Luanda - UNITA manifesta sua posição em relação a eleição atípica do Presidente da RepúblicaOs membros da UNITA que integram a Comissão Técnica da Comissão Constitucional afirmaram hoje não haver impedimento técnico-jurídico para que se realize a eleição presidencial estando em funções um governo já eleito em 2008.
Fonte: UNITA
Esta posição foi manifestada durante um encontro com a imprensa em que os membros da comissão técnica demarcaram-se das posições defendidas pelo coordenador do órgão, Carlos Feijó, adiantando que os argumentos que este esgrimiu são de responsabilidade pessoal. Fizeram ainda saber que o órgão não se reúne em plenário há mais de trinta dias e que tal situação, além de empobrecer a análise das propostas belisca a acção colegial do órgão e pode comprometer o cumprimento do calendário e da metodologia de trabalho.
REPÚBLICA DE ANGOLA
COMISSÃO TÉCNICA DA COMISSÃO CONSTITUCIONAL
NOTA DE ESCLARECIMENTO
Os membros integrantes da Comissão Técnica da Comissão Constitucional, abaixo identificados;
Tendo tomado conhecimento público da defesa de certas posições políticas, pelos seus membros, em particular pelo seu Coordenador, Dr. Carlos Maria Feijó, inerentes às disposições transitórias e ao conteúdo de algumas propostas;
Tendo a Comissão Técnica deliberado pela prescindibilidade de um Regulamento Interno e pela não intervenção pública dos seus membros em matérias conflituantes ligadas às propostas sob análise,
Considerando que a Comissão Técnica não se reúne em Plenário há mais de trinta dias e que esta situação empobrece a qualidade da análise das propostas, belisca a acção colegial do órgão e pode comprometer o cumprimento do calendário e da metodologia de trabalho estabelecidos;
Considerando ser necessário criar e manter um clima institucional e psicológico adequado para garantir o cumprimento da Lei, a formação dos mais amplos consensos e a livre, democrática e informada participação dos cidadãos no processo constituinte;
Vêm tornar público o seguinte:
I – SOBRE A ORIGEM DAS POSIÇÕES DEFENDIDAS
1) As posições defendidas pelo Professor Carlos Feijó no programa Caras da TV Zimbo, de 8 do corrente e retransmitidas nos últimos dias pela imprensa, que condicionam a realização da eleição presidencial à conclusão do processo constituinte, são posições pessoais, não discutidas pela Comissão Técnica.
2) As posições defendidas pelo Professor Carlos Feijó, que considera inviável a realização da eleição presidencial em 2009 ou em 2010, por esta implicar a destituição do Governo em funções, também são posições pessoais, não discutidas pela Comissão Técnica.
3) A proposta de eleição atípica, ou seja, abolir a eleição presidencial, para se escolher o Presidente da III República com base nos resultados da eleição dos Deputados, formulada pelo Presidente da República e defendida pelo Dr. Carlos Feijó, não consta dos documentos oficiais legítimos remetidos pelos Partidos Políticos à Assembleia Nacional.
II- SOBRE A VIABILIDADE E NECESSIDADE URGENTE DA REALIZAÇÃO DA ELEIÇÃO DO PRESIDENTE DA II REPÚBLICA
4) Relativamente à questão de se saber se é ou não viável realizar-se a eleição presidencial estando em funções um Governo já eleito há um ano e antes da aprovação de uma nova Constituição, afigura-se-nos, no interesse público, esclarecer o seguinte:
a) A eleição do Presidente da República é um acto de soberania do povo angolano, que os poderes públicos já decidiram organizar, ainda em Dezembro de 2007, quando foram marcadas eleições separadas para eleger os Deputados e o Presidente da República.
b) Não há nenhum impedimento técnico-jurídico, nem político, para que não se realize a eleição presidencial estando em funções um Governo já eleito, porque Governo e Presidente da República são órgãos distintos da República, cuja eleição obedece a sistemas eleitorais distintos compatíveis com a natureza distinta destes dois órgãos.
c) De facto, no início da transição constitucional, em 1992, Angola mudou de regime político e elegeu um novo governo. No meio desta mudança, foi realizada a eleição presidencial. Depois da eleição presidencial, o Presidente da República demitiu o Governo e nomeou um novo Governo, tal como manda a Lei.
d) O Presidente da transição, que promulgou a Lei constitucional vigente, sabe bem que a eleição do Presidente da República não implica a dissolução da Assembleia eleita em Setembro do ano passado. O nosso sistema misto permite a coabitação política para a realização dos objectivos nacionais, se esta for a vontade geral dos cidadãos expressa nas urnas.
e) Citamos, como exemplo, o Decreto número 82/92, de 4 de Dezembro. Com base nos resultados finais do apuramento eleitoral, o Presidente da República nomeou “o Primeiro-ministro da República de Angola, ouvidos os Partidos políticos com assento Parlamentar.” O Decreto estabeleceu ainda que o Primeiro-ministro ora nomeado “deveria apresentar ao Presidente da República a proposta de composição do Governo para efeitos de nomeação.” É isto que o novo Presidente da República deverá fazer logo após a eleição presidencial.
f) Portanto, Angola já tem um precedente para lidar com o pluralismo político resultante da representação política multipartidária nos diversos órgãos do Estado. No nosso sistema democrático multipartidário, nada obsta que o Presidente da República, que é o Chefe do executivo, seja de um Partido diferente da maioria parlamentar que fiscaliza o executivo.
g) Do ponto de vista jurídico-constitucional, a convocação da eleição presidencial é uma necessidade imperativa e urgente imposta pelo regime político vigente e pela Lei Constitucional.
h) Ao não convocar a eleição presidencial sem fundamentos excepcionais, o Presidente da República está a beliscar a legitimidade da ordem política estabelecida e a retirar legitimação ao actual titular do cargo Presidente da República. Como ensina Canotilho, é a estrita observância das normas constitucionais que confere legitimidade a uma ordem política e dá legitimação aos respectivos titulares do poder político. Precisamente por isso se diz que a constituição se assume como estatuto jurídico do político. É a Constituição que funda o poder, é a Constituição que regula o exercício do poder, é a Constituição que limita o poder. Numa palavra: é a Constituição que justifica ou dá legitimação ao poder de mando, ou, para utilizarmos uma formulação clássica, é a Constituição que confere legitimação ao exercício da coação física legítima. A consequência prática mais importante desta função legitimatória é basicamente esta: no Estado constitucional não existe qualquer poder que, pelo menos, não seja constituído pela Constituição e por ela juridicamente vinculado.
i) Nos termos da Constituição, o cargo de Presidente da República é um cargo representativo, que deve ser exercido apenas pela pessoa escolhida pelo povo, em eleição periódica, directa e secreta.
j) Ao não convocar a eleição directa do Presidente da República e persistir em exercer o poder político sem mandato e contrariamente à vontade nacional expressa na marcação da eleição para 2009, o Presidente da transição está a exercer o poder do povo de forma ilegítima e inconstitucional, em violação a um princípio estruturante da República, o princípio democrático.
k) Violando o princípio democrático, o Presidente da República inviabiliza a densificação do princípio da soberania da vontade popular através do princípio de renovação dos titulares de cargos públicos.
III- SOBRE A PROPOSTA DA ELEIÇÃO ATÍPICA DO PRESIDENTE DA III REPÚBLICA
a. A proposta de eleição atípica, tornada pública por Sua Exa. o Presidente da República, não consta dos documentos oficiais legítimos remetidos pelos Partidos Políticos à Assembleia Nacional no prazo legal, que já expirou.
b. A proposta de eleição atípica significa a supressão do direito fundamental dos cidadãos de eleger por sufrágio directo e secreto próprio, o poder executivo do Estado, o principal órgão de soberania no regime democrático presidencial. Não tem fundamento doutrinário. Implica eleger na mesma eleição e através do mesmo boletim de voto, dois órgãos distintos de soberania, com sistemas eleitorais distintos, com mandatos distintos, regimes de candidaturas distintos e regimes de inelegibilidades distintos.
c. A proposta do Partido MPLA submetida à Assembleia Nacional não é a eleição atípica. A proposta do Partido MPLA contempla eleições separadas e distintas para o Presidente da República, para os Deputados da Assembleia Nacional e para as autarquias. O sistema eleitoral, o regime de elegibilidades e o regime de candidaturas propostos para a eleição presidencial são bem diferentes do sistema eleitoral, do regime de elegibilidades e de candidaturas da eleição dos Deputados. Não foi submetida à Comissão Técnica, para análise ou parecer, nenhuma proposta que contempla o voto conjunto obrigatório para eleger dois órgãos distintos de soberania na mesma eleição e através do mesmo boletim de voto.
d. A proposta de eleição atípica do Presidente da III República padece de desconformidade legal, por falta de competência absoluta do órgão que a formulou. É evidente que tal proposta deve ser rejeitada, porque, nos termos dos Artigos 8º e 9º da Lei nº 2/09, de 6 de Janeiro, o poder constituído Presidente da República, não tem competência para apresentar, nesta fase, propostas e contribuições ao projecto de Constituição da República de Angola.
e. A proposta de eleição atípica do Presidente da III República deve também ser rejeitada por estar eivada de desconformidade constitucional. Os princípios, regras e procedimentos consagrados na alínea a) do artigo 88º, no número 1 do artigo 158º e no artigo 159º da Lei Constitucional, que regulam a actuação da Assembleia Constituinte, não permitem que os angolanos aceitem a proposta de eleição atípica acima referida, sob pena de ruptura constitucional. O exercício do poder constituinte derivado pela Assembleia Nacional obedece a normas e princípios que limitam o âmbito da sua actuação. Tais limites foram concebidos como vinculações heterónomas indisponíveis ao poder constituído Assembleia Nacional, mesmo nas vestes de poder constituinte.
f. De entre tais limites, destacam-se a separação entre Assembleia Nacional e Presidente da República, a eleição directa dos titulares distintos e separados destes dois órgãos, a aprovação da Constituição apenas pela Assembleia Nacional e não por nenhum outro órgão. Estes princípios e normas devem ser obrigatoriamente consagrados na Constituição da República de Angola. Trata-se de uma jurisdicização do poder constituinte.
g. Relativamente às propostas de disposições transitórias, que regulam os mandatos vigentes dos órgãos electivos do Estado, a Comissão Técnica da Comissão Constitucional apenas recebeu uma proposta, a do Partido UNITA, que ainda não foi objecto de discussão. Nenhum outro Partido ou órgão do Estado, apresentou, em tempo útil, propostas formais reguladoras dos mandatos vigentes, nos termos estabelecidos pelos Artigos 8º e 9º da Lei 2/09, de 6 de Janeiro.
h. Em síntese, cumpre-nos recordar que, nos termos da Lei Constitucional da República de Angola: (a) somente o povo angolano tem legitimidade para eleger o Presidente da República. (b) A Assembleia Nacional não tem legitimidade, nem para eleger o Presidente da República, nem para alterar o modo dessa eleição por sufrágio directo, universal, secreto, periódico e igual. (c) Por sua vez, o Presidente da República actual não tem legitimidade para condicionar nem para desmarcar a realização da eleição marcada para o ano de 2009.
Os Técnicos da Comissão Técnica da Comissão Constitucional
Armindo Moisés Cassessa
Cláudio Henriques da Silva
Casimiro Calei