Luanda - “Estado vende Movicel” é o título de um artigo jornalístico do OPAÍS Online que me fez ficar estupefacto, por nunca ter ouvido falar de tal privatização, nem muito menos de um concurso público que deveria ter sido realizado para o efeito.


Fonte: Os amigos angolanos


Alienação de património do Estado Angolano

Mais chocado fiquei quando li A Movicel foi privatizada, ficando o capital da operadora de comunicações móveis distribuído pela PORTMIL – Investimentos (40%), MODUS COMUNICARE (19%), IPANG – Indústria de papel e derivados (10%), LAMBDA – Investment (6%) e NOVATEL (4%). As empresas estatais Angola Telecom e ENCTA (Empresa Nacional de Correios e Telégrafos de Angola) ficarão a deter 18% e 2% respectivamente da Movicel.


Mais acrescenta o mencionado artigo jornalístico, que o Estado Angolano irá arrecadar nos próximos noventa dias a quantia de duzentos milhões de dólares resultantes desta privatização.


Trata-se, portanto, do assalto do ano, efectuado com o consentimento do Conselho de Ministros, sob proposta do Ministro das Telecomunicações e Tecnologias de Informação, com a anuência do Ministro das Finanças, ratificado pelo Primeiro-Ministro, tudo com vestes de legalidade nos termos do estatuído no Art. 3.º da Lei n.º 8/03, de 18 de Abril.


Não pode o povo angolano ficar quieto face ao assalto público que contra ele está a ser perpetrado, pelo que e usando as mesmas ferramentas dos assaltantes, que são as vestes de legalidade, importa agora encontrar as provas da falta de transparência deste processo de privatização da Movicel e que são motivo de desonra para todos os Governantes nele envolvidos.


Estamos a falar da alienação de património do Estado Angolano - a Movicel é uma empresa pública angolana – cuja competência para legislar sobre esta matéria é cometida, sob reserva absoluta, à Assembleia Nacional, tal não é o seu grau de importância – Artigo 89.º, alínea m), da Lei Constitucional da República de Angola.


Foi no cumprimento desta competência que a Assembleia Nacional legislou sobre esta matéria, através da Lei n.º 10/94, de 31 de Agosto (Lei das Privatizações), posteriormente alterada pela Lei n.º 8/03, de 18 de Abril.


O artigo 2.º da Lei n.º 10/94, de 31 de Agosto determina quais são os objectivos essenciais da privatização, ou seja, o Governo só deve privatizar empresas públicas se com essa privatização se cumprir algum dos objectivos designados no artigo em análise.


Sucede que, a meu ver nenhum dos objectivos traçados pelo Artigo 2.º da Lei n.º 10/94, de 31 de Agosto foi cumprido. A Movicel é uma empresa pública de sucesso e com um volume de facturação avultado, pelo que é imperioso que os Governantes envolvidos no processo de privatização de uma grande empresa pública como esta venham explicar ao povo angolano em que termos a venda da Movicel aumenta a eficiência e a competitividade da economia ou reforça a capacidade empresarial nacional.


Alguns objectivos do Artigo 2.º da Lei n.º 10/94, de 31 de Agosto estão certamente cumpridos a favor daqueles que irão beneficiar com esta privatização, é desenvolvido o sector privado e são certamente beneficiados alguns angolanos, que são os mesmos de sempre e que não são os trabalhadores da Movicel, nem os pequenos subscritores como impõe a lei – Alínea e), do Artigo 2.º da Lei n.º 10/94, de 31 de Agosto.


É dentro desta lógica que solicitamos a estes Governantes, e por a legislação angolana aplicável ao caso concreto o permitir, que expliquem em que termos é que o interesse público é prosseguido com a venda da Movicel.


Mais, é necessário que seja dado a conhecer ao povo angolano a avalização prévia ao processo de privatização da Movicel que deveria de ter sido efectuada por entidades credenciadas para o efeito, que fossem idóneas e independentes, tudo nos termos do estatuído no Artigo 6.º da Lei n.º 10/94, de 31 de Agosto. Importa determinar quanto vale a Movicel. Não sendo especialista de processos de avalização consigo afirmar que não serão certamente os míseros duzentos milhões de dólares que querem os novos accionistas oferecer pela mesma.


Ainda assim, o facto de não terem sido cumpridos com esta privatização nenhum dos objectivos estatuídos no Artigo 2.º da Lei n.º 10/94, de 31 de Agosto, ou de não ser do conhecimento público a avaliação prévia da Movicel, não é o mais gravoso neste processo, nem o que mais denota a falta de transparência deste processo de privatização.


A falta de transparência é evidente quando não se realiza um concurso público para a privatização da Movicel, quando se efectua o negócio da venda à porta fechada, sem conhecimento da sociedade civil e até mesmo sem o conhecimento de quadros superiores da Movicel.


Estatui o n.º 2 do Artigo 7.º da Lei n.º 10/94, de 31 de Agosto que “a privatização realizar-se-á em regra através de concurso público, aplicando-se apenas a casos absolutamente excepcionais os meios de concurso limitado ou ajuste directo.”


Face ao estatuído na lei e à preterição de uma formalidade essencial como a obrigatoriedade de realização de concurso público interessa saber qual é a razão absolutamente excepcional que fundamenta a não realização de concurso público.


Quiçá a resposta a esta questão não seja possível, uma vez que não se pode afirmar que a razão absolutamente excepcional que fundamenta a não realização de concurso público seja a de beneficiar terceiros de forma ilícita que ficam desta forma com um património público em troca de míseros tostões.


Mais, será igualmente a de não possibilitar a terceiros idóneos, e igualmente interessados em enriquecer, a benesse de adquirir uma empresa pública rentável a preço de saldos, uma vez que a existir concurso público o mesmo seria aberto a todas as entidades que preencham as condições genericamente estabelecidas – Artigo 8.º da Lei n.º 10/94, de 31 de Agosto.


Resta, agora, e em termos sucintos ver de que vícios administrativos padecerá este acto administrativo e quais as consequências jurídicas da prática do mesmo:

A.- A falta de concurso público, quando legalmente exigível, torna nulo o procedimento e o subsequente contrato, por preterição de um elemento essencial (Artigos 76.º, n.º 2, alínea f) e 127.º do Decreto-Lei n.º 16-A/95, de 15 de Dezembro).

B. - Estatui o Artigo 77.º do mesmo diploma legal que:

1. O acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade.

2. A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal.


Mais se diga que a Administração Pública no exercício da sua actividade deve tratar de forma imparcial todos casos concretos que lhe sejam cometidos e quando não o faz viola o princípio da imparcialidade consagrado no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 16 -A/95, de 15 de Dezembro.


Sucede, que a fundamentação do acto administrativo que privatiza a Movicel deverá ser acrescida, o que não se vislumbra possível, pois sabemos desde já que este acto administrativo padece do vício de desvio de poder por motivo de interesse privado.


Explique-se que haverá “desvio de poder por motivo de interesse privado” quando a administração não prossegue um fim de interesse público, mas um fim de interesse privado - por razões de parentesco, de amizade ou inimizade com o particular, por motivos de corrupção, ou quaisquer outros de natureza particular.


A consequência jurídica do desvio de poder por motivo de interesse privado é a nulidade do acto administrativo que privatiza a Movicel, com as vicissitudes já acima expostas.


Significa isto que o acto de privatização da Movicel será nulo por duas vias, a primeira que consiste na preterição incontornável da forma legal, a de concurso público, e a segunda que consiste na prossecução de interesses privados em detrimento do interesse público.


Diga-se, ainda, que o povo angolano solicita a digna intervenção do Tribunal de Contas em sede de fiscalização sucessiva para que realize um inquérito a fim de verificar a legalidade do processo de privatização da Movicel, tudo nos termos do n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 5/96, de 12 de Abril.


Roga, ainda, o povo angolano à Assembleia Nacional para que solicite ao Tribunal de Contas a realização do mencionado inquérito nos termos da mesma disposição legal.


Por fim, rogará o povo angolano à intervenção divina se as entidades responsáveis pelo cumprimento do seu melhor interesse nada fizerem, pois só essa lhe restará.