Luanda - Sabemos o papel que as galinhas ocupam no imaginário angolano. No fim de contas, foi na base de ovos de galinha que a primogénita do antigo Presidente angolano diz que construiu a sua fortuna. Pilhar galinhas tem um significado especial, que muitos sentados nas suas poltronas confortáveis não entenderão.

Fonte: Club-k.net



Os pilha-galinhas do Cafunfo


A verdade é que se os ovos das galinhas não tornam os outros angolanos bilionários, estas aves muitas vezes são o seu único sustento, por isso, é sempre criminoso alguém perder as suas galinhas, sobretudo, quando são as autoridades que roubam e matam as galinhas sem justificação.

Foi o que aconteceu no Cafunfo recentemente no âmbito da operação Transparência.


Vasco António Francisco, o dirigente da cooperativa Delende situada no município do Cuango em Cafunfo, conta, em queixa apresentada ao SIC local o que aconteceu às galinhas, e na realidade, a outros bens, pertencentes à cooperativa.

No dia 10 de Outubro de 2018, um grupo de forças da ordem e militares, dentre os quais se destacavam a Polícia da Ordem Pública, Forças Armadas Angolanas, a PIR e elementos da investigação criminal, saquearam a cooperativa Delende levando 2 motorizadas de marca LIFAN e FADA e chaves de ignição, várias redes de banhos, 1 plasma, várias cobertas da segurança, 1 rádio de comunicação de marca Motorola, 1 gerador, 3 tendas modernas, 3 colchões, 1 descodificador da DSTV Explorer,1 telemóvel de marca TCCEL, 3 lanternas grandes.

Além do saque, apoderaram-se de 7 galinhas que estavam na cooperativa. Alguns dos bens saqueados foram encontrados à venda nos mercados locais poucos dias depois.

E o pior foi o que aconteceu às galinhas. Foram mortas e cozinhadas, tendo os militares e polícias feito uma festa com elas acompanhadas de funje e regadas com cerveja e refrigerantes. Roubaram as galinhas e fizeram uma festa!

O presidente da cooperativa pede, e bem, que lhe sejam devolvidos os bens e compensado pela perda das galinhas. E insurge-se contra o facto de a operação Transparência em vez de servir para combater a imigração ilegal, estar a ser uma justificação para o saque das populações angolanas por parte das suas forças da ordem. Forças essas que deviam assegurar a protecção da população e não apoderar-se dos seus bens.

É sabido que a apreensão de bens ou mesmo o confisco de bens só pode ser realizado nos termos da Constituição (CRA) e da Lei, estando o direito de propriedade consagrada expressamente em termos muito fortes na lei suprema nacional. Dispõe o artigo 14.o da CRA que “O Estado respeita e protege a propriedade privada das pessoas singulares ou colectivas e a livre iniciativa económica e empresarial exercida nos termos da Constituição e da lei.”

Por sua vez a apreensão e a perda de bens a favor do Estado seguem procedimentos que, excepto em casos de flagrante delito, obrigam sempre à intervenção de um juiz. É claro o artigo 33.o, n.o 2 da CRA ao determinar que “Ninguém pode entrar ou fazer busca ou apreensão no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento, salvo nas situações previstas na Constituição e na lei, quando munido de mandado da autoridade competente, emitido nos casos e segundo as formas legalmente previstas, ou em caso de flagrante delito ou situação de emergência, para prestação de auxílio.”

Ora nenhuma destas situações se verificou na operação descrita pelo presidente da Cooperativa Delende.


Assim, ao agir como agiu, a polícia e as forças armadas angolanas cometeram um crime. Na realidade, fizeram aquilo que se denomina como roubo. Usaram a violência ou a sua ameaça para ficar com bens de terceiros. A polícia ou as forças armadas não podem entrar em casa de um cidadão e ficar-lhes com os bens. Isso éum roubo, um crime previsto e punido no Código Penal no artigo 432.o.

Nestes termos, a intervenção das forças da ordem descrita por Vasco António Francisco é ilegal e constitui um crime que deve ser investigado e punido.


Todas as forças, policiais ou militares, têm que agir dentro das normas da Constituição e da lei, não podem andar a pilhar galinhas para as comerem acompanhadas de cerveja e refrigerantes em ambiente festivo!