, havendo dois projectos de sociedade completamente diferentes, sobretudo graças à divisão territorial.

Dezasseis anos depois, quais foram os últimos encontros ou memórias que guarda do seu pai?
Oh! São várias coisas, mas, a nível pessoal, devo dizer que tive o último contacto directo com o meu pai já por mensagem, porque tinha perdido uma chamada dele no princípio de Fevereiro. Eu estava no Ghana, mas, infelizmente, tinha ido à escola. Quando regressei o seu técnico tinha chamado, mas afinal era ele mesmo. Portanto, não consegui ter a última conversa que qualquer filho desejaria ter com o seu pai.

E o que guarda na memória?
Várias coisas, sobretudo a ideia da solidariedade. Jonas Savimbi foi um homem que fez de tudo para que não só os seus filhos tivessem uma educação sólida, a partir mesmo até das áreas controladas pela UNITA, mas sobretudo nos inculcando também valores humanos. Entre estes destaco o da solidariedade. Porque, normalmente, considerando a posição que ele ocupava, nós teríamos tido privilégios. Mas, não só ele fez questão de que nós tivéssemos espaço de conviver com outros jovens do nosso tempo, como também, sobretudo, que o tratamento não fosse diferenciado e que até nós fôssemos mais solidários para com aqueles que estivessem numa posição, se calhar, inferior. Vivíamos numa espécie de internato, eram várias pessoas e filhos de outros, mas o tratamento era igual. Até de nós era mais exigida esta necessidade de ser mais solidários para com os outros, porque não tinham a mesma posição social que nós ocupávamos.

Nasceu no Cuando Cubango?
Sim, nasci no Cuando-Cubango.

Durante a infância já foi chamado por Changue, RMS, Rafa e Kubati. Continua a ser tratado por estes apelidos pelos mais próximos?

(Risos). É difícil dizer. Um pouco mais jovem era, de facto, Changue para os amigos. Vou contar pela primeira vez um pouco a estória do Changue: o meu pai tinha um primo chamado Chamunga, que tinha muita força. Penso que foi em 1984, o pai vinha visitar-nos, porque nós vivíamos aí na Jamba, numa área chamada Gare. Vinha visitar- nos com alguma frequência porque também vivíamos com a avó Mbundu, a mãe dele. Numa das visitas, o pai passou e eu, apesar de miúdo, tinha muita força era muito forte fisicamente. Uma das vezes ele decide: se tens muita força, levante-me. Na minha tenra idade, consegui levantá-lo, quase que caíamos e os guardas tiveram que nos segurar. Então, ele disse: ‘você tem muita força como o Chamunga’. Então, o nome ficou Changue, entre nós. E depois Kubati: quem me deu este nome foi o meu amigo, filho do general Puna, o Samba Puna, que felizmente está cá. Éramos parceiros e até colegas de classe. Havia músicas da revolução que retratavam aquelas histórias. Sabe que a área do Kubati, na província do Cunene, por altura do recuo de 1975, 1976 e 1977, a certa altura a direcção da UNITA foi parar àquelas áreas. Houve uma grande ofensiva no Chimporo, o que fez com que aquela gente fosse parar na área do Kubati, que dizem ser uma grande anhara, onde houve grandes combates e a UNITA tinha perdido muita gente. Houve uma música que era tocada aí na Jamba e fazia referência a esta área do Kubati. Gostei e disse: fico a ser o Kubati para lembrar este momento difícil da história da UNITA.

Mas hoje é o Rafael Massanga Sakaita, prestes a completar 40 anos, gestor de empresas e deputado. É impossível dissociá-lo da política?
Não diria impossível. Também não diria que ela não é uma fatalidade para mim ou para a minha família. Não! É uma questão de opção. Não sou o único filho do meu pai. Estou na política por opção. Também começo a concluir que talvez por vocação mesmo. Está feita esta opção, como também já disse várias vezes, nos meus planos quando regressei ao país não tinha a política como prioridade. O que pretendia era desenvolver a minha vida profissional, mas não deu.

Mas entre os quatro irmãos, filhos de Catarina Massanga, nomeadamente Cheya, Chavala e Ululi, o que parece é que o Rafael Massanga está a seguir os passos do pai…
Sim. Se olharmos só para o lado da minha mãe, sim. Mas se olharmos para o lado do pai, agora tem também o Tão Savimbi (secretário- adjunto das Relações Exteriores da UNITA), meu irmão. Seguramente que no futuro surjam outros mais novos que estão ainda em formação. Mas continuo a dizer que não é fatalidade para nós, não somos obrigados a fazer política. É uma questão de opção.

Mas não é verdade que o vosso pai tenha notado esta personalidade política no Massanga ainda novo quando vivia no Togo?

É difícil dizer isso hoje

Quando vivia na Costa do Marfim era ou não o responsável pelos seus irmãos?
Não, não, não, porque eu não era o mais velho. O mais velho em Abidjan era o Chavala Sakaita. Mas é verdade que mesmo com o Chavala na Costa do Marfim eu tinha sido eleito responsável adjunto da juventude da UNITA. Era já no quadro partidário. Eu fui, sim, por algum tempo, responsável pelos meus irmãos ainda em Angola. Foi na fase de 1994-1996, quando o Cheya, Chavala e o Sakato vão embora, então eu fiquei aqui no país com um grupo dos irmãos que estavam connosco.

Estaríamos errados se dissermos que o Rafael Massanga Savimbi é neste momento o expoente máximo, a nível da política, entre os herdeiros de Jonas Savimbi?
Seria melhor não dizer tanto.

É neste momento o secretário-geral adjunto da UNITA…
Ali estaríamos de acordo. Mas colocar isso numa perspectiva puramente familiar penso que não é acertado. Vamos dar a nossa contribuição, portanto, até onde der.

Quais são as grandes ambições que tem a nível político?
Talvez não tenha tantas. Mas a minha grande ambição é a de fazer que o nosso país mude. Significa que tenhamos o nosso país, a nossa Angola, onde cada um tenha o mínimo para se realizar. Eu tenho estado na Namíbia, Costa do Marfim, África do Sul, Marrocos e, sobretudo, em África. Fico muito sentido sempre que estou a aterrar aqui no país, no Aeroporto 4 de Fevereiro.

O que vê quando está a chegar ao Aeroporto 4 de Fevereiro?
Vejo casebres, casotas e ali ao lado. É um sofrimento. Não pode ser! Este país é potencialmente rico e é preciso que trabalhemos para transformar a riqueza do país em riqueza para as pessoas. Eu acho que este é o grande desafio e vai exigir de nós muito trabalho, muita seriedade de e, acima de tudo, patriotismo. Em certa medida, teremos que colocar um certo número de interesses político-partidários de lado e vermos o país. É inconcebível, apesar do tempo difícil que vivemos, mas já se foram 16 anos. Então, em 16 anos não se consegue colocar água na casa das pessoas? Não vou falar de coisas mais complicadas. Em 16 anos não é possível termos o mínimo aqui nos nossos hospitais, como por exemplo no Josina Machel? Como é que isso é possível? Eu não percebo isso. Vá para a Namíbia, aqui mesmo na fronteira Sul. Atravessem, vá a Oshikango, Ondangua, tem logo clínicas e hospitais que funcionam. Qual é o problema? Esta é a minha grande ambição, senão não faria política.

Teve o seu primeiro Natal numa cidade em 1991, no Huambo. Estudou grande parte do tempo no exterior e só regressou ao país em 2006, segundo apurámos, isto é, três anos depois da morte do seu pai.

Vim a Angola no dia 18 de Outubro de 2006.

Qual foi a primeira impressão que teve quando chegou a Luanda?
Difícil de dizer, mas é uma boa questão. Devo confessar que, apesar de toda a confusão que existe aqui na nossa cidade, eu fiquei bem impressionado, porque estava a regressar a Angola. Já não via a minha mãe havia alguns anos. Os meus companheiros. Estávamos apreensivos com o que se estava a passar, sobretudo na fase final. Portanto, para mim foi um motivo de satisfação vir para Luanda. Não como cidade, mas Luanda como Angola. Era o meu regresso ao país.

É verdade que estava cansado de viver no exterior?
Seguramente, nunca me conformei.

Por onde é que andou?
Eu andei entre a Costa do Marfim e o Ghana. Fiz os estudos até ao nível secundário na Costa do Marfim, mas devo dizer que foi sempre o meu sonho falar inglês. Quando fui enviado para a Costa do Marfim fui ter com o meu pai: ‘Será que não há possibilidade de ir para um país anglófono? Ele disse-me: ‘O francês é muito mais difícil do que o inglês. Primeiro vai aprender o francês e seguramente terás oportunidade de depois aprender o inglês’. Fui para o Ghana exactamente porque quis realizar este sonho só para, futuramente, dar continuidade aos meus estudos no sistema anglófono.

Voltemos ao regresso. Angola que encontrou foi aquela com que sempre sonhou?
É verdade que regresso a Angola já um bocadinho viajado, sabia que o país estava a terminar uma guerra longa e, seguramente, não iria encontrar Luanda como Abidjan, não era possível. Mas devo dizer que o meu sentimento de satisfação foi porque estava a regressar ao país. E que encontraria os meus familiares, os meus amigos e também no vas amizades, porque era um desafio. Imagine que eu, na minha condição de filho de Jonas Savimbi, decidir regressar ao país três anos depois da morte do meu pai… Era difícil. Era pesado. Mas eu estava decidido. Disse ao meu pai que regressaria ao país fossem quais fossem as consequências.

Sentiu-se muito desprotegido porque o pai já não estava?
Seguramente. Mas, era preciso arriscar. Também, seguramente, quando regresso a Angola havia sinais de alguma segurança, embora não efectiva. Como dizia, a minha mãe estava cá, a UNITA estava a recuperar, já se tinha realizado o nono congresso e o presidente Samakuva tinha sido eleito. Havia contactos e diziam-nos, ‘venham, aqui é o vosso país’.

Qual foi papel jogado pelos seus primos Kamy e Cacique Pena para o regresso?
Como sabe, o Cacique esteve muito ligado ao pai até aos últimos momentos. O Kamy também, mas depois vai para a Zâmbia. No quadro da reconciliação, da procura da família e de acalmar os ânimos, eles estiveram aqui. Tanto mais que, antes mesmo do nosso regresso, eles deram uma volta lá por fora. Passaram pela Costa do Marfim, França, exactamente para nos dizerem que a situação está como está, é muita pena, mas é o nosso país.

Quantos irmãos vocês são?
Somos 30 filhos.

Quantos estão em Angola e no exterior?
Devem estar cá uns 14.

Uma das coisas marcantes entre os filhos de Jonas Savimbi terão sido os depoimentos feitos pelos seus irmãos Araújo Sakaita e Ululi Sakaita. Onde estava nessa altura?
Como dizia no princípio, saí de Angola directamente para a Costa do Marfim. Praticamente, só saí da Costa do Marfim em 2001 e o Ululi também esteve aí connosco em casa. Deixou-nos sensivelmente em Agosto de 2000. O Araújo esteve no Togo com o Tão. Então, não posso falar muito dele. Mas estive com o Ululi. Estávamos a viver momentos muito difíceis. Como sabe, o Velho nunca aceitou essas histórias de abrir contas bancárias. Nunca. O nosso apoio financeiro vinha mesmo daqui do interior do país. Era de forma trimestral ou semestral. Vinha algum emissário que trazia os meios para pagar as bolsas e as rendas. O Velho nunca aceitou que se comprasse casa.Dizia que estamos aí em missão e que depois tínhamos de regressar ao país. Estudem e regressem, porque a vossa pátria é Angola. É para dizer que, infelizmente, quando o Andulo também cai, a crise financeira também aumenta com as sanções. Não havia mais meios e estávamos a viver momentos muito difíceis. Lembro-me de que, na altura em que o meu irmão vem para aqui, nós estávamos a mudar de uma casa com um ‘standing’ alto ou médio para um bairro, porque estava muito difícil, inclusive não havia alimentação, cortaram.nos a água e luz. Era preciso aguentar porque sabíamos também o que se estava a passar aqui dentro. Portanto, o Ululi (Sakaita) também era muito novo e infelizmente veio para cá. Faz parte da história.

Como é que tem acompanhado este processo de reconstrução e reconciliação nacional?

Eu penso que há muitas debilidades. Apego-me sobretudo à questão ligada aos ex-militares. Costumo dizer que o bom tratamento que se deve dar a um homem , de um lado ou de outro, que a um momento dado da história do país teve que empunhar uma arma, é uma questão de segurança nacional. O militar quando foi recrutado sabia que estava a defender uma causa justa. Hoje, os políticos, porque afinal a guerra é a continuação da política por outros meios, devem ter a responsabilidade histórica e até humana de cuidar bem destes seus irmãos. Penso que neste processo todo estou com alguma preocupação, mas também com responsabilidade neste aspecto e dizer que é uma questão que, penso eu, não está a ser bem feita. Neste processo, ligado ao bom tratamento e à dignidade, é preciso dar mais apoio aos ex-militares.

Tendo em conta o que disse até ao momento, parece que é um defensor de consensos entre o MPLA e a UNITA?
Eu não diria defender consensos. Defendo aquilo que sirva melhor os angolanos. É preciso que encontremos formas de fazer com que, independentemente da cor partidária, os angolanos tenham uma vida melhor. Também porque a competição política, até porque isso faz parte da própria história das ideias políticas, garante que não há ninguém que vai estar numa posição superior permanentemente. Não existe na história da humanidade. Podes ficar no poder 10, 20, 30, 40 ou 50 anos, 60, 70 ou mesmo 100, o que ainda não aconteceu em repúblicas, mas você depois sai mesmo, porque há maturidade, a sociedade matura-se. Como nós aqui: hoje faz-se uma manobrazinha para ganhar, depois faz-se mais uma outra, amanhã pode dar mais uma chance, mas depois vão dizer chega mesmo. Temos que nos cuidar porque ninguém estará na pole position permanentemente.

Refere-se ao MPLA?
Claramente. Mesmo com os meus amigos que tenho no MPLA, digo-lhes que não há uma situação permanente em política.

A UNITA conseguiu nas últimas eleições mais deputados do que em 2008. Acredita que vai chegar ao poder nos próximos 10 anos?
Aplicando o que acabei de dizer, é evidente. Se estou a dizer que o MPLA não vai ficar no poder para sempre, há uma teoria económica que é o custo da oportunidade. Estou também a dizer que alguém tem que vir. Seguramente que, na situação actual de Angola, este alguém que vem é a UNITA.

Mas, seguramente, também já não será com Isaías Samakuva como presidente da UNITA, tendo em conta as suas manifestações de querer abandonar a liderança. As informações em nossa posse indicam que ele deverá largar a presidência e alguns candidatos já se estão a pontificar. E Rafael Massanga Sakaita é apontado por muitos como delfim de Isaías Samakuva. Quer comentar?

(Risos). Sobre isso devo dizer que não quero precipitar nem antecipar sobre o congresso de 2019.

Faltam quatro meses para atingirmos 2019...

Mas também devo dizer que, felizmente, a UNITA é um partido democrático. Tudo faz sem atropelos. Temos etapas, regras e momentos. E quando esse momento chegar, será o dos aspirantes ao cadeirão máximo da UNITA se pronunciarem e formalizarem, seguramente que até lá todos os que estiverem interessados se irão pronunciar. Agora, voltando à questão do mais velho Samakuva, eu sou dos que com muita pena vejo sair uma figura muito importante de Angola, cheia de muita experiência, a ir embora. Felizmente, e também é minha convicção, Isaías Samakuva pode já não ser o presidente, mas não vai parar de ser militante da UNITA e eu desejo que ele continue na direcção. Que esteja aí, passe a sua experiência e ensine aos outros aquilo que ele aprendeu ao longo destes anos. Considero-o um político muito sábio. Não seria bom perdê-lo.

‘O desempenho de Isaías Samakuva é positivo’

Como é que está a acompanhar o processo que nos levará às primeiras eleições autárquicas?
Eu diria, mesmo… com alguma preocupação. Penso que o Ministério da Administração do Território (MAT) começou mal. Posso considerar que há um trabalho que considero acabado e vai sendo partilhado para que haja contribuições. Mas o que estamos a receber como relato dos que estão a participar ou participaram neste processo é que os responsáveis do MAT comportam- se como estudantes que vieram defender uma tese.

Pode explicar o que está a querer transmitir?
Significa que chega ali, dá explicação e diz que agora me podem perguntar. Deveríamos ter encontrado uma outra fórmula, talvez mais simples, de começarmos por não ir com documentação como tal. Irmos com coisas mais básicas ou ligeiras para que as pessoas, de facto, falassem primeiro. Depois é que iríamos já com propostas. Neste momento, estão a ir já com propostas e a defendê-las. Então, o que houve neste processo é mais uma campanha de sensibilizar e de mobilizar o povo para as propostas que o Executivo vai trazer aqui ao Parlamento. Isso será uma questão de formalidade. Somos 51 deputados, eles (MPLA) são 150. É o que vai acontecer.

O que a UNITA pretendia?
O que a UNITA queria é que houvesse um movimento contrário, que os cidadãos tivessem espaço para contribuir. Antes de formular as propostas de lei. Agora, precisamos de evoluir e de avançar para não nos limitarmos só à actual democracia, que é a democracia representativa, e irmos para esta participativa. É ali que está a minha principal preocupação, porque o elemento político principal que vem à tona é o princípio do gradualismo, que até é bem-vindo e é normal. Mas há duas correntes: uma que defende o gradualismo territorial, que é a linha do Governo, e a outra que defende o gradualismo funcional. Nós (UNITA) estamos nesta segunda.

O deputado José Pedro Katchiungo, também da UNITA, defende a necessidade de consensos. O que acha?
Sem contrariar o meu colega Katchiungo, relativamente a esta matéria, eu penso que o problema não é de consensos. É só o de aplicarmos aquilo que está na lei. O que significa que se o consenso aqui resultar em fazer arranjos exteriores à lei, então é melhor fazermos uma revisão pontual para que estes processos constem na lei. Ali sim! Mas também, fazer consensos que contrariem a lei, penso que não é por ali que o deputado José Katchiungo quis ir. Voltando para o aspecto principal, a democracia participativa que devolve o poder ao cidadão, ao soberano, deve ser efectiva. Há questões muito ligadas à economia, ao social, quando falamos de autarquias, mas eu ainda quero olhar para o aspecto político. Significa que, indo para este princípio do gradualismo geográfico, estamos a aceitar que há zonas que vão avançar muito mais do que as outras. Isto vai, seguramente, aprofundar as desigualdades sociais.

Dou um exemplo prático: estou em Cacuaco, sou uma autarquia, estou em Viana e não sou, se a autarquia de Cacuaco estiver a funcionar como dever ser, o que faz a fronteira entre Viana e Cacuaco em termos físicos?

O que vamos assistir é um êxodo, porque há pessoas que vão preferir ir a Cacuaco porque tem água ou luz. Eu penso que era bom que nós, no quadro do respeito da lei, fizéssemos a experiência autárquica em todos os municípios. Agora, o que vai variar é a transferência de competências. Dizem que não há condições, mas hoje em todos os municípios há administrações. Por exemplo, sou de pensamento que se for para abraçarmos o gradualismo geográfico, eu partiria do inverso: comecemos pelos sítios menos desenvolvidos. Qual é o fim de todo este processo? É a melhoria das condições de vida das famílias. Se é uma autarquia supra ou infra é para melhorar as condições de vida das pessoas. Então, é melhor começarmos onde há piores condições de vida. E não o contrário.

‘É muito difícil avaliar uma figura como José Eduardo dos Santos”

Jonas Savimbi teve um opositor directo no campo político e militar: o Presidente José Eduardo dos Santos. O que pensa sobre o legado do ainda presidente do MPLA, a sua gestão e o que deixa aos angolanos? Eu penso que é muito difícil avaliar uma figura como José Eduardo (dos Santos). Mas devo dizer com alguma distância que exija esta reflexão, que um dia talvez farei, mas hoje não muito aprofundada, penso que o presidente José Eduardo está a sair num momento em que, infelizmente, não vai deixar muito boas recordações. Porque sai num momento em que o país está a viver uma crise económica muito acentuada. Depois de 2002, penso que ele tinha todas as condições políticas, económicas, internacionais, diplomáticas de dar um rumo diferente ao país. Ou faltou forças do lado dele ou a entourage não permitiu que assim fosse, mas penso que neste jogo todo é Angola que perdeu também uma grande oportunidade de se reerguer como deveria ser e poder dar uma melhor condição de vida aos angolanos. É a avaliação que eu faço porque não será agora que em termos económicos e financeiros Angola terá a massa ou a pujança financeira que teve de 2002 até mais ou menos em 2014. Não acho. E isso veio manchar, sobremaneira o balanço do Presidente Dos Santos.

Vimo-lo numa foto recentemente com a deputada Tchizé dos Santos, do MPLA, por sinal filha do então Presidente da República. Dá-se muito bem com os filhos do antigo Chefe de Estado?
Não diria que me dou muito bem. A Tchizé dos Santos é a única que conheço dos filhos do Presidente Eduardo dos Santos, mas nós queremos construir futuro e não o passado. Por bom ou mau que seja o passado, não importa mais nada. Agora, nós, preocupados com o futuro, sim, precisamos de olhar para o passado, ver o que de bom não foi feito pelos nossos país, o que de bom foi feito e que ainda podemos utilizar para o futuro. Mas é olhando sempre para a frente que nós devemos caminhar. Também penso que temos uma responsabilidade acrescida por causa mesmo deste peso histórico que carregamos. Significa que os nossos actos também podem servir, contribuir positiva ou negativamente para o aprofundamento do processo de reconciliação. Felizmente não tenho problemas pessoais nenhuns com a Tchizé que eu conheço. Estamos aqui, somos colegas e é verdade que de bancadas diferentes. E isso já é um sinal claro de que temos divergências em termos políticos. Mas penso que queremos todos olhar para o futuro de Angola e dar uma contribuição para que este país avance.

O que lhe diz o nome João Lourenço?
João Lourenço é o actual Presidente. Está a dar alguns sinais. Queremos desejar que passe dos sinais para a prática. Eu sou daqueles que pensam que é muito cedo ainda para avaliá-lo. Tem quatro anos pela frente. Seguramente, no momento oportuno faremos a nossa avaliação.

Tem ido ao Luena visitar a campa onde repousam os restos mortais de Jonas Savimbi?
Fui ao Luena por duas vezes. Oficialmente é lá onde repousam os restos mortais do velho, mas há muitas versões. Eu prefiro acreditar na versão oficial do Governo, para que qualquer processo que se possa despoletar se faça desta forma convencional.

Quando é que pensam passar os restos mortais para a Lopitanga, no Bié?
É um processo que temos despoletado, pensando que as questões políticas, sociais e até médicas que é preciso considerar neste processo, razão pela qual a direcção da UNITA tinha criado já, há dois anos ou três, uma comissão. Onde tinha quadros da direcção do partido e familiares para poder realizar todas as aproximações necessárias junto do Governo, no sentido de se despoletar este processo. Inclusive, tínhamos dado já alguns passos concretos, como, por exemplo, a questão da desminagem da área. Infelizmente, durante o conflito a área da Lopitanga foi minada. Então, há um leque de coisas que é preciso fazer para que esse processo possa avançar. Mas, infelizmente, até agora nada foi feito.

Diz que há muitas versões sobre o paradeiro do corpo. Acredita que os restos mortais estão enterrados no cemitério do Luena?
Não quero pôr em frente os meus sentimentos pessoais. Quero manter esta posição, acreditar naquilo que é oficial e penso que vai permitir que as coisas avancem. Se colocarmos em frente os nossos sentimentos, em política isso não é bom. Significa que, se cairmos nos sentimentalismos, podemos perder a nossa capacidade de melhor analisarmos e avaliarmos. Nesta condição, mesmo sendo filho, quero colocar-me na posição de político, dirigente, para resolvermos o problema não só do pai, mas sobretudo do presidente fundador da UNITA.