Luanda - Nos últimos meses, muito se tem dito e escrito através das redes sociais, acerca do último concurso público para médicos. Também, pudera, depois de termos sabido que até aqui todo o mundo era admitido em concursos públicos, independentemente da classificação obtida nas provas, não era de esperar que nos mantivéssemos calados.

Fonte: Club-k.net

Ouviram-se opiniões favoráveis e opiniões desfavoráveis à medida de realização de concurso público para médicos. Cheguei a ouvir declarações de deputados, nessas duas direcções.

Mas a maioria das opiniões era contra haver prova no concurso de acesso para médicos.

O que é preciso dizer a este respeito?


A questão primeira é: os médicos que trabalham no serviço público são funcionários públicos ou não são?


Se são funcionários públicos e se a regra é a realização de concurso com prova para admissão de funcionários públicos, então a conclusão só pode ser uma: os médicos que vão trabalhar no serviço público têm necessariamente de ser submetidos a concurso, do mesmo modo que os demais funcionários públicos!


Por que razão os médicos deveriam ter tratamento diferenciado? Não vejo motivo para isso. Até porque o resultado de admissões sem importar a competência profissional está à vista de todos, em escolas, hospitais e demais serviços públicos (sem excepção).


Ainda ontem vi o vídeo da intervenção de um conhecido deputado da oposição, dando conta que os médicos não deveriam ser submetidos a concurso público, pois há falta de médicos.


Bem, não me parece que este argumento possa colher, até porque sempre que se admite pessoal no funcionalismo público é porque há falta de pessoal. Não se pode admitir pessoal por não haver falta...


No caso do último concurso (e como é normal suceder), até houve mais candidatos que vagas. Portanto, ainda que não houvesse a regra de obrigatoriedade de admissão no funcionalismo público por concurso, a forma que haveria para selecção seria necessariamente uma prova. E foi isso que foi feito.

Muito bem feito, aliás, pois graças a isso se verificou (tal como se tinha visto no caso dos docentes) que há pessoas que deviam voltar para a escola, por não estarem capacitados para o exercício da profissão de médico.


Se não se admite haver professores que não saibam sequer para si próprios (e por isso vão deformar os seus alunos para toda a vida), menos ainda se admitirá haver médicos que não passem de “carniceiros com diploma de médico”.


O assunto é sério demais para continuarmos a fazer de conta que o problema não existe. Durante muito tempo, alguns responsáveis do sector assobiaram para o lado em relação a esta matéria – e deviam ser julgados por isso, pois todos sentimos os efeitos negativos que daí advêm.
Hoje, devemos sublinhar positivamente o facto de o governo ter alterado o modus operandi, com obrigatoriedade de avaliação preliminar e deixando de haver admissão sem um mínimo de garantia.


É isso que está certo e temos de parabenizar o executivo angolano por ter começado a dar ouvidos à crítica, que visa apenas “corrigir o que estava (muito) mal”. E com efeitos que vamos sentir ainda durante duas ou mais décadas.

O que incluir na prova de concurso público?

Penso que a questão pertinente tem a ver com o que incluir na prova do concurso público.

Ou seja, será que a prova para admissão de médicos deve conter apenas perguntas de medicina, ou também algumas outras?

Sei que os candidatos se pronunciaram contra a inclusão de perguntas de cultura geral.


No último concurso, a proporção encontrada foi de 80% para perguntas da área (designadamente, 60% para medicina e 20% para ética médica) e 20% para cultura geral.


Pessoalmente, nada tenho contra a inclusão de perguntas de cultura geral, desde que a proporção seja baixa (como foi o caso).


Aliás, sou daqueles que consideram que deveria haver (pelo menos) uma disciplina de “Problemas sociais de Angola” em todos os cursos superiores que se ministram no país. Médicos, enfermeiros, engenheiros, juristas, químicos, economistas, psicólogos, matemáticos, físicos e demais profissionais trabalham num contexto social, que deveriam conhecer minimamente (coisa que não ocorre, infelizmente, porque não se dá ouvidos à opinião especializada).

Mas, a acreditar no que foi noticiado, o que sucedeu no último concurso público para médicos foi que muitos dos candidatos tiveram melhor prestação em cultura geral, que em medicina e ética médica.

A comprovar-se isso, quer dizer que estariam mais preparados para trabalhar em cultura geral do que em diagnóstico e prescrição médica – o que atesta claramente em desfavor do sistema de ensino superior e demonstra uma vez mais a razoabilidade da exigência de prova para acesso à carreira pública, também para o caso de pessoal do sector da saúde.


Por outro lado, as insuficiências detectadas no último concurso são coisas que não podem ocorrer. Pôr candidatos à espera, durante horas (houve casos de espera das 8 às 16 horas), para fazer uma prova é sinal de inaceitável desorganização e de desrespeito para com os candidatos. Monstros como os Ministérios da Educação ou da Saúde (para citar apenas dois exemplos) não podem demonstrar publicamente inabilidade para organizar um simples exame de acesso.

Os argumentos de que “a fotocopiadora avariou” são coisas lá do bairro, não de uma instituição que se pretende séria.

Se não têm capacidade para organizar um simples exame, então contratem quem tem essa capacidade.

É inaceitável que se dê tamanho sinal de irresponsabilidade e de desorganização, como aquele que foi dado nos últimos concursos desses dois ministérios.

A terminar, gostaria de reafirmar a necessidade de mantermos as provas para admissão nas diferentes carreiras do funcionalismo público, sem qualquer excepção.

E quem reprovar, deve voltar para a escola e não ser submetido a cursinhos de curta duração que servem apenas para manchar ainda mais a imagem das nossas instituições públicas.

 

Paulo de Carvalho WhatsApp, 28/1/2019