Luanda - Em encontro de antecâmara realizado na passada quinta-feira em Luanda, antes da sessão ordinária do Conselho Nacional de Segurança, na sequência de um pedido formulado ao Presidente da República pelo juiz-conselheiro Rui Constantino da Cruz Ferreira, os membros desse colégio ligados ao círculo da Justiça e do Judiciário que participaram nessa reunião restrita a pedido do Titular do Poder Executivo, consideraram improcedente a pretensão formulada pelo presidente do Tribunal Supremo e do Conselho Superior da Magistratura Judicial, de condução à liberdade de José Filomeno dos Santos, detido desde 24 de Setembro no Hospital Prisão de São Paulo, acusado do crime de peculato e branqueamento de capitais, no caso da transferência de 500 milhões de dólares, entretanto já recuperados pelo Estado angolano.

*Ramiro Aleixo
Fonte: Club-k.net

CONSELHO NACIONAL DE SEGURANÇA ‘CHUMBA’ PEDIDO

A questão, que não constava da agenda da reunião do Conselho Nacional de Segurança, foi introduzida, um tanto ao quanto de forma forçada, por Rui Constantino da Cruz Ferreira, que, de acordo com a fonte por nós contactada, havia antecipadamente garantido já ao ex-presidente da República, José Eduardo dos Santos, pai de José Filomeno dos Santos, que o mesmo seria posto em liberdade ainda ao fim da tarde de quinta-feira.


A nossa fonte, que por razões óbvias recomendou-nos a ocultação da sua identidade, deixou claro que, os argumentos apresentados por Rui Ferreira no encontro restrito com o Presidente da República, para justificar a libertação de José Filomeno dos Santos, baseado no pedido de habeas corpus requerido pelo seu advogado, não convenceram os demais membros do Conselho Nacional de Segurança convidados por João Lourenço.


Entretanto, o envolvimento directo do presidente do Tribunal Supremo na defesa de José Filomeno dos Santos, como também nos foi referido, está a ser entendido como resultado da influência que o ex. presidente da República, José Eduardo dos Santos, ainda detém sobre ele. Eventualmente, reitera a nossa fonte, porque, foi com o respaldo do antigo Chefe do Executivo que, incompreensivelmente, indignando a classe de juízes e juristas, Rui Ferreira foi mantido por nove anos (2008-2017) no exercício das funções como presidente do Tribunal Constitucional, acumulando privilégios, quando o mandato prevê apenas sete anos. Em face disso, terá beneficiado de algumas ‘ofertas’ de património público a custo zero, como um parque de campismo em Benguela, participações em empresas que lhe permitiu amealhar um bom ‘pé de meia’ e vasto património, incluindo largas extensões de terras virgens.


Foi-nos assegurado também pela nossa fonte que, de forma célere, já estava tudo preparado para que José Filomeno dos Santos deixasse o Hospital Prisão de São Paulo ao final da tarde de quinta-feira (4), pelo que, por via de ofício dirigido a Direcção Nacional de Investigação Criminal e Acção Penal (DNIAP) rubricado pelo Juiz de Turno Joel Leonardo, do gabinete do Juiz Conselheiro da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, com data de 03-10-018, foi solicitada a requisição do processo de José Filomeno, que tem a referência nº 22/18-DNIAP.


No ofício, com o timbre à vermelho de MUITO URGENTE ao alto, o Juiz de Turno Joel Leonardo, proveniente da Huíla e tido como próximo do general Leopoldino do Nascimento ‘Dino’, influente figura da entourage de José Eduardo dos Santos e com quem eventualmente terá concertado a estratégia, justifica a requisição do processo por se entender “imprescindível a uma melhor ponderação e decisão a consulta dos autos”, pelo facto de estar em curso naquela instância judicial, “os autos de impugnação Judicial da Medida de Coação, registados sob o nº 04/18 e 05/18 em que figuram como impugnantes José Filomeno de Sousa dos Santos e Jean-Claude de Morais Bastos”. Como é de domínio público entretanto, Jean-Claude Bastos de Morais não tem qualquer envolvimento no crime de que é acusado José Filomeno dos Santos, como é o caso dos 500 milhões de dólares em que aparece associado ao ex-governador do BNA Walter Filipe, embora se tenham relacionado ao abrigo da ligação destes à gestão do FSDEA.


De acordo com a informação que nos foi prestada pela nossa fonte, em relação a Jean-Claude Bastos de Morais - igualmente detido em prisão preventiva desde 24 de Setembro (mas ao contrário dos demais réus, em cárcere da Cadeia de Viana, sem se perceber quais as razões da diferenciação) - não existiu qualquer tentativa de fuga, tendo-se mostrado sempre disponível em colaborar com a Justiça para aclarar questões relacionadas com a alegada má gestão dos activos do Fundo Soberano de Angola (FSDEA) pela Quantum Global, de que é presidente e fundador, de que vem sendo acusado pela nova administração dessa instituição. Contudo, em relação a José Filomeno dos Santos, a medida de coação – prisão preventiva, resultou da evidência de tentativa de fuga do país.


Nesse contexto, a abordagem um tanto ao quanto forçada de Rui Ferreira até porque não era o fórum apropriado, causou alguma estranheza entre os membros do Conselho Nacional de Segurança, tendo em conta que, no acto de investidura do mais Alto Mandatário da Nação, o Presidente João Lourenço, o juiz, nas vestes de presidente do Tribunal Constitucional, incitou-o, de forma muito directa e profunda, a fazer o combate cerrado à corrupção. Disse designadamente: “A partir de hoje abre-se aos seus pés e para os próximos cinco anos, uma via-expressa para fazer o que prometeu aos angolanos. Faça-o Senhor Presidente, corrija o que está mal, melhore o que está bem, combata a corrupção. Fortaleça o Estado Democrático de Direito, diversifique a economia, melhore a qualidade de vida dos angolanos. Faça-o Senhor Presidente”.


Provavelmente, comentam ainda as nossas fontes, o objectivo dessa eloquência no seu discurso de empossamento do Presidente da República, longe de representar a ruptura com o passado, foi o de assegurar a sua continuidade no topo do poder Judiciário por mais sete anos (não renováveis), o que conseguiu. Mas, também, é entendida no quadro de uma estratégia mais ampla que vincou: de representação de uma certa influência do antigo poder ao mais alto nível, que poderá actuar como um travão ou condicionante no funcionamento da Justiça, sempre que os fiéis da balança penderem em desfavor de certa elite que desgovernou o país.


Contudo, embora se tenha assegurado a instalação e representação de um certo contra-poder no mais alto circulo do exercício do poder, provavelmente, com a sua intervenção nesse processo, Rui Ferreira abriu uma comporta (e uma briga, suspeição) de crispação na sua relação com quem tem sobre os seus ombros a responsabilidade do poder Executivo, mas que também pode influenciar o poder Legislativo, nas vestes de presidente do partido que detém a maioria parlamentar. Numa só palavra: com quem tem que levar a candeia para iluminar o processo de refundação do Estado angolano e neste momento só conta com ventos de bonança soprando nas velas da sua embarcação.

UM PERCURSO COM CRATERAS

Independentemente do que venha a acontecer, Rui Ferreira ficará na história como o Juiz que empossou dois presidentes da República, designadamente, José Eduardo dos Santos e João Manuel Gonçalves Lourenço, facto que, no cumprimento da legalidade não mais se repetirá, porque o mandato de quem exerce a função de presidente do Tribunal Constitucional é de sete anos, não revogáveis.

Apesar da Constituição impedir que os magistrados exerçam outras funções públicas ou privadas, são conhecidos alguns sinais de riqueza não justificada por parte do juiz Rui Ferreira. Por exemplo, em Novembro de 2014, o activista Rafael Marques, na sua página online Maka Angola, denunciou um caso de aquisição de mais de 24 000 hectares de terra pelo juiz conselheiro Rui Ferreira, então presidente do Tribunal Constitucional, juntamente com dois dos seus filhos, seguindo processos eivados de falta de transparência. A sua tentativa de esclarecimento do caso directamente ao denunciante, demonstrou-se pouco convincente.

Rui Ferreira foi também citado no Maka Angola por envolvimento na compra do imóvel Dom Quixote, em Luanda, que alberga o clube nocturno com o mesmo nome, que tem filial em Benguela, o Dom Q, situado no recinto da antiga feira (instalações do restaurante Ninho das Águias), gerida pelo MPLA, ao lado da qual mandou construir uma sumptuosa residência ainda por habitar.

“O constitucionalista e empresário da noite luandense exige um pagamento de cerca de cinco milhões de dólares por parte do sócio a quem supostamente defraudou” – refere à propósito o Maka Angola, acrescentando que “parte do valor, US $2,2 milhões, reportam-se a juros moratórios cobrados a 75 por cento ao ano sobre o valor de compra do imóvel, avaliado em US $550 mil”. Por obras de beneficiação, Rui Ferreira pedia então uma indemnização de dois milhões de dólares, mais o valor pago pelo edifício, que equivale a uma residência mediana de três quartos.

É tendo em conta eventual favorecimento que terá permitido o seu enriquecimento durante a gestão de José Eduardo dos Santos, maculada de falta de transparência e utilização indevida de fundos públicos, que faz com que Rui Ferreira se sinta ainda amarrado ao ex-presidente, não tendo como escapar ao pedido deste para intervir directamente no atendimento do pedido de habeas corpus, que pode conduzir a liberdade José Filomeno dos Santos.

A mediatização do próprio processo e os contornos que já atingiu, desaconselham qualquer intervenção de favorecimento, quer para não se descredibilizar a acção de quem tem sob sua responsabilidade a gestão desses processos, quer para se evitar que, mesmo em caso do escrupuloso respeito à lei e ao direito dos afectados (neste caso, quem foi abrangido pela execução das medidas coercivas), qualquer decisão, até mesmo que conduza a um regime de liberdade condicionada, enquanto se aguarda pelo julgamento, possa ser encarada pela opinião pública como fazendo parte do habitual favorecimento de uma certa elite predadora que condicionou o bem comum.


Mas, a conclusão a que se pode chegar é que, a primeira fase da estratégia de José Eduardo dos Santos para libertar o filho falhou, e por arrasto, acaba por complicar a vida de todos os demais detidos, coincidência ou não, por ocasião do primeiro ano de gestão de João Lourenço. É caso para dizer que, até 2025, quando terminar o mandato do Juiz Rui Ferreira, muita água ainda correrá debaixo desta ponte. Por agora, a imagem com que ficamos é que, o presidente do Tribunal Supremo acabou por colocar a velinha por cima do bolo de aniversário de JLO, que sai com a sua imagem de liderança mais reforçada.