Luanda - A cultura é um conjunto de costumes, de instituições e de obras que constituem a herança de uma comunidade ou grupo de comunidades. Noutras palavras, a cultura é o sistema complexo de códigos e padrões partilhados por uma sociedade ou grupo social e que se manifesta nas normas, crenças, valores, criações e instituições que fazem parte da vida individual e colectiva dessa sociedade ou grupo.

Fonte: Club-k.net


No fundo, a cultura, como tal, é a componente básica da civilização das sociedades modernas do mundo contemporâneo, que se baseia num conjunto de conhecimentos e realizações humanas, marcadas pelo desenvolvimento intelectual, económico, científico e tecnológico. Importa dizer que, a democracia é o produto da civilização europeia, assente no cristianismo, como sendo a ferramenta cultural que sustenta a supremacia ocidental. Esta condição de superioridade cultural, que acaba de se referir, tivera sido alcançada através de vários processos históricos da exploração sucessiva do homem por via da escravatura, do tráfico de escravos, do sistema feudal, da colonização dos povos do mundo, e da pilhagem das riquezas dos territórios conquistados, ocupados, dominados, anexados e colonizados pelas potências europeias.

 

Os factores acima referidos é que criaram condições propícias para alcançar o avanço significativo no domínio da ciência e da tecnologia, como sendo factores determinantes do surgimento da Revolução Industrial na Europa Central. Interessa notar que, o capitalismo desenvolveu-se na fase da transição do sistema feudal para a econômica industrializada. Que se baseou na grande produção, no investimento de grande massa de bens, na propriedade individual dos capitais, na competitividade e no comércio livre. No ponto de vista politico, o capitalismo é o regime no qual o poder politico está condicionado e dependente do poder financeiro que é detentor de capitais para os investimentos avultados na economia, como sendo os factores importantes da produção e da produtividade.


Para dizer que, a democracia ocidental assenta no capitalismo, como mecanismo de equilíbrio e de regulação entre o poder financeiro e o poder politico. Já que o poder politico é dependente dos detentores dos capitais, é imperativo que haja o poder eleito, e seja separado, e que tenha os mecanismos de interdependência, sem supremacia entre si, e fiscalizados por órgãos competentes. É nesses moldes em que, o «sufrágio universal» assumia-se como sendo a fonte principal da autoridade pública, que passa por escrutínio e por fiscalização, com poderes delegados e representativos, em forma de Governo, de Parlamento e de Poder Judicial.


Para que este mecanismo de interdependência, de equilíbrio e de freios seja funcional, eficaz e efectivo no cumprimento das suas competências é imperativo que haja a cultura democrática na sociedade, que esteja bem interiorizada na alma, que desperte a consciência humana, e regule a conduta das pessoas singulares e coletivas. Pois, a eficácia das instituições e dos órgãos públicos depende do espírito e da vontade política das pessoas que se responsabilizam pela condução e pela gestão das mesmas. Não se pode esperar que uma escola de pensamento comunista estivesse em condições de interiorizar a cultura democrática, abraçar os seus valores e aplicá-los fielmente. Porque isso exige uma entrega total à doutrina democrática, que consiste na tolerância política e no respeito absoluto da vontade dos eleitores, que constitui a fonte legal e legitima do poder público.

 

O respeito escrupuloso da vontade dos cidadãos eleitores, expresso nas urnas, que constitui a fonte legitima e legal da autoridade pública, é a premissa primária da cultura democrática. A capacidade de aceitar livre e voluntariamente o veredito popular constitui a virtude suprema da democracia ocidental. Os governantes, no exercício das suas funções, têm a consciência evidente de que, eles são apenas servidores públicos, e o poder que exercem é a pertença dos cidadãos eleitores, que possuem o poder absoluto de renová-lo ou de retirá-lo, e confiá-lo noutro sujeito. Razão pela qual, nas circunstâncias adversas, os estadistas ocidentais não fazem questão de demitir-se e fazer outra coisa na vida, cheio de oportunidades e desafios. Note-se que, quando o conceito acima expresso não estiver suficientemente interiorizado na alma e no espírito dos politicos, haverá sempre a tendência da manipulação dos processos eleitorais, defraudando assim a vontade dos cidadãos eleitores.


Quando a vontade dos eleitores for sucessivamente defraudada, como acontece na maior parte dos países africanos, a democracia fica invertida, e as instituições do Estado entram da crise de credibilidade e de legitimidade. O Estado torna-se autoritário, corrupto e incompetente. Em consequência disso, sucede o divórcio tácito e latente entre os governantes e os governados, que ficam sujeitos à manipulação do poder politico. Apesar disso, com o andar do tempo, a relação bilateral se transforma num vulcão activo, prestes a explodir a qualquer momento.


Nesta lógica, com vista a perpetuar o Poder, procede-se geralmente à partidarização das instituições do Estado, inclusive o Poder Judicial, as Forças Armadas, a Polícia, os Serviços de Inteligência, os Órgãos da Administração das Eleições, a Comunicação Social, a Banca e as Empresas Públicas e Privadas. Quanto ao Parlamento, como órgão legislativo, composto por partidos politicos eleitos, não tem sido uma excepção da partidarização dos seus serviços técnicos e administrativos, ocupados somente por membros do partido no poder, sem acesso nenhum de outros quadros da sociedade, ou dos partidos políticos na oposição. Que é o grande paradoxo!


O Poder Judicial, neste contexto, serve exclusivamente o poder partidário como instrumento de desestabilização interna das forças vivas da sociedade, das organizações cívicas e dos partidos politicos da oposição. A jurisprudência passa a ter um cunho eminentemente político, com a interpretação das leis de acordo com os interesses partidários. Este fenómeno se observa com frequência na ordem jurídica angolana, em que as decisões importantes e de carácter politico, são ditadas pelo Presidente do Partido no Poder. O que cria o espaço fértil de infiltração aos partidos concorrentes, no sentido de corrompe-los, miná-los, desagregá-los e no fim, afastar os protagonistas mais fortes, através de acções jurídicas aos tribunais. Visando, deste modo, a promoção dos elementos dócil ao serviço do regime.


Este estado de coisas não fortalece e nem credibiliza a democracia representativa, participativa e multipartidária. Pelo contrário, cria-se o ambiente de dependência política e de tráfico de influências, que conduz ao estado excessivo de corrupção. Por esta via, emerge na sociedade uma classe burguesa altamente rica, corrupta e todo- poderosa, com fortes sustentáculos em todos os sectores do Estado. Para o efeito, sucede a drenagem dos recursos públicos, que são desviados aos bolsos da classe capitalista selvagem, num processo premeditado de enriquecimento ilícito. Neste tipo de regime, o Estado perde a força moral de combater eficazmente a corrupção. Pois, as instituições públicas que deviam servir de instrumentos eficazes de entrave e de combate à corrupção, elas próprias se encontram erodidas pelo o mesmo fenómeno. Limitando-se apenas a fazer o teatro, iludindo a opinião pública como se estivesse de facto a erradicar a corrupção.


No caso especifico de Angola, a corrupção faz parte da estratégia política do MPLA, que consiste na acumulação primitiva de capitais, a fim de criar uma classe forte e dominante para assegurar o poder financeiro e o poder politico, como instrumentos da manutenção do poder do Estado. Aliás, esta teoria tem como objetivo estratégico, concentrar o poder politico e financeiro num grupo de pessoas, com vista a exercer a hegemonia política e o monopólio económico-financeiro. Portanto, o que está acontecer neste momento é uma luta interna no seio do MPLA entre as duas alas, que disputam pelo controlo do mercado de capitais, até aqui dominado pelo entourage do antigo Presidente José Eduardo dos Santos. Veja que, o processo da acumulação primitiva de capitais, que passa por várias formas e modalidades, continua intacto e florescente. Até nalguns casos existe a aproximação de interesses entre as duas alas, que se digladiam na mesma arena.


Repare que, o Governo actual tem estado a tomar medidas que empobrece os cidadãos comuns cujo poder de compra se encontra no estado critico de depreciação constante. Quem estiver atento terá dado conta de que, a gestão monetária, financeira e orçamental tem sido bastante precária. É neste sector vital da economia nacional onde incide as políticas mais ruinosas da acumulação excessiva dos capitais.

A inflação, a desvalorização da moeda, a depreciação de rendimentos e a perca do poder de compra atingiram os níveis insustentáveis. A moeda é vendida nos mercados informais, alimentados pelos governantes e agentes bancários, tirando lucros exorbitantes. A compra e a transferência de divisas estão num circuito bem fechado, restrito e privilegiado. Os investidores e gentes económicos estão restringidos de repatriar os seus dividendos; contrariando a política da criação do ambiente favorável de negócios; com uma taxa de endividamento elevadíssima. É por aí estará o cúmulo da corrupção galopante que não deixa de crescer, que se aprofunda, e que floresce em todos os sectores da sociedade angolana.


Outro exemplo mais escandaloso e absurdo, da acumulação exagerada dos capitais pelos governantes, é a subida extraordinária da taxa da emissão de passaportes ordinários, de três mil kwanzas, para trinta mil kwanzas. Note-se que, esta medida, acima de tudo, restringe os estratos sociais mais baixos da sociedade angolana o acesso aos passaportes. Ficando, deste modo, sem possibilidades de movimentar-se aos mercados externos, e realizar as suas vidas. Digo com a boca cheia, esta medida está eivada de incongruência e de insensibilidade humana. Aliás, esta atitude insensata representa a cultura real do MPLA, que caracterizou a governação autoritária e corrupta do Presidente José Eduardo dos Santos. Uma figura bastante fria, apática, arrogante e indiferente.


Se este contexto prevalece, é porque o sistema angolano não possui mecanismos de equilíbrio e de freios, capazes de bloquear qualquer medida prejudicial ao bem comum, e que violam as liberdades e os direitos fundamentais dos cidadãos, salvaguardados pela Constituição da República de Angola e pelo Direito Internacional. O que passa actualmente nos Estados Unidos da América é o exemplo concreto da eficácia do sistema de separação de poderes e da interdependência dos órgãos de soberania. O Presidente Donald Trump (Partido Republicano) enfrenta uma resistência forte da Câmara dos Representantes (dominado pelo Partido Democrata) que se opõem duramente às despesas avultadas ($5.7bilhões) destinadas à construção do muro imponente ao longo da fronteira com o México.


Acredito que, se o Parlamento Angolano tivesse o equilíbrio, e se não estivesse em vigor o regime de partido-estado, o Presidente João Lourenço não teria ousadia de tomar as medidas tão aberrantes, como acontece agora. Pois que, ele teria encontrado uma resistência dura e firme dos Deputados, comprometido com o bem-estar das populações locais, que se encontram no estado de penúria, de miséria e de pobreza extrema. Porém, o estado de atraso e de iliterácia extensiva que se verifica na sociedade angolana, conduz as pessoas a pensar que os Deputados, como Órgão Legislativo, não estão a fazer nada. Note-se que, nas condições actuais de «maioria qualificada» (mais de dois terços) do MPLA, assente no partido-estado, não é possível travar os caprichos do Poder Executivo. Pois, todos os actos do Parlamento passam por via do poder de voto. O resto é o mero exercício de charme, que visa apenas distrair a atenção da opinião pública.


Parafraseando, a Europa Ocidental saía do subdesenvolvimento e da instabilidade política constante através de ter abraçada a cultura democrática que permitia a integração global dos seus povos no sistema político, social, cultural, económico e tecnológico, como força motora de desenvolvimento. Assumindo o papel determinante no processo da tomada de decisões nucleares do Estado. A definição e o exercício do poder político, que era o domínio exclusivo da Aristocracia, passavam para as mãos do povo, com poderes absolutos, como sendo a fonte legal e legitima da autoridade pública. A partilha da riqueza deixava de ser decidida unicamente pelas monarquias absolutas, que ficaram excessivamente ricas, em detrimento do povo, que padecia na miséria, na fome e na pobreza extrema. A boa governação passava a ser a condição sine qua non para o exercício do poder político.


A industrialização da economia ficara garantida através da qualidade de ensino e da formação técnico-científico dos quadros nacionais, com acesso livre ao saber, sustentado pelo Estado. Feito num ambiente pleno de prestação de serviços de saúde extensivo e qualitativo, com acesso global de todos os estratos sociais da sociedade. Tivera sido nesses moldes em que a Europa Ocidental foi capaz de desmantelar a Aristocracia burguesa que era o travão principal ao desenvolvimento equilibrado e equitativo. O povo passava assim a ser o dono do Poder, da Nação, da Soberania e da Distribuição justa da riqueza. Porém, hoje o Mundo enfrenta novamente a acumulação e a concentração das riquezas nas mãos de um punhado de Magnatas.


Portanto, enquanto este contexto, acima caracterizado, da democraticidade, não se afirmar na África Negra, não será possível fazer face aos grandes desafios do Continente, tais como: A pobreza, a fome, a doença, a iliterácia, o atraso, o subdesenvolvimento, a corrupção, a injustiça social e a má governação. Enfim, sintetizando o meu raciocínio, a «teoria» da acumulação primitiva dos capitais, assumida e praticada pela Direção do MPLA é caduca, arcaica, ruinosa e devastadora. Mergulhou o país na corrupção generalizada e na crise económica profunda. Por isso, deve ser combatida com rigor, determinação, firmeza, flexibilidade, perseverança e sabedoria.


Luanda, 07 de Fevereiro de 2019.