Luanda - Mais um ano lectivo foi aberto, com a solenidade que tem sido habitual. Discursos bonitos, cortes de fita, inaugurações de algumas escolas, balanços positivos mas, a verdade mesmo, é que dados oficiais indicam que ainda existem cerca de dois milhões de crianças fora do sistema de ensino.

Fonte: Club-k.net

Como essa questão não se resolverá com um simples estalar de dedos, condicionados que estamos por um quadro de crescentes dificuldades, significa dizer que, quem governa, terá que fazer a retracção dos recursos destinados ao investimento público, incluindo neste domínio. Logo, o acesso à escola para muitos angolanos, não será prioridade nos próximos anos, porque para resolver os problemas que persistem no sector até 2022, como referiu o ministro de Estado da Casa Civil, o ideal seria manter, no mínimo, o ritmo de construção de escolas, formação e admissão de novos professores, o que não acontecerá, porque a verdade é apenas uma: não há dinheiro!


Mas, deixemos para lá este caso, por enquanto. Neste comentário, quero mesmo é dedicar as minhas atenções, rendendo homenagem à centenas de professoras e professores espalhados por todo o país, mas, particularmente, os da província de Benguela, que, todos os dias, num quadro muitas vezes dramático, percorrem centenas de quilómetros, para, numa escola ou debaixo de uma árvore, transmitir conhecimento à milhares de crianças e adultos, em aldeias recônditas, onde nem sequer água para beber há. Imagine-se para a higiene pessoal!


Todos os dias, ao raiar do sol, com pasta e um saquinho na mão (quando há algum dinheiro que dá para comprar o essencial para aliviar a fome e a sede), postam-se ao longo das principais vias, tentando, de preferência, uma boleia para chegar ao local de trabalho, já que o salário não cobre a despesa do táxi, que nalguns casos, ronda os mil kwanzas/dia. É preciso ter elevada consciência patriótica para prosseguir, diante de tanto abandono, porque, as vezes, nem 100 Kz há para comprar uma manga que serve de almoço, essas professoras e professores têm.


Todos os dias, de camião, na carroçaria de triciclos motorizados, no candongueiro misturadas e misturados com todos os cheiros, cobrem essas distâncias para cumprir com o seu dever “revolucionário”, como considerou Agostinho Neto, sem que tenham o devido apoio das entidades correspondentes, provinciais ou municipais, como se o salário, sempre atrasado, por si só, bastasse para cobrir as necessidades de quem trabalha tão distante do seu local de residência, porque essa foi a única oportunidade para conseguir o emprego.


Para essas e esses patriotas, que deveriam beneficiar de subsídios especiais, a Nação deve-lhes vénia porque, de facto, não é fácil percorrer essas longas distâncias de casa para o local de trabalho e o regresso a casa, esfomeados, cansados e sujas ou sujos, com o “coração nas mãos”, como dizem, porque o perigo está sempre à espreita nas nossas estradas. A causa é, sim, nobre, mas os números de acidentes e mortos falam por si e assustam quem tem que viajar todos os dias nessas condições.


Sem água, sem comida, ao sol, à chuva, ao calor no interior das salas, porque a construção das escolas não atendeu a realidade local, esses agentes do Estado vão para os seus locais de trabalho cumprir com o seu papel. Não desistem, mesmo diante do assédio de quem oferece boleia e quer depois tirar proveito, tentando apalpar seios, pernas ou partes íntimas; ou de violações consumadas que, apesar de levadas ao conhecimento dos órgãos policiais, acabam em nada, porque os violadores alegam ter havido concordância da outra parte, enquanto as vítimas, para evitar o vexame da exposição pública ou em tribunal, remetem-se ao silêncio, apesar da revolta espelhada nas lágrimas impotentes que rolam pelas faces, escondendo a mágoa, a repulsa, o nojo por quem, ainda é forçada a confrontar o seu violador na esquadra policial, fazendo o papel de inocente.


Oh que raça maldita desse homem, a quem as professoras apelidam de “mais-velho das galinhas”, porque se dedica ao comércio dessas aves!
Como entendemos do desabafo, continua a actuar impune na linha entre Benguela e o Chongorói. E embora nenhuma professora aceite mais a sua boleia, de certeza que, pela estrada fora, não lhe faltam outras ‘galinhas’ para ‘abater’, porque até dispõe de uma arma de caça que também serve para ameaçar as suas vítimas.


Para um caso de extrema gravidade como esse, e até porque o tal "mais-velho das galinhas" é reincidente, conhecendo-se pelo menos quatro casos com queixas apresentadas, é suposto que a investigação criminal vá mais fundo nas suas diligências, para reunir provas que possam conduzir à responsabilização dessa e de outras figuras asquerosas, que fazem mal a quem só faz tanto bem, a quem deixa o conforto da sua casa para emprestar a sua contribuição no desenvolvimento do país, em troca de um salário de sacrifício. E acaba violada.


Por tudo isso e muito mais, rendo hoje a minha homenagem a essa classe e, especificamente, a esse grupo, a quem o Governo até reconhece importância, mas, na prática, pisca o olho numa atitude de indiferença para com as suas reais necessidades e preocupações.


Para boa parte delas e deles, não houve férias, porque tiveram que criar condições para o novo ano lectivo. Enquanto isso, os autocarros importados para beneficiar o ensino, continuam estacionados num parque e há poucos dias do inicio das aulas, ainda nem se conhece qual o plano de distribuição e como serão geridos.


Começar por aqui, onde eles de facto fazem falta, seria um verdadeiro exercício de justiça.


Fiquei abalado com esse caso e depois de ouvir essas e muitas outras lamentações, de um grupo a quem faz tempo, dei boleia, prometi a mim mesmo, dedicar parte do meu tempo para reportar, logo que tenha disponibilidade, o dia-a-dia de uma professora do interior.
De certeza, será dose!