Luanda - O direito objectivamente considerado, é o conjunto de regras de conduta coativamente impostas pelo Estado. Na clássica conceituação de lhering, é o complexo das condições existenciais da sociedade, asseguradas pelo Poder Público. Em última análise, o direito se traduz em princípios de conduta social, tendentes a realizar justiça.

Fonte: Club-k.net

Portanto, se o direito não se predispor a realizar a justiça e a paz social, perde toda sua fundamentação existencial.

No caso concreto de Angola, por força do enunciado no artigo 1.º da Carta Magna (Constituição), o Princípio da Legalidade – segundo o qual todos actos e omissões têm que ser conformes a Lei – subordina-se ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, ou seja, do ponto de vista da Constituição as pessoas estão acima do Estado!

Toda e qualquer norma que visa subalternizar este princípio deverá ser afastada, por atentar contra o princípio basilar de qualquer Estado Moderno, que dá corpo ao Estado Democrático de Direito – o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é um valor moral e espiritual inerente à pessoa, ou seja, todo ser humano é contemplado desse preceito, independentemente da sua condição económica, posição social ou política, cor da pele, grupo étnico, etc., e tal constitui o princípio máximo do Estado Democrático de Direito.

Foi o célebre Immanuel Kant, quem formulou tal princípio na clássica obra "Fundamentação da Metafísica dos Costumes" (em alemão "Grundlegung zur Metaphysik der Sitten", de 1785), onde defendia que as pessoas deveriam ser tratadas como um fim em si mesmas, e não como um meio (objectos), e que assim formulou tal princípio: "No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade.”

A dignidade da pessoa humana abrange uma diversidade de valores existentes na sociedade. Trata-se de um conceito adequável a realidade e a modernização da sociedade, devendo estar em conluio com a evolução e as tendências modernas das necessidades do ser humano. Tal como, preceitua o Jurista Ingo Wolfgang Sarlet ao conceituar a dignidade da pessoa humana:

[...] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer acto de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover a sua participação activa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.”

É relevante referir que o reconhecimento da dignidade se faz inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis, é o fundamento da liberdade, da justiça, da paz e do desenvolvimento social.

Na Constituição angolana, a Dignidade da Pessoa Humana vem inscrita como o fundamento da República sua soberania e independência (art. 1º, primeira parte). Funciona, assim, como factor de legitimação das acções estatais e vector de criação e interpretação da legislação em geral.

Tal como bem ensina António Barroso, tais considerações não minimizam a circunstância de que se trata de uma ideia polissêmica, que funciona, de certa maneira, como um espelho: cada um nela projeta a sua própria imagem de dignidade. E, muito embora não seja possível nem desejável reduzi-la a um conceito fechado e plenamente determinado, não se pode escapar da necessidade de lhe atribuir sentidos mínimos.

A dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. O conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional, não uma qualquer ideia apriorística do homem, não podendo se reduzir o sentido da Dignidade da Pessoa Humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir “teoria do núcleo da personalidade” individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar à todos existência digna; a ordem social visará à realização da justiça social, à educação, ao desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania.

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, funciona como escudo contra o arbítrio do Poder, contra a lógica do Estado Hegemónico Legalista.

Todos actos do Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário) devem obrigatoriamente passar pelo teste de validade deste princípio, sob pena de ferirem todo quadro constitucional angolano.

É nesta perspectiva que se pede um Tribunal Constitucional, que saia da sua tradicional função de “árbitro das pelejas” dos políticos! Quando por força de Princípio Democrático, a maioria parlamentar pratica actos legítimos, mas capazes de violarem ou limitarem o exercício pleno deste valor basilar do Estado, o Tribunal Constitucional deverá por imperativo constitucional ser chamado a reconstituir a legalidade constitucional.

Como ensina Paulo Bonavides, ao procurar o significado da palavra “princípios”, encontra-se a terminologia utilizada, dentre outras formas, como proposições directoras de uma ciência, às quais todo o desenvolvimento posterior dessa ciência deve estar subordinado. Depreende-se dessa definição que a palavra “princípio” exprime a ideia de começo, onde tudo se inicia. Para o direito constitucional, o termo, quando esculpido dentro do contexto dos Princípios Fundamentais, diz respeito ao início de todo sistema jurídico, pois trata-se de toda a base em que se sustenta e desenvolve. Assim, os princípios constitucionais, postos no mais alto da escala normativa, eles mesmos, sendo normas, se tornam, doravante, as norma supremas do ordenamento. Servindo de pautas ou critérios por excelência para avaliação de todos os conteúdos constitucionais, os princípios, desde a sua constitucionalização, que é, ao mesmo passo, positivação no mais alto grau, recebem, como instância máxima, categoria constitucional, rodeada de prestígio e da hegemonia que se confere às normas inseridas na Lei das Leis. Com essa relevância adicional, os princípios se convertem igualmente em norma normarum, ou seja, normas das normas.

No Quadro Constitucional Angolano este princípio “norma das normas” é nos termos do artigo 1.º da Constituição da República de Angola, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.