Luanda -  Há exactamente 43 anos, num dia como hoje, protagonizei um acontecimento marcante. No dia 06.02.76, na minha qualidade de Adido Militar Adjunto da UNITA em Kinshasa, voei para o Nova Lisboa/Huambo transportando algum material e aproveitar avaliar o evoluir da situação político-militar. Constatei pela agitação da população e não só, que de facto a situação era preocupante, pela evolução das tropas coligadas, FAPLA, Cubanos e outros em direcção ao Huambo. Recebi orientações do Estado Maior para passar a descarregar material bélico em Silva Porto/Bié e não mais em Nova Lisboa. Regressamos para Kinshasa.

Fonte: Club-k.net


No dia 07 carregamos o nosso avião, o ''PearlAir'', um DC3 a hélices, com capacidade de 20 toneladas. À hora habitual (05H00), descolamos do terminal militar do aeroporto de Ndjili em Kinshasa e cerca de 3 horas depois, estávamos a descer para o aeroporto de Silva Porto/Bié. Como nós ''tínhamos direito'' a um lugar no cockpit do avião, o sentido de vigilância permitiu-nos identificar uma coluna militar na linha Malange-Musende-Kalusinga-Andulo, rumo à Silva Porto/Bié. Era uma coluna com viaturas de transporte de tropas, tanks e viaturas de combate. Eram os cubanos em direcção a tomada do Bié. Eu disse ao Cmdt de bordo para ver se a nossa rádio-ajuda ao solo respondia. Não havia mais sinal.


O Cmdt pede o meu parecer e eu aconselhei prudência. Manter uma altitude que nos proteja pelo menos das metralhadoras A/aéreas, já que estávamos perfeitamente no raio de acção de qualquer míssil soviético. Depois de umas voltas, ordenei o piloto a fazer o QRF para Kinshasa já que não havia nenhum outro aeroporto alternativo. O Cmdt olha para mim e diz: Posso fazer o QRF mas não temos combustível suficiente para chegar a Kinshasa, a não ser que larguemos parte do material na mata. Aos meus 22 anos de idade estava então diante de uma difícil mas urgente decisão. Largar o ''precioso'' material de guerra ou arriscar o despenhamento do avião por falta de combustível. Nunca senti tanto a falta de um superior hierárquico! Era preciso assumir a responsabilidade. Com o país em guerra não se deita fora material de guerra sem consequências, pouco importavam as circunstâncias.

 

O Cmdt percebeu o dilema e disse: Vou tentar ganhar o máximo de altitude possível para depois ao descer poder economizar combustível. Encorajei o Cmdt nessa aventura. Suspendi a respiração e cada minuto começou a contar como uma eternidade e me parecia que o consumo do nosso DC3 se tinha multiplicado e de vez em quando olhava para o manómetro do combustível fazendo votos de que deixasse de contar. Fui ainda controlando a expressão que o visual do Cmdt deixava transparecer. Pareceu muito sereno e seguro o que me criou algum ânimo. Não me lembro agora da altitude que o nosso aparelho conseguiu atingir mas depois de duas longas horas o comdt iniciou a manobra da descida para Kinshasa. Depois de quase uma hora, eis que por volta das 11 horas tínhamos Kinshasa à vista. Engajou a manobra da aterragem até que tocamos o chão com combustível para menos de dez minutos de voo. Aplaudi sozinho! Estávamos vivos e com o material de volta. Às 20 horas liguei o meu rádio. O Huambo tinha sido tomado e o Bié estava iminência de cair...


Contei esta história ao Mais Velho, mais ou menos um ano depois, quando nos encontramos no Kuelei no Kuando Kubango.