Luanda - NOTA PRÉVIA: Os protocolos comunicacionais das instituições idóneas estão densificados de rigor e coerência na sua maneira de informar. Assentam as suas publicações e comunicados sobre critérios da procura de verdade, e, buscam a verdade com objetividade.

Fonte: Club-k.net

Deste modo, a procura da objetividade traduz-se em reunir documentos, ouvir testemunhas, tentar ouvir a versão da outra parte e depois tratar toda a informação recolhida de forma metódica. Tudo isso, deve ser feito de forma pedagógica, sábia e imparcial. Os comunicados da Polícia Nacional e da Procuradoria Geral da República, devem em matérias triviais e críticas, basear-se, sempre e sempre em moldes de inteligência conectiva, em critérios polidos e apurados assentes na perícia. Qualquer comunicado eivado de respostas emotivas, apenas para justificar a pressão social sobre determinadas matérias, não colhe, e nunca convence ninguém, salvo àqueles que não têm olhos de lince e de observar minudentemente os factos.

 

Talvez, seja por esta razão que Abel Chivukuvuku tio, veio a público, no noticiário da TVZimbo lançar o combustível discursivo que lhe é característico. Dizia ele, o comunicado da Polícia éfalso. O comunicado da Procuradoria Geral da República é falso. Todavia, Chivukuvuku, para ser coerente e assertivo, citou nomes de dois procuradores que segundo ele, confidenciaram-no que seu sobrinho estava prestes a fechar contas bancárias de figuras, in Telejornal Zimbo, 11 de julho/2018.

 

Ainda assim, o político que do nosso ponto de vista, talvez tenha sido emocional pela tónica do seu discurso combustado, embora compreendamos o momento velorial e de dor irreparável que o acometeu, este devo compreender que suas palavras têm sempre um significado e responsabilidade adicional diante de sua família e senão mesmo do país, mormente pela paixão que as suas intervenções despertam as pessoas. Chivukuvuku continuou desabafando - “meu sobrinho era investigador da PGR e tinha processos sensíveis sob sua responsabilidade, foi sendo ameaçado ao longo do tempo com tentativas de suborno e isto levou-o à morte. Alguns dos seus colegas do SIC foram encontrados com o seu telefone no aeroporto no sábado. Penso que houve tentativa de apagar evidencias também e, temos informação de que um jeep foi à casa de Lucas na quinta à noite provavelmente para o assassinar”. Tendo depois prometido apresentar os nomes à PGR, in angonoticias/11/07/2018.

Na verdade, nesta imensa girândola de acusações, idóneo, será esperarmos que em poucos dias, Abel Chivukuvuku apresente os nomes destas figuras, pois, embora a investigação criminal tenha sempre como ponto de partida, os factos, e não o homem, tais nomes ajudariam proficuamente no deslinde do imbróglio funerário que a família vive, ajudando assim, no esclarecimento dos factos. Mas, neste momento, os exames e as perícias forenses feitas ao corpus criminis de Lucas e os achados da causa mortis se nos parecem o foco do nosso artigo.

SIGA OS SUBSÍDIOS DAS PERICIAS CRIMINALISTICO-FORENSES

Tal como é praxe, no introito de qualquer argumento pericial, sempre apresentamos o respaldo legal que faz uma subsunção aos exames e as perícias feitas aos cadáveres. Deste modo, no âmbito das Autópsias, recorremos ao art 191o CPP, e aos 125oCPP e 170o CPP para os Exames Médico- Legais e ao Corpo do delito, não deixando de parte o 180o CPP que autoriza o Perito a exercer a sua nobre missão. A maior interrogação surge sempre no pálio dos autores das práticas hediondas (art 20o e seguintes do Código Penal angolano), pois mais uma vez, estamos diante de um imbróglio jurídico difícil, por não termos o total esclarecimento sobre o que ocorreu no processo da morte, colocando, deste modo, a família e as autoridades de costas viradas e, em cruzada de acusações. Todavia, para densificarmos com mais subsídios o caso em análise, socorremo-nos das perícias criminalístico-forenses, mormente da Medicina Legal, no âmbito das suas subáreas: a Tanatologia e a Asfixiologia forenses, pelo facto de se ter colhido fundamentos destas ciências para se fazer a autópsia ao corpus criminis de Lucas e ao instrumentorum (viatura). Como é consabido, a Medicina Legal faz uso de conhecimentos científicos de Medicina para esclarecer factos de relevância para a justiça, investigando as causas da morte, estimando a hora, deduzindo os instrumentos provocadores da morte, etc, visando dar contributo médico para a elaboração, interpretação e aplicação das leis. Foi atravez deste escopo analítico que o legista A. Ngueve, na sua alocução à Radio Luanda (noticiário das treze, a 11/7/2018, aflorou as questões do Laudo Necrópsico da vítima, tendo em concomitância defendido uma investigação complementar (neste caso, ao instrumentorum) para melhor esclarecimento do caso.

No âmbito da Medicina Legal, é comum recorrer-se à Tanatologia forense, partindo de uma incisão hemotoráxico abdominal e, muitas vezes, por via da incisão craniana. Com recurso à estas técnicas forenses, expuseram-se os órgãos vitais de Lucas, tendo os peritos feito uma apreciação minudente a cada um dos órgãos e, destes captar qualquer pista que pudesse ajudar a inferir possíveis rastros de morte (por doença natural, violência ou acidente). Ainda assim, no âmbito desta morte, recorreu-se à Asfixiologia Forense para que se pudesse encontrar quaisquer sinais de asfixia ou sufocação. Deste modo, a aplicação destas técnicas forenses resultou na produção de um laudo pericial, cuja causa mortis foi a asfixia, concursada com traumatismos crânio- encefálicos.

Morte violenta devido a traumatismos crânio-encefálicos severos

Traumas Crânio-Encefálicos (TCE) são também conhecidos por lesões intracranianas que ocorrem quando uma força externa causa ferimentos traumáticos no cérebro, produzindo lesão anatómica ou comprometimento funcional do couro cabeludo, crânio ou meninges, daí classificá- la de lesão severa. Tal mal constitui de causa principal de mortalidade e morbilidade em acidentes rodoviários. Chamemos então os entendimentos de Greenberg (1996, 2008) para pudermos compreender a gravidade deste tipo de lesões. Na verdade, existem, os traumas de baixo risco(com quadro assintomático em cefaleia hematoma e lacerações do couro cabeludo). Os traumas moderados (com alterações de consciência no momento ou depois do trauma, cefaleia progressiva, etc. Já nos altos riscos ou traumas gravíssimos, geralmente existe um estado de coma do paciente. As manifestações clínicas, caracterizam-se em depressão de consciência, sinais neurológicos focais reduzidos, feridas penetrantes no crânio ou fraturas e aprofundamentos palpáveis. Ainda assim, Greenberg apresenta outros tipos de traumatismos, nomeadamente o traumatismo craniano fechado, sendo este, uma fratura sem desvio na estrutura óssea ou por não apresentar lesão na calota craniana (quando não há ferimento visível no crânio, em outros casos, uma fratura linear). Nesta lesão é comum falar-se na concussão, referente a lesões estruturais macroscópicas do cérebro, com destruição da parênquima cerebral onde há edemas, contusão, laceração ou hemorragias. Nos traumatismos cranianos ou fraturas com abaulamento, o osso fraturado afunda-se no crânio, causando compressão ou lesão cerebral, e o traumatismo ou fatura aberta ou exposta (a fratura no crânio indicará os tecidos pericranianos lacerados, a lesão comunica-se imediatamente com o couro cabeludo e o parênquima através de fragmentos ósseos afundados ou estilhaçados).

Quanto ao quadro clínico e as complicações do tipo grave ou alto risco trazem consigo outras alterações na vítima: assim, na hora de um acidente grave e dependendo da zona atingida pela lesão, as hemorragias, tumefações, lacerações ou contusões interconetam à área do córtex. Os TCEs em choque cirúrgico, as manifestações clínicas, normalmente apresentam-se complicações do tipo lesões vasculares, tromboses, rinorreiaquórica, lesão de nervos cranianos, etc.

Para o diagnóstico, recorrer-se as várias tecnologias de ponta, entre RaioX, Tomografia Computarizada de Crânio, Angiográfico Encefálico, Ressonâncias Magnéticas, etc.

No âmbito das perícias forenses em asfixia, em acidentes de transito é comum que a cabeça do motorista e ou de um passageiro (nos táxis, os cintos de segurança são extensivamente ignorados ou não existem) se choque contra o painel, paredes do carro e noutros assentos ou obstáculos. Em casos de capotamento, ao longo dos reboliços e resvalamentos que a viatura experimenta, ocorrem mexidas desordenadas do tórax, abdómen, da cabeça, dos membros, etc. Com estes inesperados reboliços, surgem diversas lesões nas partes mais importantes e nos órgãos vitais, mormente na coluna cervical, no pescoço, nos pulmões, no estômago, no crânio, etc. surgindo deste modo, as fraturas fechadas e expostas. Neste processo de resvalamento e do consequente capotamento do veículo, existe a probabilidade de haver alguma paralisia muscular respiratória ou esmagamento do tórax e do abdómen dos usuários. Deste modo, o organismo ficaria com dificuldade de enviar oxigénio para os alvéolos, pois as vias de envio ficariam obstruídos, daí, a asfixia e/ou sufocação (anoxia/hipoxemia). É a partir deste ponto de vista que, em Medicina Legal se fala de um impedimento mecânico de causa violenta externa. É, porém, naqueles casos em que a privação do oxigénio deu-se de forma rápida e completa e, da qual, ao ter-se prolongado conduziu a morte.

O que ocorreu no cenário de crime

Aos 5 de julho de 2018, na Avenida Deolinda Rodrigues, nas imediações da UOL, uma viatura do tipo Hiace com matrícula LD-41-01-FQ, despista, capota e provoca a morte de Lucas Chivukuvuku ferindo outros ocupantes. O motorista do aludido táxi, João C. Eduardo, 29 anos de idade, encontra-se detido por condução em estado de embriaguez, com Taxa de Álcool no Sangue (TAS) avaliada em 1.05 gls; constitui crime, (art 290 o art 291o Código de Estrada). Outra ocupante, a cidadã Jacira Jamba Ambriz apresentou ferimentos graves. Existem neste momento, muitas vozes a criticar a inspeção no cenário de crime feita pela polícia, defendendo que a polícia não fez uma apreciação e análise idónea do cenário, e nem se quer, fez a reconstrução do acidente no local do crime no sentido de averiguar como terá Lucas caído e a que velocidade o suposto taxista seguia aquando do despiste (in Club K, caso de Lucas Chivukuvuku/ 11/07/2018.

É um dúbio crime contra a vida (homicídio ou acidente). Existe uma alegada decisão do comunicado da PGR e da Polícia Nacional manifestamente contrária à prova pericial do legista. Prevê-se disputa sobre a causa mortis, pois a família alega tal Asfixia e o Trauma Crânio Encefálico serem dolosos, não encontrando respaldo em todo o elenco probatório que descartasse a ideia de ter havido assassinato, porquanto que o comunicado das autoridades defende ter havido acidente, e a causa mortis ser a mesma acima aludida.

Neste imbróglio, a materialidade parece-nos comprovada pelo laudo de exame cadavérico que deu como causa mortis a Asfixia e o Traumatismo Crânio Encefálico Aberto (exposto). Nestas situações, o trauma no crânio lesiona os seios nervosos da dura-mater e muitas vezes apresentando sinais visíveis de fragmentos ósseos afundados e consequentemente, acontecer um bloqueio de comunicação com as zonas do côndilo occiotal e da foramen magno. Lesões gravíssimas que carregam consigo um fluxo sanguíneo difícil de parar e redundam em danos gravíssimos.

Já na asfixia, nem sempre a autópsia e o laudo pericial podem confirmar causa mortis por via de obstrução mecânica criminosa das vias aéreas ou constatar se houve intervenção ou vontade e ação do acusado. A dificuldade em precisar o meio utilizado para a consumação do delito, chama os peritos a uma análise elástica e rigorosa do conjunto probatório, porquanto que só atravez da apresentação de um instrumento seria possível concluir e determinar a materialidade e autoria do ilícito penal. Mas idóneo é, claramente pensar-se que os capotamentos de viaturas, ainda que não seja por contrição pelo cinto de segurança, a asfixia acontece, pelos reboliços violentos e involuntários que provocam bloqueio nos pulmões, evitam a entrada de ar nas narinas, etc.

No mesmo diapasão que, a simples presença de duas versões nos autos, uma a dar guarida à tese policial e da procuradoria que sustenta o acidente e, a outra apresentada pela família, partindo também do laudo, mas assinalando ter havido homicídio. Nestas circunstâncias, e sob o manto inafastável da determinação científica por via pericial, curvarmo-nos diante do resultado do laudo pericial. Mas, Instar a PGR e o SIC, a não ficar restrito apenas ao auto do exame cadavérico - a prova pericial, aliás o próprio legista fazia referência a busca de outros elementos complementares para a compreensão de tudo que ocorreu. Neste míster, chamar-se a investigação criminal para que venha dar respostas a estas inquietações. Há que se fazer estudos completos da prova e imbricar os dados num paralelo entre materialidade e autoria, para, então, formar um juízo seguro de convicção e fazer com que a família e toda a sociedade sinta confiança aos resultados do trabalho de investigação criminal feito ao caso Lucas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GREENBERG, A. (2008). Forensic Archives and Injuries. YalePublish. Yale University Alcosta B (2000). Tratado de Ciencias Forenses. Atos:SP

Marques, António (2009). Código Penal Angolano. Luanda:Texto Editores Lda. Angola

Código de Processo Penal e Legislação Complementar, Anotações de Ramos Grandão (2011). Luanda: Edições FD.

Código Penal angolano. Luanda: Faculdade de Direito Edições.

Constituição da República de Angola. Luanda: Faculdade de Direito Edições.

Estatutos orgânicos do Ministério Publico. Luanda: Faculdade de Direito Edições.

Silveyra, Jorge (2004). Investigacion Cientifica del delito. La cena de Crimen. Buenos Aires: Ediciones la Rocca

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Alcântara Costa, PhD (CRIMINALISTA E PERITO JUDICIAL) I

Investigador PostDoctor em Direito Processual Penal Doutor em Criminalística e Ciências Forenses

*Mestre em Inteligência Criminal