Luanda – A Associação Angolana dos Direitos do Consumidor (AADIC) tem pressionado, ao longo dos últimos cinco anos, o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, no sentido de haver, em Angola, uma sala específica para dirimir conflitos de consumo.

 

*Luís Caetano
Fonte: JV
Em entrevista ao Jornal Visão, o presidente da associação, Diógenes de Oliveira, apresenta várias preocupações atinentes à qualidade de vida dos angolanos e defende julgamento e punições severas a todos os fornecedores, que se aproveitam da indiferença do Estado para, de forma reincidente, prestarem maus serviços aos consumidores

 

Qual é o objecto social da AADIC?
A Associação Angolana dos Direitos do Consumidor (AADIC), tem como objecto social a salvaguarda dos direitos do consumidor, quer somos todos nós. É na qualidade de parceiro social do Estado sob Decreto Presidencial Nº 134/15 de 12 de Julho, membro efectivo do Conselho Nacional do Comércio, por força do decreto presidencial número 38/18 de 9 de Fevereiro, concomitantemente membro da consumer international.

 

Desde o surgimento da AADIC, o Doutor Diógenes acha que tem estado a cumprir com a expectativa gerada aquando da criação da organização?
Claro que sim. Importa também salientar que a AADIC tem 38 membros efectivos, que compreendem 90% serem juristas, advogados, médicos, engenheiros e jornalistas. A nossa associação ainda não atingiu o objectivo desejado. A AADIC só deverá sentir-se que, de facto, o seu trabalho está a ser bem feito, quando conseguirmos sentir que os problemas do consumidor, por si só, estão a ser bem resolvidos. Temos feito um trabalho extensivo, pedagógica, educativa, formativa e realizamos palestras, seminários em universidades e escolas, de formas que não adianta informar quando a quem estamos informar nada percebe. Devemos, primeiro, educar para que as pessoas consigam perceber aquilo que são os seus direitos, deveres e obrigações.

 

Quais são os principais entraves que têm encontrado no desenvolvimento das vossas actividades?
Bem, primeiro dizer que a relação de consumo não é só bebida ou comida, mas sim é transversal. Basta existir, de um lado, um fornecedor e, do outro, um consumidor e a disposição de bens e serviços, estamos diante uma relação de consumo.
Temos recebido muitas denúncias de todos os âmbitos e de todo tipo de relação de consumo, inerentes são os casos da TAAG, Macon e Tcul. Os mais frequentes são os abusos que o ensino privado tem cometido, que é a exigência de pagamentos de emolumentos avultados como a multa no incumprimento de uma obrigação, enquanto a Lei da Defesa do Consumidor estabelece que a multa para o incumprimento de uma obrigação não deve ser acima de 2%. E nós, se fizermos uma ronda pela cidade de Luanda, vamos ver que todo ensino privado cobra multa acima dos 10% a 15% e até tem os mais abusivos que vão até 100%.

Quando falamos da educação privada estamos a falar de ATLS e creches. É uma prática decorrente dentro de relação de consumo. Podemos falar, também, do sector privado da saúde, que é um dos mais reclamados até agora. O próprio consumidor paga valores avultados para ter uma prestação de serviço de qualidade e eficiente e muitas vezes não tem, e quando o tem peca por falta de informação.

 

Como é que a AADIC tem estado a processar estes tipos de denúncias?
Nós, AADIC, já devíamos sair da fase pedagógica e educativa, mas ainda devemos continuar porque a relação de consumo não é só em Luanda, mas sim de Cabinda ao Kunene. Infelizmente, a Lei de Defesa de Consumidor, que é a Lei 15/03 de 22 de Julho, impõe que as associações têm direitos limitados, e um dos direitos limitados é: não pode sancionar ou punir, mas pode sim intentar acções judiciais; temos que remeter as nossas denúncias aos órgãos afins, que é o Ministério do Comércio, o Ministério Público, o INADEC e a Polícia Nacional.

 

A AADIC tem lutado, ao longo desses cinco anos, com o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, que deve existir em Angola uma sala específica para dirimir conflitos de consumo. O nosso país tem salas específicas da família, laborais, porque não existir uma sala específica para tratar de assuntos de consumo?
Pela experiência que temos, porque já demandamos junto dos tribunais, e dizer que já intentamos uma acção contra a Epal, e até hoje não temos o retorno de forma oficiosa.
Já intentamos uma acção contra a British por causa dos tabacos que comercializam. Há três anos, o maço de AC e SL não vinha especificado que "fumar constitui risco à saúde ou fumar mata. Depois de eles saberem, por outras fontes, que intentamos uma acção judicial junto ao tribunal, então eles regularizaram a situação. Eles metiam que “fumar mata ou constituía risco à saúde” no canto do maço de cigarro. Isso chama-se, para nós juristas, omissão relativa.
Não deixaram de informar, mas omitiram relativamente a informação. Então, nós intentamos a acção, mas passados dois anos e tal, não temos o feed-back do tribunal, porque tivemos de mandar a nossa preocupação a um tribunal cível administrativo e ali as acções são morosas.

 

Têm dado seguimento a esses processos todos?
Podemos dar seguimento, mas é um órgão soberano, ou seja, eles têm a sua forma administrativa, então devemos respeitar. Segundo a constituição, os tribunais são soberanos. Se tivesse um tribunal específico ou uma sala específica, a par de outros países que respeitam a relação de consumo, respeitam o consumidor, com certeza, essa acção deveria estar em julgamento e também já teríamos a primeira audiência.


Há necessidade urgência de existir uma sala específica dos direitos dos consumidores. Já manifestamos essa intenção junto do ministério da Justiça e dos Direitos Humanos. Na última carta que mandamos este ano, pedimos, até, que fosse legalizada uma sala para dirimir situações de consumo na AADIC, ou, então, extra-judicial para resolução de relações que têm a ver com consumo, e até hoje, de forma oficiosa, nada recebemos.

 

Qual é a vossa relação com o INADEC?
Gostaria de dizer que a AADIC é uma Associação de Defesa de Consumidor privada; tem a personalidade jurídica, conforme os decretos que acabei de citar. O INADEC tem o mesmo objecto social que a nossa associação, que é defender os interesses dos consumidores. Mas o INADEC é o Estado, e sendo o Estado, como é, é necessário existir uma outra organização que tem o mesmo objectivo para salvaguardar os interesses dos consumidores. Nós temos que olhar que o nosso país tem mais de 26 milhões de consumidores. Todos fornecedores hoje e consumidores amanhã. Quem hoje é fornecedor do serviço de telecomunicações, amanhã ele é consumidor do serviço de saúde, por exemplo. O Estado, sozinho, não vai conseguir trabalhar; nós somos parte do Estado. Temos feito um trabalho em colaboração com o INADEC e com as instituições de Estados, embora não ser tão amável assim, mas temos feito.

 

Apesar disso, acha que o consumidor angolano está ser bem servido?
Não. Existe um abuso, uma usurpação nas nossas normas e das nossas leis: Esses mesmos fornecedores de produtos e bens são conhecedores da matéria, eles vêm de países já evoluídos e sabem do bem vida.


Nós, às vezes, pensamos que o consumo é só comida e bebida. Mas se comprarmos uma determinada roupa, que não apresenta uma especificação: que tipo do produto com que foi feita aquela camisa, aquela camisola; nós estamos susceptíveis a ter uma alergia e pensamos que comemos alguma coisa. Dou um exemplo prático. De um tempo a esta parte, andei de Cabinda ao Cunene, e depois fui para a fora do país, porque a minha filha estava sempre com alergia, afinal de contas não teve nada a ver coma comida, mais sim com uma alergia que veio através de um tecido. Peca devido a falta de informação, e quando falamos de comida, que é o grande problema que estamos a viver no país, com produtos expirados e mal conservados, todas essas situações, não é que não exista fiscalização.


O problema está em sancionar e punir severamente esses fornecedores, porque eles têm consciência de que estão acometer um crime, mas o Estado não faz nada. Um crime deve reunir todos os requisitos; deve estar tipificado, dever ter ilicitude, culpabilidade e dolo. Para quem meta, de facto, um produto no mercado com datas vencida, automaticamente este cidadão sabe que vai lesar a vida de um determinado consumidor. Não é só comida; há medicamentos que estão no mercado informal e formal, mas com data de validade expirada. Há medicamentos em farmácias que não estão em língua portuguesa, estão em língua estrangeira. Já falamos e escrevemos mal o português, agora nos vão meter mais mandarim, árabe. Como é que vamos perceber o que estamos a consumir e como consumir? O Estado, com os seus órgãos que velam pela defesa dos consumidores deviam sair, neste cado as inspecções ministeriais, devem sair desse fogo que têm feito. Existe uma denúncia, vão para lá, levam os órgãos de comunicação, fazem aquele fumo todo, apreendem os produtos, selam o próprio estabelecimento, dão uma multa, mas passados uns 15 dias, o estabelecimento está outra vez aberto. A AADIC não quer isso. É crime, então que se julgue o infractor e vá para cadeia, mediatizar o caso de formas de desacelerar a apetência dos demais que fazer isso no nosso país. Esses fornecedores pensam que o nosso país é uma vala onde se pode depositar qualquer lixo

 

Qual é a moldura penal para esses casos?
Se for envenenamento, o Código Penal é claro.
Aquele que expuser à venda ou subministrar substâncias venenosas ou abortiva sem a legítima autorização (…) será condenado a pena de prisão não é inferior a 3 meses e multa correspondente. Ainda é branda. Fraudes na venda, ou especulação de preços estão previstos também no código penal, que vai de 1 a 3 anos, pelo menos é pena maior. Há um decreto que estabelece que o próprio comerciante, tem uma margem de lucro sobre os produtos a comercializar que é de 20%, na nossa praça a realidade é outra, os comerciantes tiram uma margem de lucro de 300 porcento. Compra por mil kwanzas, e vende a 7 mil kwanzas.

 

O cidadão angolano já tem cultura de reclamar os seus direitos?
Tem sim esta cultura. Agora, os órgãos afins é que têm de ser acutilantes para puder credibilizar que aquilo que o cidadão está a reclamar vai ser resolvido.

 

A AADIC está representada em todo país?
Não, Infelizmente não estamos em todo país porque somos uma organização sem fins lucrativos, não ganhamos dinheiro, o nosso trabalho é filantrópico, e não temos dinheiro para pôr delegações me todas as províncias. Há três anos, requeremos junto dos órgãos competentes para sermos de utilidade pública; reunimos todos requisitos que a lei permite ao ponto do próprio Governo de Luanda dar o seu parecer favorável, na altura sob comando de Higino Carneiro. O Ministério da Justiça deu parecer favorável para sermos uma organização de utilidade pública. Por si só, foi remitido para agendamento no Conselho dos Ministros. O documento morreu lá, mas devíamos todos pensar que AADIC é uma mais-valia.

 

O que AADIC tem feito para conseguir sobreviver?
Pelo facto 38 membros do corpo directivo da AADIC, todos finais de cada mês, tiramos sempre 20 mil kwanzas do nosso bolso para ajudarmos a suprir as nossas necessidades administrativas. Há urgência do Estado angolano ajudar as organizações de defesa de consumidor.

 

O que é que o povo angolano pode esperar da AADIC?
Melhor conhecimento dos seus direitos, obrigações e deveres qualidade nos serviços. O cidadão angolano pode esperar da AADIC tudo para salvaguardar sempre os interesses do consumidor, porque todos somos consumidores não vai existir 26 milhões de fornecedores, mas existem 26 milhões de consumidores.

 

Que mensagem deixa aos consumidores angolanos?
A única coisa que quero dizer é que há necessidade de o Estado angolano ajudar as organizações de defesa do consumidor. Não podemos estar misturados com outras organizações, não digo que tenham o mesmo objecto, mas outras organizações de outro âmbito que nada fazem, e se fazem pouco fazem. O Estado tem de ajudar as organizações que salvaguardam os direitos dos consumidores. Nós estamos na luta de diversificar a economia e o sujeito final é o consumidor. Reparem que os produtos adulterados a sua data de validade, estão a ser escoado para as províncias onde tem menos fiscalização, onde o cidadão consumidor tem menos conhecimento dos seus direitos e deveres e obrigações.