Luanda - O recente comunicado do Ministério da Comunicação Social, reagindo aos meus pronunciamentos públicos sobre o assunto "incompatibilidades na Comunicação Social", diz categoricamente não haver nenhuma incompatibilidade de os administradores dos Conselhos de Administração dos órgãos de comunicação social públicos puderem exercer jornalismo ao mesmo tempo que exercem cargos nomeados pelo Titular do Poder Executivo. Isto não é verdade, pelo menos de acordo com a legislação angolana. Já lá vamos.

Fonte: Club-k.net

O EXEMPLO TEM DE PARTIR DE CIMA

Para que este artigo não fosse muito longo, preferi falar do caso mais flagrante (gravidade) de incompatibilidade ao nível dos Conselhos de Administração dos órgãos de CS públicos: o caso da administradora de conteúdos da RNA Paula Simons. Depois vêm outros casos, com o critério "gravidade".

1. Paula Simons, de acordo com o Diário da República III Série n.°86, de 10 de Maio de 2016, é Presidente do Conselho de Administração da ISENTA, COMUNICAÇÃO e IMAGEM S.A, que tem como administradores executivos César Inácio da Silveira (seu genro - já vão perceber a razão deste detalhe) e Vanílson Flávio da Silva Neto. É um Diário que não foi alterado. Tem valor legal. Atenção: não são dados secretos. São dados públicos. O Diário da República é uma informação pública, disponível a todos os angolanos.

Nós, os jornalistas mais atentos, sabemos que Paula Simons não "foi" uma simples PCA da ISENTA. Sabemos que foi nomeado um novo PCA para a ISENTA, assim que PS foi nomeada para a RNA, com o sentido de evitar a incompatibilidade com o cargo de administradora de conteúdos da RNA. Parece estar tudo perfeito. Mas não é bem assim. A incompatibilidade parte do facto de ela ser, segundo sabemos, a sócia maioritária da referida empresa de comunicação. Daí o detalhe do "genro" estar como administrador executivo até hoje! Alguém da família teria de controlar (fisicamente) a empresa na "ausência" da "proprietária". Só pelo facto de a actual administradora de conteúdos da RNA ter interesses financeiros, e não só, numa empresa que também produz conteúdos para o jornalismo angolano, há, à partida, uma situação de incompatibilidade na sua nomeação para a Rádio Nacional de Angola (Lei n.° 3/10, de 29 de Março, Lei da Probidade Pública, artigos 4.°, 5.°, 8.° e 28.°).

2. Tenho conhecimento de que a referida empresa privada de comunicação tem relações contratuais com departamentos ministeriais e empresas do Estado; i.e, produz conteúdos (de propaganda) para ministérios, instituições bancárias e empresas com interesse comercial (lucro financeiro). Sendo administradora de conteúdos da RNA, sabem qual é o palco ideal para passar o conteúdo (marketing) produzido pela ISENTA? Isso mesmo: RNA. Daí que não podia jamais ser escolhida para o cargo por não haver garantia legal do cumprimento do artigo 8.° da Lei da Probidade Pública (Princípio da Imparcialidade) e não só.

3. Paula Simons, sendo a principal responsável de todos os conteúdos que a RNA produz e tendo ligações directas com os clientes da ISENTA, onde instituições do Estado estão lá presentes (violação à Lei da Probidade Pública), é a mesma pessoa que também se torna jornalista no programa designado "Sábado às 10 e 10", criado na sua gestão; ou seja, criou um programa para ela própria ser "a artista". Qual é o problema aqui, senhor Ministério da Comunicação Social? Apontem: quem nomeia e demite os Conselhos de Administração dos órgãos de comunicação social públicos é o Titular do Poder Executivo, de acordo com a Lei n.° 1/17, de 23 de Janeiro, Lei de Imprensa, n.° 3 do artigo 31.° (daí também a responsabilização que se pode imputar ao presidente da República João Lourenço, cujos argumentos estão expressos no meu artigo anterior, por não ter salvaguardado o cumprimento da Lei, como jurou na tomada de posse).

Sendo administradora de conteúdos - um cargo de confiança política -, não se salvaguarda aqui o princípio da imparcialidade, do rigor, da objectividade, da isenção (deveres a que um jornalista está obrigado a cumprir, artigo 16.° da Lei n.° 5/17 , de 23 de Janeiro, Lei Sobre o Estatuto do Jornalista). Outrossim, sendo administradora de conteúdos e jornalista, há clara incompatibilidade de funções, uma vez que a jornalista Paula Simons, do "Sábado às 10 e 10" nunca vai divulgar um conteúdo que coloque em causa a transparência da gestão do Titular do Poder Executivo, pois, a sua chefe (a mesma pessoa na administração de conteúdos) nunca vai permitir que exerça jornalismo com imparcialidade. E a sua chefe (a mesma pessoa) só fica no cargo se o seu trabalho não colocar em causa a seriedade de quem a nomeou: o Titular do Poder Executivo. Há, implicitamente, uma "linha vermelha" que a administradora de conteúdos nunca vai atravessar. Sendo jornalista - que deve noticiar o que os dirigentes não querem que a sociedade saiba, nunca vai "afrontar" a administradora de conteúdos (a mesma pessoa). Portanto, não há, mais uma vez, garantia de distanciamento entre o que se produz jornalisticamente com uma eventual propaganda partidária ou até mesmo de conteúdos alheios ao próprio partido que governa o país. Neste caso, ela torna-se jogadora e árbitra ao mesmo tempo: incompatibilidade clara, que só o Ministério da Comunicação Social não vê, desconhecendo-se as razões objectivas e legais.

SUGESTÃO PARA SE "CORRIGIR O QUE ESTÁ MAL"

Se nós quisermos moralizar a nossa classe e a sociedade, O EXEMPLO DEVE PARTIR DE CIMA. Se quisermos de facto fazer cumprir a Lei, ou o ministro da Comunicação Social pede demissão por ter, talvez, induzido em erro o Titular do Poder Executivo, pela "escolha" de Paula Simons para a RNA, ou o próprio Titular do Poder Executivo exonera o ministro e, consequentemente, Paula Simons, por o terem enganado, ou nada se faz e o próprio Titular do Poder Executivo, João Lourenço, perde autoridade moral de exigir cumprimento da Lei aos seus colaboradores e à sociedade em geral.

Todo o exemplo de "cumprimento escrupuloso" deve partir de cima. É assim que se constrói uma sociedade sã e progressista.

Carlos Alberto
20.08.2018