Luanda - Triste, amargurado e solitário. Durante 15 anos, foi dessa forma que Mateus Eliseu (nome fictício) procurou ganhar a vida longe dos pais, suportar a rejeição da família e aceitar, com os olhos voltados para Deus, a dura condição de seropositivo.

Fonte: Angop
Por muito tempo, a vida do adolescente, nascido na província do Uíge, Norte do país, resumiu-se em desespero e frustração. Mateus tornou-se órfão ainda em tenra idade. Logo à nascença, entrou para a lista dos 25 mil petizes contaminados por VIH/Sida, em Angola.

 

Na falta de progenitores, ganhou como "herança" o desprezo e a discriminação social. Sem muito de onde buscar, resumiu o seu dia-a-dia em choros e lamentações. 

 

"Sem pai, nem mãe. Só Deus me ama". É com esse desabafo, "cravado" na capa de uma Bíblia Sagrada, que Mateus Eliseu retrata a sua história de vida, cheia de tropeços e desilusões.

 

Filho de pais seropositivos, já parecia ter o destino "marcado", mesmo antes de conhecer a luz do sol. Foi contaminado pelos próprios pais, ainda no ventre da mãe.

 

O adolescente não tem memória dos traços físicos da mãe. Na sua trajectória, apenas conheceu o pai, que nunca lhe revelou a verdadeira informação sobre o seu estado serológico. Só em 2011 soube de familiares que era portador de VIH/Sida. "Eu não me lembro da minha mãe, porque, quando ela morreu, eu era criança. Mas lembro-me bem do meu pai e de quando ele morreu", conta o adolescente.

 

Depois da morte do pai, a sua história mudou, as portas "fecharam-se" e o martírio começou. O adolescente buscou refúgio em Luanda, abrigando-se na casa de um tio. Em pouco tempo, o sorriso que invadira os lábios dele voltou a desaparecer. "Um tempo depois, ele (tio) disse que já não podia abrigar-me, porque a casa é da mulher e ela temia que eu transmitisse a doença aos filhos deles", desabafa o adolescente.

 

Mateus chegou a ser amparado por outro tio, mas, como na primeira vez, também por pouco tempo. Sem opções, foi viver na casa da única irmã biológica, na Centralidade do Kilamba. Mas, meses depois, o cunhado orientou a sua expulsão, exactamente por ser seropositivo.

 

"Para onde vou, se ninguém me quer, nem mesmo a minha única irmã?", interroga-se o adolescente, que encontrou refúgio numa escola da província de Luanda, em 2017. Na escola, partilhou as angústias e amarguras com outras crianças abandonadas ou fugidas dos familiares.

Nas mãos de Deus

Foi naquele local onde Adriana Valente (nome fictício) conheceu e encontrou Mateus Eliseu, por quem procurou por algum tempo, depois de saber da história de vida do petiz.

 

Era, finalmente, o começo de uma nova fase, de um momento de esperança para quem, como Mateus, viveu sempre com o sonho ofuscado, sem ajuda nem auto-estima.

 

"Uma colega falou comigo e fomos procurá-lo no lugar que fez de seu lar. Passados alguns minutos, surgiu com uma mochila às costas, onde guardava os seus pertences. O que mais me emocionou foi quando perguntei o que levava e ele tirou de lá uma Bíblia", conta a ajudante do adolescente.

 

Na capa da Bíblia Sagrada, é notória a escritura "Sem pai, nem Mãe. Só Deus me Ama" e o desenho de uma figura, simbolizando que o amor vem do coração.

 

Além da Bíblia e de um cobertor, Mateus Eliseu levava consigo, na mesma mochila, o frasco de anti-retroviral "Nevirapina Zidovodina", remédio específico para os seropositivos, que trimestralmente vai à busca, sozinho, no Hospital Esperança, em Luanda.

 

Segundo o adolescente, aquela unidade hospitalar é a sua segunda casa. Mesmo sem o cartão de paciente (roubado), faz as consultas regularmente, porque todos lá o conhecem.

 

Adriana Valente conta que a vida de Mateus era sofrida. Sem um adulto para orientar a hora de tomar os comprimidos, o adolescente "socorria-se" de um relógio electrónico instalado nas imediações, todas as manhãs, para não perder o horário da medicação. Às 9 horas, faz a primeira medicação, a segunda toma à noite, todos os dias.

 

"Em pouco tempo que conversei com o Eliseu, apercebi-me de que ele é muito inteligente. Quando lhe perguntei por um documento, respondeu-me que tinha a cédula pessoal e deu ao segurança do prédio ao lado para o guardar. Mas tinha de pagar 100 Kwanzas por esse serviço", revela Adriana.

 

Mateus era completamente sozinho. Para sobreviver, tinha de pedir esmolas na rua. "De vez em quando, peço dinheiro a algumas pessoas na rua e dá para comer algo", segreda o adolescente ao seu "anjo da guarda" (Adriana Valente).

Novo começo

Por 15 anos, desde 2003, o adolescente conheceu o sabor da amargura. Faltou-lhe quase tudo na vida: dinheiro, amigos, escola (…). Mas era de uma família que mais sentia falta. "O Eliseu tinha como sonho ser acolhido por alguma instituição caridosa, para dar continuidade aos seus estudos, pois tinha a 7.ª classe feita. Ele queria ser médico", afirma Adriana Valente.

 

Comovida com a situação, a nova "amiga" do adolescente decidiu-se a recorrer, arregaçar as mangas e lutar por um futuro digno para Mateus, abandonado à sua sorte pela família. "Depois da conversa com ele, uma colega e eu decidimo-nos a ajudá-lo. Batemos à “porta” da ministra da Acção Social, Família e Promoção da Mulher, Victória da Conceição. Tivemos o apoio da sua assessora, que prontamente atendeu ao nosso apelo, para a nossa alegria", faz saber Adriana Valente.

 

"No dia seguinte, recebemos um telefonema do INAC, na voz da sua directora, Ana Teresinha, pedindo que, naquele mesmo dia, entregássemos o Eliseu para ser levado para um abrigo de menores, onde, apesar de não estarem os pais, estão pessoas caridosas", testemunha.

 

É naquele centro onde o adolescente faz a sua recuperação física e psicológica. "Resta-nos felicitá-lo e agradecer à ministra, pela sensibilidade demonstrada, como responsável pelo bem-estar social das famílias angolanas e como mãe”, declara Adriana.

 

Mateus Eliseu é uma das 25 mil crianças que vivem com VIH em Angola. Desse leque, apenas oito mil beneficiam de tratamento com anti-retrovirais, segundo o Instituto Nacional de Luta Contra a Sida.

 

A sua história simboliza a luta de milhares de seropositivos que vivem dificuldades diversas e, em muitos casos, discriminações daqueles em quem mais confiam: os familiares.

 

Se a história de Mateus Eliseu teve um final feliz, o mesmo não se pode falar de outras milhares de vítimas do VIH que lutam, como podem, para superar as vicissitudes de uma doença que infecta diariamente milhares pelo mundo e mata sem dó nem piedade.