Luanda - É com grande afinco que friso sobre uma parte muito restrita dos sujeitos contemplados no art. 77° da Constituição da República de Angola (adiante, abreviada por CRA). Para quem ler este artigo terá um melhor entendimento deste tema. Indago sobre a terceira idade, os nossos mais velhos, carentes de uma melhor protecção social. Tal temática leva-me a fazer uma excursão analisando a nível de um facto real, do Direito e dos diversos diplomas nacionais, como a CRA, a Lei de Bases da Protecção Social (nº 7/04 de 15 de Outubro) e internacionais que contemplam essa protecção.

Fonte: Club-k.net

* Do Facto

No dia 15 de Dezembro do corrente ano, numa manhã bela, decidi fazer uma visita a um centro que presta assistência aos idosos, aquilo que hodiernamente chamamos por “ beiral”, um dos mais conhecidos da nossa cidade de Luanda. Posto lá, várias pessoas chamaram-me a atenção, mas pela aglomeração apenas poderia escolher um de tantos, foi então que encontrei o Sr. Carlos Monteiro (nome falso), deficiente visual desde a sua infância, abandonado pela família naquele centro, pela ausência de meios económicos para custear tratamentos e acompanhamento profissional. Sr. Carlos foi o motivo que levou-me a escrever este comentário, através das diversas coisas que o mesmo relatou, a partir da ausência de alimentos e medicamentos ao furto destes produtos pelos próprios responsáveis do centro.

* Direito à Protecção Social

A partir da Lei de Bases da Protecção Social (nº 7/04 de 15 de Outubro) podemos retirar vários conceitos daquilo que vem a ser a protecção social. Por ela entende-se como sendo “ o sistema estatal que, mediante as contribuições público-privadas proporcionam àqueles, em situações que não podem desenvolver a sua atividade profissional, como doença, parentalidade e aposentação “.

O ordenamento jurídico angolano determina, desde a Lei Constitucional da República Popular de Angola de 11 de Novembro de 1975, que todos os cidadãos “têm direito à protecção social” (art.º 18 e 28), cabendo “ao estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de proteção”, tal formulação sofreu alterações benévolas, e subsistiu no texto constitucional até hoje, sobrevivendo aos processos de revisão constitucional, parece apontar para o princípio da proteção social universal, que historicamente caracteriza a ideologia social-democrata. Ou seja, assim enunciado, o “direito à protecção social” parece configurar-se como incondicional, um direito a ser garantido a todos os cidadãos, em quaisquer circunstâncias, tal como se afirmava para outros direitos sociais, como o direito à saúde ou à educação. Aponta-se, assim, para um modelo de Estado social, tanto mais que se sublinha caber ao próprio estado organizar os serviços que asseguram esta proteção social aparentemente universal. O princípio do Estado social implica a consagração de direitos económicos, sociais e culturais (art. 76° e ss. da CRA) como autênticos direitos fundamentais, plenamente integrados na ordem constitucional democrática de Estado de Direito. Estes direitos deduzem-se do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual aponta para o princípio da indivisibilidade dos direitos fundamentais, sejam eles de natureza pessoal, civil ou política, sejam eles de natureza económica, social ou cultural.

Perscrutando a nível internacional encontramos o Plano de Acção das Nações Unidas sobre o Envelhecimento, de 1982, os Princípios das Nações Unidas relativos aos Idosos, de 1991, a Declaração das Nações Unidas sobre o Envelhecimento, de 1992, o Plano de Acção de Madrid sobre o Envelhecimento (MIPPA) de 2002, o Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos relativo aos Direitos dos Idosos em África, de 2016, entre outros. Estes diplomas dão-nos maior credibilidade da existência e protecção deste direito, tornando a sua força normativa peremptória e com respaldo nacional e internacional.

* Pragmatismo na Sociedade Angolana

A protecção social é um direito constitucionalmente consagrado, a sua aplicabilidade é mediata, e fazendo jus às normas programáticas constantes do art. 21 alíneas b); c); d); h) e art. 77° da CRA. Do facto citado, pude constatar que a protecção social para idosos sofre uma restrição e incompletude quanto aos meios de auxílio. A crítica que faço aqui consiste no furto ou ocultação dos produtos que algumas instituições doam a estes centros pelos seus responsáveis, alguns levam em suas casas, outros vendem, tal atitude é inconcebível e ofende categoricamente a dignidade humana; ora é verdade que com o pouco que se dá haverá subsistência, mas quando o pouco já lhes é retirado, cai-se na precariedade, no sofrimento, isto contraria também os ditames bíblicos e morais que regem uma sociedade.

* Assistência na Velhice

São conhecidas diversas formas de assistir a um idoso, desde prestações alimentícias, acompanhamento medicamentoso, diálogos, entre outras, actualmente existem várias associações de voluntariado de jovens com patrocínio nalguns casos e outros sem, que ajudam da melhor forma possível a levar meios para esses idosos. Há cada vez mais idosos que vivem em situação de total carência, precariedade e abandono, enquanto os seus familiares vivem em situação confortável. Assim sendo, a pessoa idosa tem direito a receber pensão de alimentos dos filhos ou outros descendentes desde que não possuam meios próprios de ter acesso a alimentação, água, habitação, vestuário, saúde, apoio da família e da comunidade.

De uma forma lacónica, chamo à colação para uma maior concretização da CRA, da Lei de Bases da Protecção Social, ao apoio da máxima efectividade para as entidades público-privadas nacionais e internacionais a ajudarem a maximizar a efectivação deste direito aos idosos e clamando que tais práticas sejam incansavelmente denunciadas, sob pena de contribuirmos para a impunidade de quem se acha impune.

Bibliografia

Constituição da República de Angola

Lei Constitucional de 11 de Novembro de 1975

MACHADO, Jónatas E. M; DA COSTA, Paulo Nogueira; HILARIO, Esteves Carlos. Direito Constitucional Angolano : Coimbra Editora, 2ª Edição, Janeiro 2013

Sites:

http://www.smpsaude.pt/apoio-familiar/assistencia-a-idosos/

http://www.mprn.mp.br/revistaeletronicamprn/abrir_artigo.asp?cod=1043

By. Willkenny Custódio in Pensamentos, 2018