Luanda - Para quem conhece a mecânica constitucional da RDC, sabe que o cumprimento do mandato presidencial nos termos estabelecidos pela carta magna não é mérito de Joseph Kabila Kabange.

Fonte: Club-k.net

Tenho dito, que a Constituição da RDC de 2006 é a mais bem conseguida entre os países da SADC e do CEAC não permitindo que as instituições do Estado de Direito sejam facilmente violadas. Um dos seus méritos, é a consagração da inalterabilidade do mandato dos órgãos de soberania como CLÁUSULA PÉTREA. A maioria das constituições não coloca esse obstáculo entre os seus limites materiais. E aqui está a parede que travou Joseph Kabila Kabange na sua corrida contra os interesses da democracia congolesa tentando perpetuar-se no poder.


Parece um simples mecanismo normativo. Mas é exactamente a falta deste mecanismo na Constituição Gabonesa que permitiu Ali Bongo extinguir os prazos de mandatos presidenciais na constituição para perpetuar o seu regime no poder. Da mesma maneira que Denis Sassou Nguesso conseguiu prolongar o seu mandato presidencial na República do Congo ou que os ruandeses puderam prorrogar o mandato de Paul Kagame alterando as disposições constitucionais ou ainda que os burundineses não puderam impedir que Pierre Nkurunzinza avançasse para um terceiro mandato contra a vontade popular. Se não fosse deposto, Robert Mugabe manter-se-ia no poder a custa da constituição zimbabuana maleável neste aspecto. A Constituição da República de Angola de 2010 também não consagra este mecanismo, o que permite qualquer alteração da constituição a favor da perpetuidade de um qualquer mandato presidencial. O mesmo ocorre com a Constituição de Moçambique (só para atrair soluções similares).


Aliás, com a excepção da Constituição da RDC, a maioria das constituições a sul da África (região subsaariana) não está equipada a travar os mandatos presidenciais para além dos prazos consagrados nas suas normas.


Portanto, a Constituição da RDC é a única nessa região de África que não permite qualquer manipulação aos prazos de mandatos presidenciais, ainda que seja revisada. Neste particular os congoleses conseguiram um instrumento normativo que não permitirá a qualquer Presidente da República o cumprimento de mandatos que vão para além de dois consecutivos ou três interpolados tal como consagram a maioria das constituições democráticas.


Não tendo como contornar a rigidez da Constituição da República, ao Presidente cessante restou apenas a solução de estabelecer acordos com o seu sucessor de modo a não perder completamente o poder político. Resta saber se Félix Tshisekedi vai ou não cumprir com os acordos. O sinal mais evidente será manifestado com a nomeação do Primeiro-Ministro. Se virá da lista do PPRD (de Joseph Kabila) ou do Partido de Vital Kamerhe.


Assim Joseph Kabila Kabange torna-se pai da democracia congolesa ao permitir uma transição pacífica do poder, porém contra a sua própria vontade. Uma vontade travada, não pela truculência habitual do povo congolês manifestada com manifestações violentas, mas pela força da própria constituição.


Fica um exemplo para os legisladores africanos no reforço das constituições em prol do Estado de Direito. Afinal, boas constituições podem fazer alguma diferença, mesmo em ambientes de impunidade e de falta de cultura de observância da legalidade. Dixit.