Luanda - Um desafio interessante para os investigadores em ciências sociais e políticas é o estudo aprofundado de situações causadoras de instabilidade nas relações diplomáticas entre Angola e Portugal. No livro “Savimbi, Vida e Morte”, de João Paulo Guerra, editado, em Lisboa, pela Bertrand Editora, há uma resenha cronológica, resultante de um apurado trabalho de investigação, que nos permite inferir, ainda antes da independência de Angola, quanto ao clima de tensão nas relações entre os dois países.

Fonte: JA

Logo de início assistimos à criação, em Luanda, entre 4 e 16 de Julho de 1974, de um movimento de colonos associado à extrema-direita, denominado Frente de Resistência Angolana (FRA) e a 24 de Agosto de 1974, aquele mesmo movimento declarou em Luanda, que não hesitaria em desencadear um golpe de força para evitar “a entrega de Angola” aos “extremistas de tendência comunista do MPLA”. António de Spínola era, à época, presidente da República e a 14 de Setembro de 1974, “reúne-se com o presidente Mobutu na ilha do Sal, com quem debate projectos para o futuro de Angola.”


A 8 de Junho de 1974, a revista Afrique-Asie publica as primeiras revelações sobre os contactos e acordos entre Jonas Savimbi e as autoridades militares e policiais portugueses e a 14 de Junho de 1974, uma delegação militar portuguesa reúne-se, em Cangumbe, com Jonas Savimbi e anuncia, posteriormente, que tinha sido aberto “o diálogo político com vista ao estabelecimento da paz”. O acordo para a “cessação das hostilidades” estabelece que as tropas da UNITA deveriam ser acantonadas em áreas “já definidas na Operação Madeira”.


Em Agosto de 1971, é publicada em Portugal a Lei de Revisão Constitucional e Angola e Moçambique passam a ser designados por “Estados”. Foi neste mesmo ano e mês, que “quadros da UNITA estabelecem contactos com madeireiros portugueses no Moxico, com vista a definir um modus vivendi na região e a cooperar “na luta contra a UPA e o MPLA.” Francisco da Costa Gomes, era, desde 1970, Comandante Militar de Angola e consta da sua biográfica oficial no Wikipédia, que em Angola “(…) procede à remodelação do comando-chefe e defende um entendimento militar com a UNITA, contra o MPLA e a FNLA.”


Neste contexto, a 25 de Novembro de 1971, um despacho do director-geral da DGS cria o Grupo de Trabalho Madeira com vista à “integração” de Jonas Savimbi e da UNITA e, a 3 de Dezembro de 1971, o Governo-Geral de Angola aprova o plano de operações para a “integração dos guerrilheiros da UNITA” com o estatuto de “tropas irregulares” e propõe conceder a Savimbi um posto administrativo.” Aquando da reunião de Cangumbe, Francisco da Costa Gomes era membro da Junta de Salvação Nacional e após a renúncia de Spínola, foi eleito, a 30 de Setembro de 1974, presidente da República Portuguesa. Foi no seu mantado, que Portugal foi o 82º país a reconhecer a República Popular de Angola, a 23 de Fevereiro de 1976, após o Congresso dos EUA ter aprovado, a 18 de Fevereiro de 1976, a Emenda Clark, que proibia o envolvimento daquele país em Angola.


Na sequência das eleições legislativas realizadas a 25 de Abril de 1983, o Governo em Portugal passa a ser chefiado por Mário Soares e 1983 marca o início de um lote de acontecimentos hostis à governação do Estado angolano, a partir de Lisboa:


- Um porta-voz da Presidência da República portuguesa declara que “a legislação disponível permite a actuação das autoridades competentes” em relação aos opositores em Portugal ao Governo angolano (Abril de 1983), apesar do conselheiro de Estado Melo Antunes considerar “perfeitamente inaceitável que Portugal possa servir de refúgio a elementos que combatem activamente Angola e o seu governo legalmente estabelecido” (17 de Dezembro de 1983);


- Em conferência de imprensa, representantes da UNITA em Lisboa anunciam que mantêm sequestrados 27 cidadãos portugueses. Acrescentam, por outro lado, que “nunca foram postos entraves por parte das autoridades portuguesas às actividades da UNITA” (7 de Abril de 1983), daí que Jeremias Chitunda, secretário para as relações exteriores da UNITA, tenha visitado Portugal, a 3 de Agosto de 1983, onde manteve contactos com políticos, empresários e jornalistas;


- A revista católica francesa “Temoignage Chretiene” acusa o Governo português de ter transformado Lisboa “no principal centro de propaganda dos serviços secretos sul-africanos” (22 de Setembro de 1983);


- A UNITA anuncia em Lisboa que libertou 23 portugueses que mantinha sequestrados em Angola (28 de Setembro de 1983);


- A 12 de Outubro de 1983, a Polícia do aeroporto de Lisboa prende um dirigente do MPLA, em trânsito pela capital portuguesa, acusando-o de ter desertado do Exército português, em 1971.


Entre 9 de Março de 1986 e 9 de Março de 1996, Mário Soares foi presidente da República e, em Abril de 1988, “dissidentes da UNITA radicados em Portugal abandonam o país por temerem represálias por parte da organização, após denunciarem o fuzilamento de antigos chefes militares, entre os quais António Vakulukuta, Waldemar Chindondo e Alberto Xendovava.


Quando, a 14 de Novembro de 1997, na presidência de Jorge Sampaio e no governo do primeiro-ministro António Guterres a UNITA é notificada para que cesse toda a sua actividade em Portugal, nos termos das sanções impostas pela ONU, a delegação da UNITA em Lisboa passa, nesse mesmo mês e ano, a designar-se Centro para o Desenvolvimento e Democracia para Angola. Só a 20 de Janeiro de 1999, o ministro português Jaime Gama responsabiliza a UNITA pelo insucesso do processo de paz em Angola. Em resposta, a Comissão Política da UNITA, a 22 de Fevereiro de 1999, acusa os governos portugueses, de desenvolverem desde 1975, uma política “paternalista e neocolonialista” procurando manter o “sistema colonial” em Angola.


Porém, a 14 de Maio de 1999, “deputados do Partido Socialista Português e do Partido Popular recebem na Assembleia da República uma representação da UNITA, apesar das restrições internacionais decretadas pela ONU contra o movimento de Savimbi”. Pouco depois, Almeida Santos, presidente da Assembleia da República portuguesa, declara em Luanda, a 11 de Julho de 1999, que “depois de terem falhado os Acordos de Alvor, Bicesse e Lusaka, violados sempre pelo mesmo subscritor, é possível que os angolanos tenham de encontrar solução para a paz pela via militar”. Mas, o Relatório da ONU sobre Verificação de Sanções contra a UNITA, de Outubro de 2001, aponta Portugal como o país que mais fecha os olhos às actividades dos representantes de Savimbi.


Após 2002, com a paz em Angola, as relações entre os dois Estados tornaram-se menos tensas e a estratégia de ataques passou a ser feita de forma mais requintada, a coberto de uma determinada comunicação social. Como diz o provérbio em umbundu: “Tchikete wavunda, tchindimba okuata v’ondalu”; ou seja, “sucata enferrujada, o incauto pega no fogo”.