Luanda - 1. Angola precisa de um poder judicial unicamente comprometido com o Direito e eficiente. Um poder, que na interação com os outros (Executivo e Legislativo) sirva de freio adequado para o equilíbrio da governação (checks and balances) e que garanta a supremacia do Direito sobre todos os angolanos e instituições.

Fonte: Club-k.net

2. O nosso passado recente demostra que a orquestra soberana tocou de forma desafinada, enquanto o Titanic se afundava a grande velocidade. Só assim, podemos compreender como foi possível a corrupção, impunidade, nepotismo, entre outros vícios dominassem a gestão do erário público e, consequentemente, remetessem a generalidade dos angolanos à miséria.


3. Para retirarmos o país da sala dos cuidados intensivos, cit. Sérgio Piçarra, sem descurarmos os outros fármacos, precisamos de um poder Judicial politicamente independente do Executivo e do Legislativo.


4. Sim, é necessário resgatar o Judicial da subtil dependência em relação aos poderes Executivos e Legislativos “arquitetada” a partir da Constituição da República de Angola (CRA).

5. Pois, não obstante, a CRA declarar a “independência” do poder judicial face aos outros poderes (Executivos e Legislativos), vid. art. 2.º e 174.º e segs.; a própria lei suprema impõe sérias restrições à sua efectividade.

6. Temos na prática um sistema que reflete uma administração da justiça pelo Executivo e pelo Legislativo e não um Poder Judicial como poder do Estado. São facilmente demonstráveis as ingerências neste órgão que deve oxigenar a concretização do Estado de Direito.


7. Não podemos continuar a venerar esta garantia constitucional aparente de independência do Poder Judicial. Pelo contrário, é o momento de quebrarmos as amarras existentes, para que a Deusa de justiça recupere a sua liberdade e faça os milagres necessários para que o Estado de Direito triunfe.


8. Sabemos que “os países não são como as chatas que rapidamente invertem o seu percurso. Pelo contrário, são grandes navios que carecem de tempo para o fazerem”, cit. Barack Obama.


9. É por este motivo, que não alinhamos na crítica precipitada ao actual Executivo deferidas pelos saudosistas do banquete, que se esmeram em alimentar a ideia de que a nova governação já deveria retirar os angolanos da miséria em que se encontram. Haja coerência. Pois, a crise actual é reflexo do passado maculado pelo desvio e abuso do poder.


10. Porém, estamos convictos de que é o time de implementarmos as mudanças necessárias para alterar o quadro social vigente. E para isto, será determinante atribuir ao Poder Judicial o seu verdadeiro papel.

11. É verdade que a implementação de um sistema judicial digno, não depende apenas da sua independência política “externa”, porquanto existem outros condicionalismos que em outro momento abordaremos.

12. Todavia, para que se alcance um Poder Judicial ao nível de um verdadeiro Estado de Direito, a sua reformatação ou reestruturação deve começar na CRA. Caso contrário, a administração da justiça terá sempre os seus pilares no quintal do Executivo e do Legislativo.
Pois bem. Feita essa introdução,


13. Passemos à análise sucinta destas limitações constitucionais, que remetem ao “cafrique” do Executivo e do Legislativo o poder Judicial.

Ei -las:

COMO O EXECUTIVO CONDICIONA O JUDICIAL?

Resposta:

(i) Pela Nomeação dos juízes dos Tribunais Superiores pelo Presidente da República, vid. art. 119.º, alínea e) -1ª limitação-.
Por mais que se argumente em contrário ou se recorra ao direito comparado (v.g. E.U.A), caracterizado por realidades cujos elementos extrajurídicos e a consolidação das instituições nada tem a ver com o nosso quotidiano, a verdade é que o Nomeado está naturalmente vinculado ao Nomeador. Em boa verdade, nos EUA o Presidente nomeia os juízes federais (não os estaduais), contudo essa nomeação está sujeita a aprovação do Senado.


Neste sentido, esta opção constitucional que investe o Presidente da República da faculdade de livremente escolher os Juízes Presidentes dos Tribunais superiores - ainda que reduzida ao leque dos juízes escolhidos em concurso - vem inquinar gravemente a independência do judicial prevista no art. 2.º e segs. da CRA.


Para que a separação e interdependência de poderes, vid. art. 2.º e 105.º, n.º3 da CRA - cuja finalidade essencial é evitar o abuso do poder- seja mais eficiente no nosso ordenamento, este modelo que atribui discricionariedade ao Chefe de Estado no que tange à nomeação dos sobreditos Magistrados deve ser alterado. Porquanto, os juízes não se afigurarem cargos de confiança política.


Isto dito, revela-se incoerente eleger-se constitucionalmente um paradigma de escolha dos juízes dos Tribunais superiores como se fossem membros do Executivo.


Sim, os Juízes não são membros do Executivo e, nesta lógica, o Presidente da República deveria apenas empossá-los mediante escolha democrática (entre pares) e meritória do CSMJ, validada pela Assembleia Nacional, que apenas poderia rejeitar o candidato, por exemplo mediante maioria absoluta.


Quanto à intervenção do PR no processo de formalização dos Juízes presidentes dos Tribunais superiores, defendemos uma fórmula idêntica ao seu empossamento pelo Juiz Presidente do Tribunal Constitucional. Ou seja, apenas deve ter o poder simbólico de os empossar.
Por outra, poder-se-á ensaiar um modelo em que o PR tenha o direito de vetar o candidato escolhido por concurso e validado pelo Legislativo, mas tal veto poderia ser superado pela segunda votação parlamentar (v.g. maioria absoluta).


(ii) COMO O LEGISLATIVO CONDICIONA O JUDICIAL?

Resposta:


É o Parlamento quem constitucionalmente é competente para o organizar.

Sim, basta um breve olhar à CRA assente nos arts. 164.º, alínea h) - que cuida das competências absolutas da Assembleia Nacional- e 184.º- que delimita as competências do CSMJ-, para concluirmos sem margem de erro que a “organização dos Tribunais e o estatuto dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público” integra a reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia Nacional.


• Em boa verdade, já clarificamos em outro momento – vid., A INCOMPETÊNCIA DO CSMJ PARA EXTINGUIR TRIBUNAIS MUNICIPAIS E CRIAR SALAS DE COMPETÊNCIAS GENÉRICAS, publicado em maio de 2018, que o actual quadro constitucional atribui ao Parlamento os poderes exclusivos para organizar os Tribunais e o estatuto dos Magistrados. Por este motivo, damos como adquirido este entendimento.


• Dito isto, centremo-nos no seguinte quesito:


Sendo o Tribunal um órgão de soberania, faz sentido que seja um outro órgão constitucionalmente reservado para o organizar?

Ora, não precisamos de ressuscitar Montesquieu, para sufragarmos que tal opção constitucional- o facto de o Parlamento cuidar da organização judiciária- na prática fragiliza gravemente os princípios da separação e interdependência de poderes e o Estado de Direito.


Imaginemos uma situação simples do nosso quotidiano, elegendo como referência uma residência. Certamente, quem deve definir como reabilitá-la e apetrecha- lá é o proprietário e não o vizinho.


É necessário libertar constitucionalmente o Judicial desta dependência do Legislativo e permitir que a iniciativa legislativa para organização do poder judicial brote do CSMJ.


Explicando melhor, este poder de organização do Judicial pelo Legislativo previsto na alínea h) do art.164.º deve ser condicionado à iniciativa legislativa do CSMJ e, neste sentido, incluir a mesma no leque das competências deste órgão previstas no art. 184.º, ambos da CRA. Tal alteração permitirá que CSMJ seja colocado no centro da organização judiciária. Assim, teria alguma influência na definição da estratégia para administrar a justiça. Em vez de o resumirem em mero órgão de gestão disciplinar e administrativa do judiciário, como sucede neste momento.


Por outra, para que o CSMJ assuma o seu verdadeiro papel, para além de a alteração constitucional referida será necessário repensar a sua composição (v.g. os não juízes devem desvincular-se de quem os indicou) entre outros condicionalismos que merecerão a nossa atenção em breve.

COMO O LEGISLATIVO E O EXECUTIVO, CONJUNTAMENTE, CONDICIONAM O JUDICIAL?

Resposta:

Pelo bolso. Ou seja, os Tribunais são dependentes financeiramente do Executivo e do Legislativo. Não tem maioridade financeira, quanto ao sublinhado, cit. Eduardo Vera cruz.

Apesar de o art. 178.º da CRA, estabelecer a autonomia administrativa e financeira dos Tribunais, devendo por lei criar-se as condições para que o judicial participe na elaboração do seu orçamento, a verdade é que volvidos praticamente 9 (nove) anos desde a entrada em vigor da CRA, o Parlamento optou pela inconstitucionalidade por omissão legislativa. Dito de forma mais clara, o próprio Legislativo, até ao momento, não fixou as regras para que o Judicial possa ter voz no que tange ao dinheiro que carece para administrar a justiça.


Esta falta de definição do quadro legal que catapultaria a autonomia financeira do judicial, faz com que se instale um modelo de atribuição orçamental confuso e desequilibrado, pois, cada Tribunal passou a ser uma unidade orçamental independente. Isto inviabiliza a união dos mesmos para que conjuntamente possam lutar por um orçamento mais digno para a justiça.


O ideal passaria pela unicidade orçamental de todos os Tribunais, que deveria ser preparado e apresentado ao Parlamento na especialidade pelo CSMJ. Acreditamos que assim se minoraria na prática as disparidades económicas entre os mesmos – Juízes de alguns Tribunais têm “boas” regalias, enquanto que os de outros, que julgam “pessoalmente”, e a título exemplificativo, presumíveis criminosos perigosos carecem de condições de trabalho e de remuneração condigna, acalentada pelos passaportes diplomáticos”, que hoje estão “quase” derrotados pela falta das tais divisas.


E mais, relembramos que no actual modelo, o orçamento do judicial é elaborado, introduzido e apresentado pelo Executivo ao Parlamento para sua aprovação.


Numa só frase: O Executivo tem a faca, o Parlamento tem o queijo, enquanto o Judicial mendiga pelos pedacinhos de queijo que ambos o decidirem alimentarem.


Basta uma simples atenção à sobredita jogada para concluirmos que não é possível EXISTIR VERDADEIRA INDEPÊNCIA DOS TRIBUNAIS, SE OS MESMOS ESTÃO ECONOMICAMENTE DEPENDENTES DO EXECUTIVO, nos termos expostos.


Em jeito de conclusão, reafirmamos que a garantia constitucional de independência política do Judicial é aparente, porquanto, a própria CRA contém sérias limitações ou amarras deste poder ao Legislativo e ao Executivo, que tem de ser quebradas.

A saber:


a) A nomeação dos juízes Presidentes dos Tribunais Superiores pelo Presidente da República, apesar de os mesmos não serem membros do Executivo;


b) Os Tribunais são Órgão de soberania, mas, inacreditavelmente, do ponto vista constitucional não têm competências para participarem na definição da política judiciária, pois, tais poderes estão reservados absolutamente ao Parlamento;

a) O poder judicial está economicamente dependente do Executivo e do Legislativo. Dito de outro modo, não têm maioridade financeira. Pois, quem prepara e apresenta o seu orçamento ao Legislativo é o Executivo. Logo, o condicionam pelo bolso.

Pelo exposto, é cristalino para quem ama a Deusa da justiça, é necessário redefinir constitucionalmente a independência do poder Judicial em Angola, sob pena de os erros do passado ganharem nova versão.

Abreviaturas Utilizadas:

CRA – Constituição da República de Angola;

CSMJ – Conselho Superior da Magistratura Judicial;

PR – Presidente da República.