Luanda - Desde 2017 que o país tem vivido um novo e diferente alento em relação ao discurso sobre o combate à corrupção e à impunidade. Desejava imenso que também este discurso fosse seguido de um combate sério contra a arrogância dos líderes partidários do M e dos seus players nas lides de fazer acontecer as coisas. Infelizmente, ao menos para mim e em relação aos assuntos de que gosto de tratar, fico cada vez mais decepcionado... Partilho alguns argumentos:

Fonte: Facebook

1. A Lei n.º 9/18, de 26 de Junho, Lei do Repatriamento dos Recursos Financeiros, terá inaugurado, na sua fase embrionária, o maior debate e participação dos cidadãos em torno de um ante-projecto e projecto de lei da nova era;


2. A bancada parlamentar da UNITA, bateu-se por uma proposta fantástica, melhor, mais abrangente, igualitária (em relação aos recursos no estrangeiro e em Angola) e realista e não foi acolhida;


3. Grupos de cidadãos organizados apresentaram imensas propostas, redigiram cartas ao TPE, ao presidente da Assembleia Nacional, tendo resultado em nada;


4. A 26 de Junho de 2018 a Lei foi publicada em Diário da República, na essência, com a mesma roupagem com que o Projecto do Maioritário entrou para a Assembleia Nacional;


5. 6 meses depois, percebeu-se o tremendo erro, as lacunas e as graves omissões que a Lei do Repatriamento dos Recursos Financeiros continha... e zás! Os “craques de sempre” montaram uma nova lei, a Lei n.º 15/18, de 26 de Dezembro, Lei do Repatriamento Coercivo e da Perda Alargada dos Bens, com a mesma atitude ou até pior que a da Lei do Repatriamento dos Recursos Financeiros. E é aqui que começa o problema;


6. O artigo 2.º da Lei n.º 15/18, de 26 de Dezembro tem como epigrafe “Âmbito” e diz: «a presente lei aplica-se a todas as situações que configurem crimes de natureza patrimonial em que o Estado tenha sido lesado…»;


7. Peculato, recebimento indevido de vantagem; corrupção passiva, corrupção activa, participação económica em negócio, tráfico de influência e corrupção no domínio do comércio internacional não são crimes patrimoniais, logo, excluídos do âmbito da Lei n.º 15/18, de 26 de Dezembro;


8. Salvo melhor opinião, e com bastante respeito pela opinião alheia, cometeu-se um erro crasso ao confundir crimes patrimoniais (furto, roubo, extorsão, burla, burla por defraudação, infidelidade, etc..) e crimes cometidos no exercício de funções públicas (peculato, corrupção, participação económica em negócio, recebimento indevido de vantagens, etc…)


9. Sendo certo que, à excepção do peculato, todos os crimes da natureza patrimonial e os cometidos em exercício de funções públicas cometidos até 11.11. 2015, foram amnistiados pela Lei n.º 11/16 de 12 de Agosto, Lei de Amnistia, aprovada pela Assembleia Nacional no dia 20 de Julho de 2016, tendo a mesma entrado em vigor a 12 de Agosto de 2016, na data sua publicação em Diário da República, seria desejável que a lei enunciasse a que crimes é aplicável para não “ser pior a emenda que o soneto”…


10. Seria desejável, contando já com o Projecto de Código Penal, agora aprovado, a densificação de um regime jurídico sobre Perda de Bens a favor do Estado e não propriamente um regime sobre repatriamento coercivo e alargado de bens;


11. O conceito de património incongruente pode levar a confundir-se com o regime jurídico do crime de enriquecimento ilícito e a subjacente problemática da inversão do ónus da prova;


12. Mais, esta lei que se inspira, mas mal, na lei 5/2002 de Portugal que também fala no rendimento lícito congruente (artigo 7), precisa de uma profunda reflexão, porque pode violar a Constituição e o Pacto internacional de direitos civis e políticos;


13. A confirmar-se esta violação, pode impedir, em termos práticos, a cooperação internacional, uma vez que um dos pressupostos da cooperação é o respeito pelos instrumentos internacionais;


14. A Lei n.º 13/15, de 19 de Junho - Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, nos seus artigos 7.º e 8.º, é clara ao afirmar que a cooperação a que a lei faz referência ficará inquinada se preencher os requisitos negativos previstos nos artigos 7.º e 8.º, designadamente, quando não satisfaça as exigências dos tratados internacionais (DUDH, PIDPC, CEDH, CADHP);


15. Por último, é preciso dizer-se, a quem deva interessar, que sendo uma lei penal -vide artigo 1.º “objecto” condenação em processo penal e artigo 2.º “âmbito” crimes de natureza patrimonial – é, por imperativo da Constituição e da Dogmática Jurídico-penal (enquanto norma penal incriminadora está abrangida pelo), exigível que se respeite o princípio da Legalidade de Intervenção Penal que no plano da retroactividade proíbe a aplicação retroactiva da norma penal que agrava ou fundamenta a responsabilidade penal do agente…


Por estas e outras, penso cá com os meus botões: há gente que mantém a “arrogância de sempre e anda a vender coercivamente peixe que não há nos nossos mares”… Entretanto…recordo-lhe: diz-me que leis tens e dir-te-ei se és um Estado de Direito e Democrático ou não...


BEM-HAJA ANGOLA E OS SEUS HÉROIS!