Luanda - 1. Tenho recebido, de integrantes de vários grupos de whatsApp de que também faço parte, pedidos para comentar assuntos, sobretudo de índole económica e financeira, que têm marcado a actualidade nacional e internacional.

Fonte: Club-k.net

Por falta de tempo, nem sempre me é possível satisfazer tais pedidos. Tenho aberto algumas raras excepções. Hoje, abro mais uma, para comentar, ainda que de forma breve, o ambiente de forte agitação social, protagonizado pelos "coletes amarelos", na França de Emmanuel Macron.

 

2. Como estamos recordados, Emmanuel Macron foi eleito Presidente de França, em 7 de Maio de 2017, com um discurso arejado e moderno.

 

Definindo-se como estando acima da tradicional divisão, entre a esquerda e a direita, Macron prometeu, durante a campanha eleitoral, melhorar o funcionamento da economia e diminuir a fractura social, provocada pela grande disparidade de rendimentos auferidos por ricos e pobres, em França.

 

Macron, que havia sido ministro da Economia, no governo de François Hollande (tive a honra de acolher o Presidente François Hollande, em Luanda, no Seminário Económico Angola-França, organizado pelo LIDE Angola e pelo MEDEF - Mouvement des Entreprises de France), ganhou notoriedade com a publicação, durante a sua passagem pelo governo, da 'Lei Macron', que visava a promoção do crescimento económico e da igualdade de oportunidades para todos os franceses.

 

De político renovador, e símbolo da esperança numa França moderna e solidária, Macron passou a ser, ano e meio depois, fortemente contestado e apelidado de defensor de políticas neo-liberais de austeridade, ao pretender, 'inter alia': i. aumentar o preço do gasóleo e da gasolina (em consequência do aumento da carga fiscal sobre estes produtos); ii. aumentar a carga fiscal que incide sobre as pensões e sobre os subsídios devidos por horas extraordinárias; iii. flexibilizar as regras constantes do código de trabalho, 'maxime' liberalizando as regras relativas aos despedimentos; e iv. revogar o Imposto Solidário sobre as Grandes Fortunas.

 

3. É preciso dizer que Macron, com as medidas de natureza fiscal, que se propõe implementar, pretende diminuir o défice orçamental para 2,8% do PIB, respeitando as regras vigentes no espaço da União Europeia, tornando a economia francesa mais competitiva, num contexto económico internacional marcado por grandes incertezas, face às consequências ainda imprevisíveis do BREXIT e da guerra comercial entre os EUA, de um lado, e a Europa e a China, de outro.

 

Este ajustamento económico é visto, pela maioria dos franceses, como desejável e até inevitável. Logo, o problema não é o ajustamento em si, mas, sim, o de saber que grupos económicos e sociais devem suportar, e em que proporção, a factura do ajustamento económico.

 

A este respeito, Macron está a ser acusado de fazer recair sobre as camadas de menores rendimentos, sobretudo de rendimentos fixos (trabalhadores, em geral, e da função pública, em particular, bem como reformados), o grosso do esforço do ajustamento económico, ao mesmo tempo que protege as grandes fortunas (a supressão do imposto solidário sobre as grandes fortunas é citada como exemplo). Ao invés de uma França mais justa e solidária, o que os franceses estão a constatar é que Macron está a continuar a liderar uma França defensora dos mais fortes e privilegiados. Assim, surgiu o amplo movimento de contestação social, nas ruas.

 

4. Aqui chegados, é preciso explicar, ainda que de forma breve, que ninguém (nem os Estados, nem os indivíduos) pode viver, eternamente, acima das suas possibilidades, devendo, todos nós, equilibrar as despesas e as receitas. Por outras palavras: em princípio, ninguém deve gastar mais do que aquilo que ganha, ou seja, ninguém deve viver para além das suas receitas. Daí, a pressão a que Macron está sujeito, para reduzir o défice orçamental, em França.

 

Na verdade, quando os orçamentos são deficitários (despesas superiores às receitas), os Estados são forçados: ou a baixar a despesa pública, com cortes no investimento público, nas prestações sociais e nos efectivos da função pública, que são sempre impopulares; ou a encontrar receitas adicionais. Estas costumam advir do:

 

A) Aumento da carga fiscal, o que pode penalizar o consumo das famílias e o investimento das empresas, e ter consequências perversas sobre o crescimento económico, o emprego e a coesão social. Aparentemente, é a via escolhida por Macron, com as consequênciais sociais que se conhecem.

 

B) Endividamento público, tomando de empréstimo a poupança existente na economia, através, nomeadamente, de obrigações do tesouro e de bilhetes do tesouro, ou tomando de empréstimo poupança externa, recorrendo a financiamentos externos.

 

Também o endividamento público tem efeitos perversos, sobretudo quando se destina a financiar despesa corrente e não de capital, pois o serviço da dívida (capital e juros) transforma-se num sorvedouro de recursos que poderiam ser canalizados para o sector privado, para que ele possa desempenhar o seu papel de motor do crescimento económico. E, como é consabido, a despesa corrente não aumenta a capacidade produtiva do país, única via para garantir o reembolso sustentado da dívida.

 

C) Imprimir moeda, com o financiamento do défice público pelo banco central. Esta via, ao provocar o aumento do stock de moeda em circulação, independentemente do aumento de bens e serviços, provoca, igualmente, o surgimento de tensões inflacionistas na economia e a consequente penalização dos rendimentos fixos (como salários, pensões, abonos, etc), o que intensifica a conflitualidade social, como está a acontecer em França.

 

5. Nas palavras de Daniel Cohn-Bendit, que, em Maio de 1968, liderou a gigantesca revolta estudantil que abalou o governo então liderado por Charles de Gaulle, "Macron frustrou as expectativas da população e não está a cumprir as suas promessas eleitorais, de melhoria da situação económica e diminuição do fosso entre ricos e pobres."

 

Macron, ao constatar a dimensão do descontentamento popular, apoiado por mais de 55% dos franceses, reconheceu, em discurso pronunciado em 10/12, como sendo "justa, em muitos aspectos" a revolta dos franceses e anunciou um conjunto de medidas. De entre elas, o aumento, em € 100, do salário mínimo; a não imposição de qualquer carga fiscal adicional sobre os combustíveis; a não imposição de qualquer carga fiscal adicional sobre as horas extraordinárias e as pensões. Mas, Macrom não satisfez uma das principais reivindicações dos manifestantes: a reposição do imposto sobre as grandes fortunas.

 

6. Com estas medidas, Macron terá conseguido baixar, temporariamente, a fúria dos manifestantes. Mas, ao provocar a subida da despesa pública, para acomodar estas medidas, num montante que se estima variar entre USD 8 biliões e USD 10 biliões, elevando o défice orçamental para 3,2% do PIB, Macron expõe a França a sofrer as consequências por défice excessivo, no quadro das regras da União Europeia. E resta saber de que modo irá financiar esta despesa pública adicional.


Ainda a pedido, em próximo artigo, falarei do imposto sobre as grandes fortunas, do seu sentido e limites, num quadro de liberalização dos movimentos de capitais. E tentarei reflectir sobre os receios, que alguns sectores da nossa sociedade vêm exprimindo, sobre o iminente programa de assistência financeira com o FMI.

Aguinaldo Jaime,
Presidente do LIDE Economia