Luanda - “Vamos ter saudades de 2017.” Com estas palavras, o governador do Banco Nacional de Angola, José Massano, destapa uma ponta do véu sobre as dificuldades que os angolanos vão enfrentar nos próximos tempos. Em causa está a implementação das medidas de ajustamento económico impostas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) ao abrigo do programa assinado em dezembro. Com este acordo, que trouxe pela primeira vez a Angola o mais alto responsável do FMI, Christine Lagarde, as autoridades de Luanda poderão vir a beneficiar de um empréstimo de 3 mil milhões de dólares (€2,7 mil milhões).

Fonte: Expresso

Sujeito ao cumprimento rigoroso das exigências do FMI, a libertação desse dinheiro, segundo um antigo funcionário angolano no Banco Mundial, será feita “com controlo do orçamento à boca da caixa”. Ou seja, mediante o cumprimento de metas regulares de execução orçamental.

 

E, por força de uma série de circunstâncias como a descida do preço do petróleo e a redução da produção e o corte imposto pela OPEP, o Governo foi já obrigado a fazer uma cativação de 40% do orçamento. O que irá obrigar a rever as contas. Pelo menos em termos práticos. “Sem ser de jure (em termos formais) mas de facto (na prática) vamos adotar já este mês um orçamento retificativo”, confidenciou ao Expresso fonte do Banco Nacional de Angola (BNA).

 

Devido ao elevado endividamento, o Estado angolano só disporá de 10% do orçamento para investimentos públicos. Para ‘vencer o presente’, um antigo membro da equipa económica de Eduardo dos Santos considera, por isso, que “o Presidente João Lourenço precisa de um verdadeiro chefe de estado-maior da economia que desça à realidade do mundo empresarial”.


“Há ainda excessiva rigidez burocrática em operações de importação, que bloqueiam a atividade comercial de pequena e média dimensão”, disse ao Expresso o empresário do ramo agropecuário, Mário Duarte.

 

Em alguns meios, a vinda do FMI é visto como o bombeiro que vai apagar alguns fogos, alimentar a balança de pagamento e pôr fim a escassez de divisas no mercado. “Os bancos vão ter que fazer os deveres, e o BNA vai ser rigoroso no controlo dos seus rácios de solvabilidade, mas muitas dessas instituições provavelmente não terão capacidade para responder às exigências do FMI”, revelou fonte do Ministério das Finanças

 

Com o apoio do FMI, Luanda começa a honrar os compromissos internacionais. “Estamos a pagar os atrasados em divisas de 2015 e 2017, as companhias áreas têm as dividas regularizadas, eliminámos os défices sucessivos dos anos anteriores e esbatemos o diferencial entre a taxa de câmbio oficial e a do mercado paralelo”, refere Manuel Nunes, ministro de Estado para o Desenvolvimento Económico e Social.


Apesar de ter garantido o controlo de algumas áreas relevantes em termos macroeconómicos, alguns analistas consideram que João Lourenço ainda não foi capaz de ressuscitar e de dar gás ao sector produtivo. “Sem isso, não conseguiremos travar a perigosa espiral de desemprego que atravessa o país”, avisa o economista Aníbal Baptista.

 

Apresentadas à opinião pública sem grande pormenor, as condições impostas pelo FMI começam já a deixar a maioria dos angolanos sem furos para apertar mais o cinto. Os despedimentos sucedem-se em vários pontos do país, multiplicam-se as manifestações contra a falta de emprego e a criminalidade galga terreno nos grandes centros urbanos. “As coisas para mim agora vão de mal a piorar”, lamenta Gabriela Feliciano, que acaba de ser despedida da fábrica de caixilharia onde trabalhava por aquela ter deixado de receber encomendas. “Não há dinheiro para pagar os ordenados”, justifica Aurélio Barroca, proprietário de uma pequena gráfica.

 

São às centenas as empresa que continuam a fechar todos os dias. Com o custo de vida a subir diariamente, o poder de compra dos cidadãos está em queda livre.

 

Perante as adversidades que Angola vai enfrentar, um antigo ministro das Finanças considera que “2019 não será ainda o ano da retoma da economia”. O FMI prevê um crescimento do PIB de 2,5% depois de três anos no vermelho.